Reforma anunciada é insuficienteA reforma que está aí deixa a impressão de dar resposta a problemas que já existiam, mas que não se fez o esforço necessário e indispensável para reflectir mais aprofundadamente sobre os problemas que se adivinham. É este o sentimento do penalista Costa Andrade relativamente ao anunciado projecto de Revisão do Código de Processo Penal. O «pacto para a Justiça», o proposto regime de mediação em Processo Penal ou a crescente preocupação internacional contra o terrorismo são outras das reflexões de que o professor de Direito da Universidade de Coimbra dá conta em entrevista ao JUSTIÇA & CIDADANIA.
O coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, Rui Pereira, entregou ao ministro da Justiça, Alberto Costa, o anteprojecto de Revisão do Código de Processo Penal, no dia 26 de Julho. As alterações abrangem 188 artigos e um vasto conjunto de matérias, que inclui os sujeitos, os actos, os meios de prova, o segredo de Justiça, as medidas de coacção, o inquérito, a instrução, o julgamento, os processos especiais, os recursos e a execução das penas. Considera que se está a avançar no essencial ou no acessório?
Apesar de estar disponível na internet, como tem sido permanentemente sujeito a alterações, não conheço o texto definitivo do anteprojecto. Mas a ideia que me fica é de que se trata de um projecto preordenado a dar resposta a problemas que se foram suscitando na experiência dos últimos anos. E a verdade é que, em geral, — isto é, numa visão de conjunto e pondo entre parêntesis um exame e um escrutínio de pormenor — essas respostas se afiguram aceitáveis. Ficam-me, no entanto, muitas dúvidas sobre se o projecto antecipa, de alguma maneira, as medidas que os novos desenvolvimentos da criminalidade reclamam. Dito de uma forma caricatural, sobra-me a dúvida sobre se, hoje, não se está a dar resposta a problemas de ontem, deixando a descoberto os problemas de amanhã. O que pode ser comprometedor do sucesso, se pensarmos que estamos num período em que os dois maiores partidos nacionais chegaram a acordo em torno daquilo que ficou conhecido como o «pacto para a Justiça». E, se bem compreendo, a ideia desse pacto tem subjacente o propósito de dar resposta aos problemas estruturais da legislação penal e processual penal portuguesa para período relativamente longo. Isto é, tenta ensaiar soluções para as quais se pretende augurar o máximo de estabilidade possível. Para evitar que as matérias da Justiça, sobretudo da Justiça penal, deixem de estar expostas às contingências e aos ritmos da alternância democrática. Sempre se disse, e é uma verdade, que os problemas da Justiça, e, sobretudo, da Justiça criminal, são problemas de regime, que se situam ao nível do travejamento do Estado de Direito democrático, não devendo, como tais, estar sujeitos ao ritmo e à lógica da alternância democrática. O que deve estar sujeito a esta lógica são aquelas matérias a que, em termos de categorização teórica, chamamos de conflito. Por se tratar de matérias em relação às quais as diferentes formações políticas têm, natural e legitimamente, respostas dissonantes, se não mesmo antagónicas. E, por isso, naturalmente, o acesso de uma nova maioria ao poder pode determinar mudanças. A Justiça penal deve, pelo contrário, gozar de uma grande estabilidade até porque ela apela representações ou valorações colectivas que levam tempo a decantar e a depurar-se. Sabemos, naturalmente, que a sociedade moderna é de grandes e aceleradas transformações ditadas pelos constantes espantosos desenvolvimentos tecnológicos. E que é extremamente difícil antecipar o que vai acontecer amanhã em muitos domínios com reflexos directos sobre a justiça criminal. Sendo assim, a solução deve ser a de propugnar por uma grande estabilidade nos princípios e nas orientações básicas, mantendo uma vigilante e permanente abertura e atenção em relação aos novos dados trazidos por aqueles desenvolvimentos. Mas para isso não é necessário viver em permanente estado de reforma, como acontece em Portugal. Se reparar bem, não é fácil identificar, nos últimos 20 ou 30 anos, um dia sequer na vida de um jurista que não tenha sido vivido à sombra da ideia da reforma penal. Aquela que acaba de entrar em vigor; ou aquela que se projecta e que se espera. Um clima que é preciso ultrapassar.
Em Conselho de Ministros, o Governo aprovou também uma proposta que cria um regime de mediação em processo penal, em que se cria um programa experimental, com a duração de dois anos e que decorrerá num número limitado de comarcas. Segundo o Governo, trata-se de um processo informal e flexível, de carácter voluntário e confidencial, “que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido”, tendo em vista a obtenção de um “acordo que permita a reparação dos danos causados por facto ilícito e contribua para a restauração da paz social”. Concorda?
Sim. Essa é uma solução que corresponde a uma ideia de muitas décadas e que, já a seu tempo foi preconizada, por exemplo, pelo Prof. Eduardo Correia. Deve-se a ele, de resto, o lançamento a ideia dos programas de diversão, isto é, do encaminhamento da solução de muitos conflitos penais, retirando-os do corredor das instâncias formais e desviando-os para soluções mais informais e de maior proximidade. Onde os tópicos da oportunidade e do consenso prevaleçam sobre os do conflito e da coerção e da acção penal obrigatória. Penso mesmo que ninguém em Portugal estará contra este tipo de reformas. Tudo está em saber qual vai ser o sucesso na prática. Mas ninguém pode ser censurado por avançar com tentativas de alterar as coisas, mesmo se amanhã se confirmar que a sociedade portuguesa é uma sociedade atavicamente demandista. Que tem uma pulsão irreprimível para as suas questões ao Tribunal. Porque mesmo as questões de pequena criminalidade são, muitas vezes, extremamente importantes para as pessoas envolvidas. Uma injúria, um pequeno furto, uma pequena agressão corporal, que no plano da criminalidade organizada e da grande criminalidade que hoje nos ameaça são infinitamente pequenos, para os envolvidos podem ser infinitamente grandes. E, claro, se essa for a tendência generalizada, o projecto pode não ter o sucesso que se espera e deseja .
O pacto para a Justiça entre Governo e PSD abrange nove matérias, que, como sabe, passam pela revisão do mapa judiciário e dos códigos (Penal e Processual Penal), a reforma dos recursos cíveis, a mediação penal, a acção executiva, o acesso à magistratura e o estatuto dos magistrados e do Ministério Público, além da autonomia do Conselho Superior de Magistratura. Considera que estas são as matérias essenciais onde os políticos devem chegar ao entendimento ou acha que podiam ter ido mais longe?
Penso que não são as matérias essenciais. E refiro-me fundamentalmente às áreas que especificamente estudo e cultivo, o direito e o processo penais. A ambição de definir e estabilizar um conjunto de reformas estruturais, estruturantes e consensuais, capazes de resistir ao ritmo da alternância democrática – quase uma espécie de «constituição» Penal e Processual Penal –é um objectivo que me parece sinceramente comprometido. E repare que quando falo em «constituição» Penal ou Processual Penal, não o faço por acaso, mas sim porque as matérias penais e processuais penais são, de todas as matérias jurídicas, aquelas que têm uma presença mais intensa e mais densificada na Constituição da República. Acrescendo, de resto, que as normas de Direito e Processo Penal elevadas à Constituição, para além de serem directamente aplicáveis são também, pela natureza das coisas, dotadas de grande estabilidade. Ora, se se aspirava projectar este espírito e esta representação das coisas ao nível da legislação ordinária, exigia-se um levantamento mais aturado e aprofundado dos problemas, exigia-se uma reflexão mais apurada, exigia-se mais tempo. Um pacto com a ambição daquele que foi proposto, não é, manifestamente, compatível com a calendarização que ele próprio prevê, já para amanhã, nalgumas partes já para o primeiro trimestre de 2007. Depois, se virmos bem, o texto contém compromissos verdadeiramente estranhos, e espantosos, como por exemplo, o compromisso quanto à consagração da punição das pessoas colectivas. Isto sabendo-se que as pessoas colectivas são punidas em Portugal há mais de 30 anos. Noutra direcção os dois partidos maiores comprometem-se a dar seguimento e cumprimento aos impulsos de reforma decorrentes das obrigações decorrentes dos compromissos internacionais em que o nosso país é parte. Dificilmente se excogitaria compromisso mais anódino e irrelevante, pela razão simples e decisiva de que Portugal está naturalmente vinculado a dar cumprimento e prossecução aos impulsos legislativos que venham, nomeadamente, da União Europeia. Recordo ainda, e mais uma vez a título de mero exemplo, a matéria das escutas telefónicas, uma das que mais acalorados desencontros provocou na experiência jurídica portuguesa nos últimos tempos. A única coisa que se adivinha é a tentativa de definir as pessoas cujos telefones podem ser escutados. Só que os problemas das escutas telefónicas são muito mais extensos do que isso, e muito mais importantes. Esse é um problema que se colocou no âmbito do processo Casa Pia. Mas a reforma Penal ou Processual Penal não deve emergir como a resposta a nenhum caso da vida quotidiana. Isto só para dizer que, quanto ao pacto, a minha resposta não pode deixar de ser invencivelmente. De franco aplauso à ideia, à iniciativa como tal, devendo apenas estranhar-se que se tenha demorado tanto a demandar e a trilhar os caminhos do acordo; mas, ao mesmo tempo, um sentimento de profunda frustração por ver que a ideia de pacto e as expectativas que todos podíamos polarizar em torno dela, resultam irremediavelmente frustradas. Não vejo que este pacto, se for cumprido, possa atingir os objectivos que os seus autores se propuseram, e a sociedade portuguesa merecia.
Acha que o poder judicial corre riscos reais de ficar politizado?
Pode haver esse risco, sobretudo se o poder judicial não definir claramente e assumir consequentemente o seu campo e o seu estilo de acção, o seu ritmo de intervenção, os seus modelos e valores de decisão. E se, em vez disso, se deixar colonizar pelo estilo, pelas categorias e valores, pelo ritmo e pelo tempo, por exemplo, da acção política. E, pior ainda, se se deixar colonizar pelo ritmo e pelo tempo da acção mediática. Se o poder judicial não recuperar o seu próprio campo e o seu espaço natural de acção pode correr esse risco. Não se trata naturalmente de defender uma administração da Justiça fechada sobre si, refugiada no segredo dos deuses, cega e indiferente ao sentir, ao pulsar, aos dramas e esperanças da sociedade. A Justiça é ministrada em nome do povo. A Justiça deve ter vias naturais de comunicação com a consciência colectiva, no sentido de encontrar nesse consciente ecos de legitimação da sua acção. Isto é uma coisa. Coisa completamente diferente é a Justiça imitar na sua actuação estilos ou tempos de intervenção e de reacção próprios dos políticos. Isto teria, do meu ponto de vista, consequências trágicas, porque na Justiça não há, como na política, períodos de renovação e refundação das expectativas comunitárias. A política democrática expressa-se através do eterno retorno de sucessão de maiorias: a erosão da esperança duma maioria tem sempre como reverso a emergência e uma nova maioria legitimada pelo crédito de confiança e de esperança de uma nova maioria. Não existe alternância democrática na Justiça. Se as coisas correrem menos bem, não se pode esperar que venham novos agentes para renovar a esperança. E transpor para a Justiça este modelo, pode ser extremamente frustrante e irreversivelmente comprometedor da relação de confiança e de esperança da comunidade. É por isso que, a meu modo de ver mesmo os eventos aparentemente mais portadores de futuro no campo da justiça criminal, nunca devem ser vivenciados com os rituais e os códigos de um “doravante”, prenhe de esperança e de futuro, como se a história começasse aí. Como acontece na política.
A credibilidade da Justiça está, ou não, cada vez mais fragilizada aos olhos público?
Apesar de tudo, Justiça, hoje, tem meios e resistências que noutros tempos não tinha. Por um lado, é uma Justiça que está muito mais preparada para conviver com as exigências e a devassa da sociedade da comunicação. Por outro lado, não tenho razão nenhuma para acreditar que, do ponto de vista técnico e da qualidade das decisões, a nossa Justiça tenha piorado. Pelo contrário. Ouso acreditar que do ponto de vista da qualidade a nossa Justiça é hoje melhor. O que é tanto mais positivo quanto é certo que os nossos magistrados têm que dar hoje resposta a multímodos problemas jurídicos que eram desconhecidos. Antigamente a Justiça circunscrevia-se ao criminal e ao civil. Não havia o laboral, o social, o constitucional, o ambiente, etc. Em geral, quando leio as decisões dos nossos magistrados fico, de uma forma geral, com uma sensação de qualidade, de rigor, mesmo de justiça material. Portanto, desse ponto de vista, eu sou optimista. Do outro ponto de vista, designadamente quanto a um certo envolvimento, uma certa interpenetração, uma certa cedência em relação às exigências da sociedade da comunicação, aí, tenho mais fundados receios.
Porquê?
Porque esta nova sociedade coloca novos problemas à Justiça. É evidente que esta deve adaptar-se às exigências, deve evoluir, deve mudar, mas sempre fiel ao seu perfil genético. Nunca pode transmutar-se em actuação política, em actuação mediática. Magistrados que se deitam com a comunicação social correm o grave risco de acordar sozinhos.
Critica-se muito a morosidade da Justiça. Acha que a criação das cidades judiciárias, com a concentração dos tribunais, vai agilizar alguma coisa?
Honestamente, não tenho opinião sobre esse assunto. São problemas de intendência, de administração. São matérias em relação às quais estão mais credenciados os estudiosos dos problemas de organização, da inserção e gestão territorial. A minha predisposição é para, por princípio, considerar que o que se está a fazer é feito seguramente com boa intenção. E, ouso também acreditá-lo, em termos de ser legítimo acreditar que as reformas a este propósito anunciadas, só poderão melhorar o estado das coisas.
A corrupção foi eleita como a prioridade do novo procurador. Concorda com esta escolha? Ou concorda, sequer, com a escolha de prioridades?
Tenho muitas dúvidas e muitas resistências em definir prioridades para a Justiça criminal e, sobretudo, em definir prioridades em função das agendas políticas. Se se definissem prioridades em Julho ou Agosto, seriam os incêndios. Também tenho alguma desconfiança de que se se definirem prioridades em Janeiro ou Fevereiro, estas possam ser as cheias e a sua prevenção. Se houver uma sucessão trágica de acidentes na estrada, toda a sociedade vai definir como prioridade a prevenção rodoviária. Todo o crime merece uma resposta o mais rápida possível. As prioridades da Justiça devem ser estabelecidas em função da gravidade dos crimes e da ameaça real dos crimes em relação aos valores da protecção da sociedade. Vivemos actualmente num Estado de Direito em que o Direito Penal foi depurado no sentido de saírem dos códigos penais aqueles comportamentos que só eram crimes por razões moralistas, ou que eram bagatelas penais. Portanto, a partir desse momento, em que os códigos penais se limitam a criminalizar comportamentos que são drástica e intoleravelmente lesivos de valores ou interesses fundamentais da pessoa ou da sociedade, todos os crimes são importantes. Sou, portanto, muito céptico em relação à definição de prioridades.
Voltando ao Código Penal, e face a uma política securitária, há ou não riscos de reduzir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?
É evidente que a sociedade actual enfrenta ameaças que não eram conhecidas há 20 anos, consequência da globalização e da mobilidade incontornável de pessoas, de notícias, de capitais. Em consequência também do aumento exponencial dos meios de destruição que os criminosos, e particularmente os terroristas, têm ao seu dispor. Não há dúvida de que as sociedades têm que se armar e lutar contra essa criminalidade. E lutar de forma reforçada, recorrendo a novos meios de sanção e, sobretudo, a novos meios de investigação. É evidente que estes novos meios são drasticamente lesivos da liberdade das pessoas. Mas a sociedade não pode renunciar a eles. Do meu ponto de vista, tem que haver uma distinção muito clara destas novas formas de criminalidade face à criminalidade tradicional. Nesta, eu defendo que devemos continuar apegados aos modelos tradicionais de Processo Penal e de Direito Penal, que no fundo são os modelos que herdámos do Iluminismo – um Processo Penal acusatório com todas as garantias de defesa, e em que o Estado, na luta contra o crime, não perca a sua superioridade ética e não se converta em receptador de produtos do crime. Isto é, para perseguir criminosos, o Estado não deve, ele, cometer crimes.
Por outro lado, e em relação a essa criminalidade que, no fundo, representa uma ameaça aos fundamentos do nosso modelo civilizacional, aí, os meios de investigação e prevenção devem ser muito mais musculados. Não tenho dúvida nenhuma. Por exemplo, a vigilância das telecomunicações em todos os seus campos, deve ser utilizada e potenciada. Isto, todavia, com um limite absolutamente inultrapassável que é o da dignidade irrenunciável da pessoa humana. Toda a pessoa, todo o criminoso, é portador de um núcleo irredutível de dignidade. Não se pode admitir, por exemplo, a pena de morte ou a prisão perpétua, mesmo para punir um terrorista. Nem a tortura para investigar um crime praticado e descobrir e punir os seus agentes. São limites civilizacionais irrenunciáveis. Mas um alargamento, uma densificação dos meios de investigação, à custa da co-natural limitação das liberdades e garantias, penso que é inevitável.O terrorismo está efectivamente cada vez mais medonho, mas acha que está cada vez mais perto?Nesse campo estou como qualquer cidadão português que lê os media ou participa em colóquios sobre problemas jurídicos. Penso mesmo que pouca gente terá informação sobre essa realidade, já que, se tal informação existisse, o terrorismo ficaria drasticamente debilitado, seria prevenido a tempo. E o terrorismo só o é porque joga na surpresa e no imprevisto. Mas é evidente, basta um olhar retrospectivo sobre os últimos três ou quatro anos, para se ver que o terrorismo aumentou tanto em frequência como e sobretudo, na monstruosidade das suas acções. Basta lembrar Nova Iorque ou Madrid. Depois, houve uma outra grande mudança, talvez a mais alarmante e a mais dolorosa, que é o facto de o terrorismo, hoje, não escolher. Antes, o terrorismo era contra os quartéis, contra os rostos visíveis do poder politico, militar, económico, etc. Hoje é diferente. Agora são cidadãos inocentes, muitos dos quais podem até ser simpatizantes do credo politico ou ideológico que alimenta o terrorismo. Esta nova dimensão de indiscriminação generalizada das vítimas é talvez o aspecto mais dramático. Por isso também aquele que mais reconforta e legitima a acção nos domínios da repressão e da prevenção. Não podemos esquecer que não estamos só a limitar a liberdade de pessoas. Estamos também a defender a vida, a liberdade e a segurança de pessoas, e de pessoas inocentes, na maior parte dos casos.Mencionou a necessidade de os juristas terem que estar hoje preparados para uma vasta área de matérias. Enquanto professor universitário, e tendo em linha de conta essa necessidade, preocupa-o Bolonha?Preocupa. A ideia de Bolonha, que é fundamentalmente uma ideia de circulação europeia dos universitários e dos saberes, é positiva. Como é positiva ideia de formação permanente e contínua, outra das traves mestras da ideologia de Bolonha. Não se pode considerar, como se considerava ao tempo da minha formação académica e profissional, que com a obtenção do grau, o jovem licenciado está, sem mais e em definitivo, preparado para a vida. Além do mais porque a vida revela hoje um dinamismo e uma tendência irreprimível para a surpresa, sem precedentes. Simplesmente, se bem vejo as coisas, Bolonha pressupunha um substancial aumento de meios ao serviço das universidades em todos os campos. Só que em Portugal isso não vai acontecer. Pelo contrário. As minhas expectativas em relação a Bolonha são, em síntese, demasiado baixas e, mesmo negativas. Pondo a tónica no ensino e no estudante, a concretização de Bolonha que entre nós se adivinha não vai deixar tempo nem energias para a investigação, que em Portugal se faz, sobretudo nas Universidades. Podemos ficar condenados a viver de saberes, que a breve trecho desactualizados e obsoletos. Em alternativa, poderemos converter-nos em divulgadores e glosadores da ciência que outros fazem. Com o perigo de regresso aos tempos dos velhos argumentos “de autoridade”, com a procura obstinada do apoio de vozes credenciadas, sobretudo de vozes estrangeiras. Tudo tempos que julgaríamos irreversivelmente vencidos.
Por, Paula Alexandra Almeida, In O Primeiro de Janeiro.
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