segunda-feira, outubro 10, 2005

AINDA A CONTINGENTAÇÃO
Transcreve-se infra um texto, datado de 30 de Setembro de 1997, da autoria do juiz F. Silveira Ramos:
"Os juizes do Tribunal Cível de Lisboa acham-se já confrontados com o despacho de mais de 2.000 processos, cada um, ( 2.015 em finais de Junho, no caso do signatário) , sem qualquer contingentação, num esforço inglório de que está ausente a mais elementar racionalidade ou simples bom senso, tal é a avalanche de serviço, com notável aceleração no aumento das pendências. Mesmo sacrificando as imperiosas necessidades de actualização e estudo, é fisicamente impossível o despacho atempado dos processos ou mesmo até somente, para muitos destes o seu despacho. O que, face ao disposto no art. 89. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, envolve grave responsabilidade do Estado Português a quem cabe a organização da Justiça, pela demora nas resoluções judiciais, muito superior aos dois anos que o Tribunal Europeu tem entendido constituir o máximo para uma decisão em primeira instância (Prof. Lebre de Freitas em artigo intitulado «A Responsabilidade dos Juízes», publicado no Expresso de 7/11/92). Lebre de Freitas, que aí refere ser de 500 processos/ano a média europeia nos países em que há contingentação dos processos a atribuir a cada juízo considera que a violação daquele art. 89 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem atingia em Portugal, já em 1989, mais de 67% dos processos cíveis concluídos em primeira instância com perspectivas pessimistas para o futuro. Esse valor, a nível da primeira instância afigura-se equivalente aos 55 e 70 processos para as acções cíveis respectivamente, do Supremo e das Relações, fixados em 27/2/92 pelo Conselho Superior da Magistratura. Nas Grandes Opções do Plano para 1997, aprovadas pela Assembleia da República na Lei nº. 52-B/96 de 27/12, salienta-se no que se refere ao Sistema Judiciário, antes de mais, a morosidade da administração da justiça, seguindo-se a grave obstrução da justiça cível, nomeadamente no plano da execução das respectivas decisões propondo-se a concretizarão em 1997 de medidas de justiça cível, que consistirão (entre outras) na ponderação e experimentação de um novo regime de assessoria nos tribunais, designadamente nos que apresentem maior movimento de processos. Parece-nos merecer reflexão a figura do «Rechtopflegerl», função que desde 1969 vez sendo desempenhada na Alemanha por funcionários judiciais especialmente preparados em cursos de três anos, ou por pessoas já habilitadas para o exercício da judicatura abrangendo, com reclamação oportuna para o juiz junto do qual trabalha, áreas tão vastas como os processos de jurisdição voluntária, depósitos e vendas em execuções falências e concordaras, cauções, liquidações e partilhas, tutelas, registos de marcas e patentes, predial, de navios e aeronaves, etc. Essa figura poderia eventualmente permitir entre nós um aproveitamento mais racional das potencialidades dos juízes mais experientes, ao mesmo tempo que, através da assessoria formulada já nas Grandes Opções do Plano para 1997 e até agora apenas prevista nos Tribunais Comuns para o Supremo, daria uma excelente oportunidade aos novos juízes, recém-chegados do Centro de Estudos Judiciários de poderem iniciar-se na actividade judicial de forma gradual, harmoniosa e assistida, evitando-lhes, com manifestos benefícios para a Justiça e seus utentes o pesado sacrifício que caiu sobre ao anteriores gerações de novos juízes, atirados de chofre para a solução de todo o tipo de questões, face aos absurdos volumes processuais que se conhecem, sacrifício agora desnecessário, mas que será sempre justo reconhecer e homenagear. Essa assessoria evitaria também as reservas que poderiam suscitar no plano constitucional - as desjudícialização que doutro modo resultaria. Os assessores que se projectam actualmente para os tribunais de primeira instância (recém - licenciados, com diminuta prestação de serviço como tal, com vista a eventual admissão ao C.E.J.), irão chegar aos tribunais com fraca preparação técnica e deles sairão sem terem adquirido experiência relevante, de modo a não poderem dar efectivamente um contributo que se possa comparar aos também «assessores» há muito previstos no Regulamento do L.O.T.J. (art. 32. DL 214/88 de 17/6) e recentemente instituídos no Supremo «para coadjuvar o presidente e os juízes na recolha de elementos necessários ao exame e decisão dos processos». Os assessores do Supremo aspiram e preparam-se para virem a ser no futuro Juízes - Conselheiros, enquanto os assessores da primeira instância apenas se preparam (e indirectamente) para serem auditores de justiça. Por outro lado, as necessidades de coadjuvação dos juizes da primeira instâncias, não residem na recolha de elementos para decisão, mas sim no despacho de questões que realmente implicam a dispersão do juiz que atingiu a plenitude das suas potencialidades técnicas e humanas e que, pelo volume de serviço, não pode atender a tudo, a tempo e horas. Útil, sim, seria a instituição de assessores que, com grande flexibilidade, possam preencher muitas dessas necessidades judiciais em tribunais de maior movimento, sem prejuízo de, noutros tribunais, serem funções exercidas normalmente por um juiz (não assessor). Para além das tarefas da área de competência do «Rechtspfleger» esses assessores poderiam, por ex., ouvir deprecadas, participar em Tribunais Colectivos, etc., tal como acontece actualmente com os juízes em regime de estágio de pré-afectação. A actualização das alçadas fixadas em 1987 em 500 contos para os tribunais de primeira instância e 2.000 contos para as Relações (art. 202. L.O.T.J., Lei 38/87 de 23/12), é uma necessidade imperiosa para racionalização de todo o sistema judicial. Aqueles valores, feitas as contas das sucessivas inflações anuais oficialmente reconhecidas, representara aproximadamente 1.075 e 4.300 contos, hoje. É questão que afecta não só a primeira instância, mas também, e sobretudo, os Tribunais Superiores. Assim, e em conclusão, formulam-se as seguintes propostas em matéria de orgânica judiciária:
1º. - Instituição de assessores, também na primeira instância, com base em habilitados ao exercício da judicatura, estagiários ou não, com funções flexíveis não privativas dessa categoria, a introduzir apenas nos tribunais cujo volume de processo o justifique, para actuação privilegiada em processos de jurisdição voluntária, execução, partilhas, registos, audição de deprecados, composição de Tribunais Colectivos, etc.
2º. - Estabelecimento de contingentação dos processos atribuídos aos juizes de primeira instância, em número de 500, como critério que justifique a criação definitiva ou temporária, de novos lugares de juiz ou juiz - assessor.
3º. - Revisão das alçadas em valores que atinjam, pelo menos, a correcção, por força da inflação, dos vigentes há dez anos".

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