«Reforma do Processo Civil - Alçadas»
«O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça tornou público o anteprojecto de revisão dos recursos em processo civil. Entre o mais, propõe a alteração do valor das alçadas (que de há muito reclamam actualização), para 30 000,00 € e para 5 000,00 €, respectivamente para os tribunais de Relação e para os tribunais de primeira instância. Só por este pequeno mas tão relevante pormenor, penso que a proposta é demonstrativa de que, contrariamente ao que vem sendo anunciado, tudo vai, afinal, ficar na mesma… E se dúvidas tivesse, a notícia de ontem do Diário de Notícias deixar-me-ia esclarecido. Pese embora possa em abstracto impressionar a dimensão das alterações propostas, dado que nestas a alçada dos tribunais de Relação corresponde praticamente ao dobro do valor que tem neste momento, e a dos tribunais de primeira instância a um acréscimo de 25 %, a verdade é que estes novos quantitativos ficam muito aquém daqueles que com razoabilidade se deveriam fixar neste momento de reforma. O valor das alçadas é, em processo civil e laboral, como é sabido, o mais relevante dos factores para dar acesso, em recurso, aos tribunais de Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça. O valor de 5 000,00 € para os tribunais de primeira instância, é manifestamente desadequado à responsabilidade social inerente às funções desempenhadas pelos juízes da primeira instância. Os processos cujo valor não ultrapassa aquele quantitativo, não podem senão, no mundo moderno dos nossos dias, qualificar-se de pequenas causas, devendo por isso ser tramitados em procedimentos céleres (mais que sumaríssimos), com decisões orais, contendo apenas o dispositivo e a remissão para as normas legais em que se baseiam. Por seu turno o valor de 30 000,00 € queda-se pelo equivalente ao vencimento mensal de alguns quadros superiores da função pública e das pequenas e médias empresas. Corresponde apenas a cerca de 1/5 do valor de um apartamento T2, usado, em Lisboa ou Porto. Qualquer modesta empreitada de construção civil o ultrapassa, sendo que as transacções de bens de consumo corrente como é o caso dos automóveis, na sua maioria, também o ultrapassam. Os cidadãos têm constitucionalmente assegurado, como regra, um duplo grau de jurisdição. Mas a excepção que confirma aquela regra deve naturalmente incluir as pequenas causas (como hoje já acontece) sem recurso. Para além disso o acesso ao Supremo, em termos ordinários, deve ser muitíssimo mais parcimonioso do que é actualmente e do que se preconiza no Anteprojecto. Esta matéria das alçadas está intimamente relacionada com a de organização judiciária, não devendo em princípio qualquer delas ser tratada senão conjuntamente. É aliás por isso que as alçadas vêm previstas na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Isto é, no regime de recursos deve levar-se em conta a dimensão e funções dos tribunais de recurso, mormente do STJ (podendo equacionar-se, por exemplo, alternativas, nas pequenas causas, de recurso da comarca para o círculo, em casos tipificados relativos a questões adjectivas ou a questões de maior relevância social, cujo valor não permitiria recurso ordinário, como em matéria de arrendamento urbano e rural, etc.). Certo é que o STJ não deve ser uma terceira instância, nem a ele devem poder aceder a generalidade dos casos. Mas antes um tribunal para conhecer apenas de direito e apenas das causas mais relevantes. Ora, perspectivando o Supremo como tribunal de revista, com uma jurisprudência de altíssima qualidade, mais respeitada, que contribua decisivamente para a evolução do direito e do próprio sistema jurídico, o acesso ao mesmo terá de ser drasticamente reduzido. O acesso a este tribunal não deve ir além do conhecimento das causas mais relevantes (sendo o valor das alçadas apenas um dos parâmetros de acesso) e à uniformização da jurisprudênciao. A ser assim podia e deveria este alto tribunal ter um máximo de dezena e meia de juízes conselheiros, e não quase uma centena como acontece actualmente.
Em suma, no que apenas às alçadas respeita, sem prejuízo do tratamento integrado da matéria com a de organização judiciária, penso que elas não deveriam nunca quedar-se abaixo de 25 000,00 € para os tribunais de primeira instância e 75 000,00 € para os tribunais de Relação».
José Francisco Neves, In blog Joeiro, 09/12/2005.
Em suma, no que apenas às alçadas respeita, sem prejuízo do tratamento integrado da matéria com a de organização judiciária, penso que elas não deveriam nunca quedar-se abaixo de 25 000,00 € para os tribunais de primeira instância e 75 000,00 € para os tribunais de Relação».
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