“A Justiça deve avaliar até que ponto as decisões que são dadas nos conflitos satisfazem as pessoas e resolvem os problemas. A principal vantagem que a Justiça Restaurativa apresenta é a satisfação do conflito”. A afirmação é do pioneiro na implementação da Justiça Restaurativa no país, Eduardo Rezende Melo.Juiz da Vara da Infância e Adolescência em São Caetano do Sul, na região do ABC paulista, ele concedeu entrevista a Última Instância para falar sobre o projeto-piloto que coordena na cidade.Segundo o magistrado, a Justiça Restaurativa é um plano de ação “bastante pragmático”, que tem o objetivo de evitar que os conflitos voltem a ocorrer.“Não se aplicam penas, tenta-se estabelecer acordos. Identificar quais foram as raízes do problema, as necessidades das pessoas no momento do conflito e o que o crime afetou suas vidas”, explica. De acordo com o juiz, a Justiça Restaurativa visa a uma mudança de comportamento e tenta identificar caminhos para equacionar os problemas. Desde 2005, um projeto-piloto, financiado pelo Ministério da Justiça, foi implementado em São Caetano. Primeiramente, foi estabelecido na vara de infância e adolescente, para atender adolescentes em conflito com a lei, tanto no fórum como nas escolas. Segundo Melo, “é uma forma de fazer com que os conflitos que estão na comunidade escolar sejam resolvidos dentro dela e evitar que os adolescentes sejam encaminhados para o fórum, para evitar o estigma”. Em julho deste ano, um segundo projeto começou a funcionar. Focado nas comunidades pobres, atende casos de violência doméstica e conflito entre adolescentes.Para o magistrado, a nova modalidade apresenta várias vantagens em relação à Justiça tradicional, sendo a principal delas a satisfação. “A Justiça deve avaliar até que ponto as decisões que são dadas nos conflitos satisfazem as pessoas e resolvem os problemas”, afirma. Para Melo, juiz eficiente não é aquele que profere muita sentença e sim aquele que resolve efetivamente o conflito entre as pessoas. “Só a punição não atende o trauma que as vítimas passam. Elas querem viver em paz e isso é conseguido muito mais se você consegue fazer participar as outras pessoas envolvidas no conflito, para discutir por que aconteceu”, afirma. “A Justiça deixa de ser aquela que detém o saber, que diz o que é bom para os outros, para ajudar as pessoas a encontrarem um melhor caminho. É uma Justiça promotora de autonomia.” Para Melo, a partir do momento em que se colocam as pessoas para conversar, se humaniza o processo e se consegue soluções que serão mais facilmente cumpridas. “Procurar soluções na base do consenso é uma forma de fazer com que elas sejam cumpridas. E você estimula a autonomia”, diz. Os números são animadores. Dos cerca de 70 casos em que foram instaurados círculos restaurativos, em 95% deles chegou-se a um acordo, que foi cumprido em 98% dos casos. Quando é instaurado um círculo, o processo na Justiça é suspenso até que se chega a um acordo. Em caso de não ser alcançado, o acusado volta a responder na Justiça tradicional. O mesmo vale em caso de incumprimento do acordo. Segundo o juiz, na Nova Zelândia —um dos países visitados para conhecer projetos—, a Justiça Restaurativa, atualmente, é a regra. Dois terços das demandas são resolvidas pela Justiça Restaurativa, deixando para a Justiça tradicional apenas as questões mais graves. Entretanto, o magistrado defende que não se deve simplesmente importar um modelo. “O desafio é pensar o modelo nacional”, diz. O juiz não é favorável ao projeto de lei que trata do tema, atualmente tramitando na Câmara, à espera de parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Melo considera que é necessário uma discussão maior na sociedade, antes de qualquer aprovação. “Não adianta aprovar um projeto de lei e não ter estrutura para implementar. Tem que estar acompanhado de políticas públicas”, afirma. O juiz defende uma discussão ampla, com vários atores —antropólogos, sociólogos, psicólogos— antes da aprovação de um projeto. Segundo ele, em algumas escolas e fóruns de São Caetano do Sul já não se fala mais em um projeto, mas de um programa. Melo avalia que, mais do que resistência, há ainda um desconhecimento das pessoas em relação à Justiça Restaurativa. “Quando as pessoas conhecem e podem avaliar, as resistências ficam”, afirma. “É um processo, toda novidade gera receio. Mas as pessoas têm se abertas para elas”.
In Revista Última Instância.
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