segunda-feira, outubro 31, 2005

«O debate sobre o combate à corrupção é feito em Portugal em ciclos de grande intermitência. A única coisa certa e constante neste debate é a de que os mecanismos do Estado não dão respostas eficazes para combater o fenómeno e diminuir o seu impacto sobre a economia. Há trinta anos que assim é.
Com tanta coisa por fazer, podíamos começar por aqui. Os candidatos presidenciais Mário Soares e Cavaco Silva, por exemplo, em vez de se deixarem condicionar por um extravagante debate à volta de poderes presidenciais, poderiam empenhar-se numa clarificação daquilo que consideram ser os verdadeiros desígnios nacionais e como tencionam "actualizar" o catálogo desses imperativos. Grande parte do que disseram nos seus manifestos não é mobilizador porque é datado. Já todos ouvimos aquilo algures.
Proclamar genericamente a vocação atlântica de Portugal, o reforço dos laços políticos e económicos com os países de expressão oficial portuguesa, a necessidade de mais "qualificação" educativa ou de uma economia mais produtiva é importante mas já ajuda pouco a sair da crise. O debate político tem de ir ao real, seja qual for a medida dos poderes dos actores. Um Presidente não pode conduzir políticas de combate à corrupção mas pode colocar o problema na agenda política, como Jorge Sampaio muito bem fez ao longo dos seus dois mandatos.
A crise que vivemos não tem a ver com os tão famosos "pessimismo" e "descrença". Ela exprime-se mais no sucessivo fracasso de políticas públicas, numa governação que se resume à ideia de legislar com total vacuidade e inconsequência, numa economia improdutiva, num sector privado com escassos níveis de excelência, mas, sobretudo, na vampirização dos sectores do Estado que geram oportunidades de corrupção por grupos de interesses opacos e dificilmente escrutináveis.
Quando um alto quadro do Banco Mundial como Daniel Kaufmann afirma que "Portugal podia estar ao nível de desenvolvimento da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking de controlo da corrupção", seria bom que percebêssemos bem o que estamos a perder.
E o que estamos a perder é um país competitivo, coeso, com elevados índices de qualificação educativa e de leitura, onde a função dos professores é primordial, bem paga e bem avaliada, que faz formação contínua, que aposta no ensino das línguas e das tecnologias de informação, que gere bem os seus recursos, combate a burocracia e o crescimento tentacular do Estado evitando implicitamente a gestação de novas oportunidades de corrupção. Será este debate alheio a uma candidatura presidencial? Será necessário presidencializar o regime para discutir isto? Não será mais interessante discutir estas questões do que as teses sobre o que será uma "presidência activa" ou de "cooperação estratégica"? Assim os candidatos tenham a necessária imaginação».
Eduardo Dâmaso, In Diário de Notícias, edição on line.

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