segunda-feira, maio 22, 2006

Estado falha indemnizações

Há uma falha no sistema de atribuição de indemnizações pelo Estado às vítimas de crimes violentos. Por isso, apenas dez por cento destas acaba por ser ressarcida dos danos sofridos. São cerca de 500 que todos os anos deixam de recorrer à Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, apesar de terem direito de o fazer, garante o presidente deste órgão do Estado, Caetano Duarte.
Como por 66 casos o Estado pagou no ano passado 650 mil euros, se todos reclamassem, a verba para indemnizar as vítimas seria da ordem dos 6,5 milhões de euros.
A diferença resulta do facto de os magistrados do Ministério Público (MP) não promoverem acções de indemnização a serem pagas pelo Estado, sempre que se verifica que o culpado não tem possibilidades de indemnizar a vítima ou respectivos familiares.
Maria José Morgado, procuradora-geral adjunta junto do Tribunal da Relação de Lisboa, diz que “os magistrados do MP devem comunicar a necessidade de indemnizar as vítimas”, após a sentença transitar em julgado. “É uma das suas atribuições no processo para indemnizar e reparar as vítimas”, sublinha.
Só que os magistrados, em geral, não o fazem. O presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, Caetano Duarte, precisa que “são muito poucos os magistrados que encaminham um processo para a comissão”. “Em 2005 terão sido um ou dois (num total de 69 processos) magistrados a requererem as indemnizações em nome da vítima.”
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, diz que “não há obrigação legal” dos magistrados avisarem os particulares para reclamarem a indemnização. “Há, no entanto, indicação interna para o fazerem”, sustenta. Cluny refere ainda que “o MP tem um serviço de atendimento público semanal, em todas as comarcas, cujo objectivo é manter as pessoas informadas”.
Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, entende que o facto de só dez por cento requerer indemnização ao Estado poderá resultar de “eventualmente, alguns advogados não saberem da existência da comissão”. Outra falha apontada pelo secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, João Lázaro, é “a falta de articulação entre operadores judiciais”. Além da falha na justiça, António Cluny admite que a informação existente “não chega”.
Caetano Duarte diz que anualmente “são poucos os que recorrem à comissão para serem ressarcidos: a maioria não vem por desconhecer a nossa existência”.
O juiz recorda que o Estado tem uma televisão ao seu dispor, veículo que poderia utilizar para divulgar a comissão. Sugestão que resultaria melhor, em seu entender, é a divulgação destes serviços pela Polícia ou pelo MP, já que são estas as entidades que, em primeiro lugar, tomam conta das queixas de crimes violentos.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes resolveu no último ano 31 processos relativos a vítimas de violência doméstica. Em 25 destes processos foi entregue uma indemnização de 300 euros mensais, pelo período de três meses. Nos restantes processos, a indemnização estipulada foi de cem euros mensais, igualmente por um trimestre.
“Nas situações de violência doméstica, a lei impõe que as verbas a atribuir visem dar ao lesado a possibilidade de refazer a sua vida no tocante às despesas mais imediatas”, diz Caetano Duarte, presidente da comissão. Algumas das vítimas de violência doméstica são encaminhadas para a comissão pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). O secretário-geral da APAV, João Lázaro, informa que o pedido desta indemnização não é complicado: “É necessário preencher um requerimento que é de fácil leitura”.
DAS FP-25 À BOÎTE MEA CULPA
O presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, Caetano Duarte, esclarece que o prazo para as vítimas reclamarem uma indemnização junto do Estado é de um ano após a sentença transitar em julgado. No entanto, já se verificaram excepções de alargamento dos prazos como no caso do filho de uma das vítimas da boîte Mea Culpa, onde a 16 de Abril de 1997 treze pessoas morreram queimadas. A comissão entrou em funcionamento em 1993, entre os indemnizados figuram as vítimas das FP-25 de Abril e alguns dos familiares das vítimas do crime de Fortaleza, no Brasil.
FAMÍLIA DE IRENEU SEM CONHECIMENTO
Os dois acusados da morte do agente da PSP Ireneu Diniz – abatido na Cova da Moura em Fevereiro do ano passado – foram condenados a penas de prisão e ao pagamento de 50 mil euros à família da vítima. No entanto, a família de Ireneu desconhece a possibilidade de recurso à Comissão de Protecção de Vítimas de Crimes, caso os culpados não tenham maneira de pagar a indemnização. Inicialmente, os familiares de Ireneu contaram ao CM que a indemnização já tinha sido paga. Explicações posteriores permitiram concluir que esse ressarcimento era o devido pela PSP. Quanto às obrigações dos condenados, à possibilidade de não serem cumpridas e de então o Estado chamar a si o pagamento da indemnização afirmaram ”não estar a par”, adiantando “que está tudo nas mãos do advogado”.
Processo recusado
A Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes recusou o processo desencadeado pelo Sindicato dos Profissionais de Polícia para atribuição de uma indemnização aos familiares do agente da PSP Felisberto Silva morto, em serviço, na Damaia, em Fevereiro de 2002.
Segundo Luís Maria, vice-presidente da região Norte do Sindicato dos Profissionais de Polícia, ficou confirmado que o assassino não tinha meios para pagar a indemnização de dez mil euros. A mulher de Felisberto, Mónica Silva, recorreu à Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes enquanto órgão representante do Estado português. “Foi o próprio advogado do sindicato que elaborou o relatório. O processo viria a ser indeferido pela comissão, alegando esta que Felisberto Silva, enquanto trabalhador, deveria de ter um seguro”. Outra das razões invocadas, segundo Luís Maria, foi de que “Felisberto Silva foi morto num acidente de serviço, quando as indemnizações só cobrem situações de homicídio”.
REACÇÕES
ROGÉRIO ALVES
O bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, admite que, eventualmente, “haja advogados que não têm conhecimento da existência da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes”. O bastonário considera que também “os advogados devem participar num maior esclarecimento”.
ANTÓNIO CLUNY
“A lei não obriga os magistrados a informarem as vítimas de que podem pedir indemnização ao Estado, caso os condenados não possam pagar, mas há indicações internas para que o façam”, diz o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, António Cluny.
JOÃO LÁZARO
“Por desconhecimento, mas também por falhas na colaboração entre os operadores judiciais, muitas pessoas não recorrem à Comissão”, disse João Lázaro, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, entidade que encaminha pessoas para a Comissão de Protecção.
SABER MAIS
MAIS CASOS
Em 2005 foram indemnizadas 66 pessoas, mais quatro do que no ano anterior. Mas o valor total das indemnizações baixou de um milhão de euros em 2004 para apenas 650 mil euros em 2005. Três outros processos transitaram para este ano.
30 MIL EUROS
Em 2005, o valor mais elevado pago numa indemnização foi de 29 927 euros. A indemnização mais baixa ficou-se pelos mil euros. Já em 2004, a mais alta cifrou-se nos 30 mil euros e a mais baixa nos 330.
ATRASO NO PAGAMENTO
A entrega das indemnizações às vítimas tem atrasos por causa do Orçamento de Estado. Em 2004, o presidente da comissão, Caetano Duarte, reconheceu que o atraso era de seis a sete meses, porque as previsões apontavam para 400 mil euros gastos mas o montante pago foi de um milhão. Em 2005 houve uma verba extra de 500 mil euros.
In Correio da Manhã.

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