«Casamento só para hétero é inconstitucional»
Entrevista a Jorge Lacão, Sec. de Estado da Presidência do Conselho de Ministros:
«Nos últimos quatro anos, quatro países da UE, incluindo Espanha, legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e mais dois (Suécia e Noruega) preparam-se para o fazer. Como vê esta tendência?
Creio que nos dias que correm não faz sentido pretender ter os olhos fechados às evidentes diversidades da vida social e aos modos como se vão estruturando as relações entre as pessoas. E nomeadamente quanto ao que isso significa no plano constitutivo de formas de família. Acontece que tais evidências sociológicas têm também já um assegurado reconhecimento ao nível de princípios jurídicos fundamentais tanto no plano nacional como europeu.
A saber?
A Constituição da República, no artigo 13.º, proíbe quaisquer formas de discriminação, nomeadamente em razão da orientação sexual, princípio aliás que se articula com outro também constitucionalmente consagrado, segundo o qual todos têm o direito de constituir família e contrair casamento em condições de plena igualdade. Admito por isso que mais cedo do que tarde as temáticas relacionadas com as novas formas de família venham a ser reflectidas no plano político-jurídico, o que certamente não deixará de envolver respostas para temas tão actuais como o reconhecimento do direito do casamento de pessoas do mesmo sexo ou de formas equivalente como, por exemplo, as de uniões civis registadas.
Como constitucionalista, concorda com os que alegam a inconstitucionalidade do artigo do Código Civil que estatui que o casamento só pode ser celebrado entre pessoas de sexo diferente?
No plano da especiosidade jurídica poderá vir a reconhecer-se que estamos perante o que se designa como inconstitucionalidade superveniente - ou seja, que passou a ocorrer apenas depois da incorporação, no artigo 13.º, do princípio da proibição da discriminação em função da orientação sexual.
Que vai o Governo fazer então?
A matéria não tem orientação expressa no Programa do Governo, sem embargo de aí se reconhecer a relevância social das novas formas de família e a importância de as levar em consideração. Entendo por isso que faz sentido que, antes de avançar com soluções de reforma que pela sua natureza inovadora são propícias a naturais controvérsias, haja lugar a um aprofundado debate. É também para esse efeito que tenho vindo a referir a intenção de em breve se constituir um conselho de opinião para a promoção da igualdade de género no âmbito do qual essas reflexões possam ter lugar de uma forma aberta e desejavelmente dar lugar a orientações sustentadas em relação às quais as reformas, a haver, possam estabelecer pontos de sintonia.
Não é contraditório assumir a inconstitucionalidade de uma norma e dizer que para a alterar é preciso debate?
Essa observação faz-me recordar um velho pensamento, creio que do Paracelso "Aqueles que pensam que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo que as cerejas é porque nada sabem das uvas." Mesmo no plano estritamente jurídico, uma coisa é a verificação de inconstitucionalidade em relação à norma vigente, outra coisa é a construção positiva de uma solução normativa. E essa implica necessariamente condições políticas. Ora parece de toda a evidência que os novos temas de sociedade são daqueles em que a orientação política e o estádio de compreensão cultural devem andar sintonizados.
Em Espanha a maioria da população manifestou-se a favor da alteração. Será que a opinião dos portugueses é assim tão diferente? Há ideia de que por cá, quando não se quer mudar nada, cria-se uma comissão...
Quando alguém se diz disponível para introduzir estes temas no debate político, é porque não está indiferente aos sinais dos tempos e aos direitos efectivos das pessoas.
A propósito de direitos efectivos, a lei sobre uniões de facto, aprovada em 2001 com os votos do PS, ainda não foi objecto de regulamentação.
O tema está a ser apreciado. E gostaria de destacar que em breve ocorrerá um significativo alargamento de direitos sociais dos unidos de facto, quando passarem a ser reconhecidos, para os que integrem a função pública, o direito de cobertura pela ADSE ao parceiro. Por outro lado reconheço que alguns aspectos da prova exigível para a confirmação da situação de união de facto talvez ganhem em ser complementados por formas jurídicas mais expeditas».
In Diário de Notícias, 22/12/2005.
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