sábado, janeiro 13, 2007

O ministro Ronaldo José Lopes Leal, presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem em seu currículo 42 anos dedicados à Justiça do Trabalho.
Eleito em 2006 para um mandato de dois anos, Leal tem como principal objetivo informatizar a Justiça, processo que, avalia, promoverá “uma revolução absoluta” e tornará a Justiça mais célere e acessível.
Em entrevista à reportagem de Última Instância, Leal criticou a demora do TST em julgar os processos. “O tribunal praticamente se demitiu da sua tarefa constitucional de uniformizar a jurisprudência nacional. O exame de uma questão nova demora mais ou menos cinco a seis anos depois que ela foi discutida nos tribunais regionais”, disse.
Segundo o ministro, a demora na uniformização da jurisprudência prejudica o TST no cumprimento de seu papel. O ministro comenta sobre o baixo índice de trabalhadores que procuram a Justiça trabalhista. “Apenas 10% dos trabalhadores lesados procuram a Justiça do trabalho”. Para ele, o índice favorece os empregadores desonestos. “Se fosse empregador desonesto, o que faria? Não pagaria. Deixa reclamar. Se 90% não vai a Juízo, olha só o meu lucro”, afirma.
Leia abaixo a entrevista, realizada no ano passado:
Última Instância — Está em andamento um processo de informatização da Justiça do Trabalho. Em que consiste?
Ronaldo José Lopes Leal — Em primeiro lugar, foi feito um diagnóstico dos pontos de estrangulamento da Justiça do Trabalho, que nós chamamos de gargalos. Seriam o próprio TST e a execução da sentença. Em relação ao TST, a dificuldade é muito grande, porque o tribunal praticamente se demitiu da sua tarefa constitucional de uniformizar a jurisprudência nacional. O exame de uma questão nova demora mais ou menos cinco a seis anos depois que ela foi discutida nos tribunais regionais. Evidentemente, os tribunais tomaram posições divergentes porque uma turma de cada tribunal estabelece uma jurisprudência. Não há uniformização de jurisprudência dentro de cada tribunal regional, cada Turma estabelece uma jurisprudência. Isso precisaria ser uniformizado pelo TST. O papel dele é esse. Se ele está demorando tanto a uniformizar a jurisprudência, cinco seis anos para tomar conhecimento, mais quatro anos até chegar a uma súmula, ele não esta fazendo isso. Significa que o TST está ensejando uma repristinação perversa de recursos de revista. Porque se há divergências jurisprudências no país, estampadas ao longo de anos e anos, então vai surgir uma leva imensa de recursos de revista para o TST. É claro que isso vai realimentar todo o sistema sobre nossa carga de recurso de revista.
Última Instância — E como evitar isso?
Leal— Estamos com o chamado E-revista. É um software que vai digitalizar as peças do recurso de revistas que estão nos tribunais regionais. Quem vai fazer isso são os presidentes dos tribunais regionais. Eles vão mandar digitalizar aquilo que é importante para que isso possa ser julgado no TST. Vão mandar por meio virtual ao TST. O processo em papel fica nos tribunais. O importante é dizer que esse E-revista vai conter já o exame dos pressupostos processuais extrínsecos do recurso de revista e eles vão tirar do banco de dados nacional todas as decisões do tribunal superior do trabalho que digam respeito àquela questão do recurso de revista. Tem um software para isso. A medida que chegarem esses recursos virtuais, vamos dar preferência a eles. Para assumir desde logo então a capitania da homogeneização da uniformização dos recursos. Teremos um estoque de 220 mil processos. O que vamos fazer com esses processos? Estamos contratando um grande número de estagiários, mobilizando servidores, para fazer exatamente a mesma coisa que os tribunais regionais estão fazendo com o recurso de revista virtual. Vamos pegar esses recursos de revista que já estão aqui em papel, examinar pressupostos processuais desses recursos e também tirar dos bancos de dados todos os eventuais julgamentos sobre essa questão.
Última Instância — Além da questão da informatização, quais outras medidas podem ser tomadas para agilizar a Justiça?
Leal— Isso será um caminho informático. Temos outros caminhos. Porque o TST não pode continuar nesse papel que está desempenhando. Vamos ter possivelmente uma ação declaratória de alcance e sentido de norma jurídica, que pode ser proposta pelo Ministério Público, pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), por entidades de classe nacionais. Então, surgindo qualquer polêmica num tribunal regional a respeito de uma tese nova, têm direito essas entidades de entrar diretamente no TST com uma ação direta declaratória. Do julgamento dessa ação direita, vai decorrer uma súmula, imediatamente, com o que estaríamos então uniformizando a jurisprudência na medida em que a polêmica surgiu. E também estamos pensando, no futuro, na transcendência. O tribunal vai reexaminar esse problema da transcendência num prazo não muito longo.
Última Instância — É possível prever o quanto poderá se economizar em tempo com essa medida?
Leal— Os tribunais regionais terão uma facilidade tão grande para julgar os seus recursos que eles vão poder publicar, com a assinatura virtual, no mesmo ato da sessão, e tudo vai poder ser acessado pelo advogado e ele vai poder entrar com recurso imediatamente. Vai ser uma revolução absoluta. Vamos desestimular essa repristinação de divergências jurisprudenciais, com isso, vamos derrubar nosso estoque. Estamos pensando também em julgar cerca de 50 mil processos de agravo de instrumento num dia só. Para isso, também estamos fazendo estudo daqueles processos de agravo de instrumento em recurso de revista que não estejam devidamente instrumentalizadas as peças ou que estejam intempestivas. Vamos tirar 50 mil e julgar no mesmo dia.
Última Instância — E o outro gargalo, a execução da sentença?
Leal— Para enfrentar o problema da execução, vamos utilizar o chamado cálculo rápido e cálculo unificado. Vamos, com isso, exigir que decisão de primeiro grau seja líquida. E também na hipótese de haver recurso para o tribunal, essa decisão, caso seja modificada, vai ter que calcular de novo. Para que a decisão seja líquida e para quando chegarmos na fase de liquidação não haver mais liquidação. Já vai sair com os valores. Agiliza e muito. Acaba com a fase de liquidação, que hoje demora um ano, um ano e meio. Depois disso resta a expropriação dos bens do devedor. Temos o sistema BacenJud, que permite que haja uma chamada penhora on-line. Se nós não precisarmos de citação do réu, como o código de processo civil aboliu, se não precisarmos de nomeação de bens a penhora, que o código de processo civil aboliu, se aplicarmos a multa pesada que o processo civil criou, estaremos desestimulando totalmente a procrastinação na fase de expropriação de bens, até porque o dinheiro vai ter uma reabilitação, não vai se penhorar automóvel, terreno, casa, trator. Vamos penhorar dinheiro. Com o Bacen-Jud, vamos priorizar o dinheiro que sempre foi a prioridade da lei.
Última Instância — No início o BacenJud gerou muita polêmica. Os problemas já foram superados?
Leal— Quando era corregedor-geral, tive que baixar uma medida, um provimento, que permitia as empresas indicarem uma única conta para sofrerem bloqueios. Porque estava havendo bloqueios múltiplos. Agora, com o BacenJud 2, não há mais esse risco. Vamos supor que haja a possibilidade de recair o bloqueio em mais de uma conta, contrariamente ao que se deseja. Isso em 24 horas o juiz manda levantar.
Última Instância — Podemos pensar no fim do papel?
Leal— Podemos pensar. Imagina só. Se vamos do tribunal regional para cima acabar com o papel, do tribunal regional para baixo é uma questão de tempo. Que vamos aplicar também. Já temos o sistema Aud, que é o sistema de audiências, que as audiências serão todas monitorizadas por um sistema de computador e possivelmente vamos gravar em DVD as partes dos depoimentos. Aquilo vai ficar como um anexo daquele programa que vai vir para o tribunal regional. E o tribunal regional se quiser reexaminar o depoimento da parte, da testemunha, abre o anexo e vai ver.
Última Instância — E a questão da segurança? Possíveis fraudes com a eliminação com o papel?
Leal— Claro, vão ter que ser tomadas todas as medidas. A certificação digital é fundamental. Isso ai vai dar certeza da segurança de tudo.
Última Instância — Há muita resistência dos advogados e magistrados em relação à informatização?
Leal— Há sim. Por isso, estou fazendo uma peregrinação pelos tribunais do país. Justamente para vencer a resistência de natureza cultural que os magistrados têm com a informatização. E os advogados também. Todos têm um vício no papel. São viciados no papel e nós temos que libertar esses “drogados”.
Última Instância — Qual o balanço que o sr. faz do impacto da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45?
Leal— Por enquanto, esse impacto é pequeno. É possível que daqui por diante nós notemos mais a nossa competência nessa matéria nova. Por enquanto, ela não está afetando a prestação jurisdicional da Justiça do trabalho. É verdade que existem alguns problemas de conflito de competência entre Justiça Federal e Justiça do Trabalho, entre o STJ e nós [TST]. O Supremo vai julgar esse conflito. Vai julgar e todos esses impactos vão ser resolvidos.
Última Instância — Vimos o caso Varig, e a discussão de quem era competente para julgar, se a Justiça do Trabalho ou a Justiça Comum. Como acabar com isso?
Leal— É muito difícil, isso só através de decisões reiteradas dos tribunais. É lento. Eu previ que era coisa penosa. Quando surgiu tudo isso, eu disse: “Olha , vamos ter dificuldade iniciais”. Acharam que eu estava simplesmente condenando a nova competência que nos toca. Não é isso. Simplesmente vi o que está acontecendo agora.
Última Instância — O sr. avalia que a redação da Emenda 45 deixou a desejar, não é clara?
Leal— Acho que poderia ter tido uma redação muito melhor. Para não deixar tanta dúvida. Já compareci em não sei quantos simpósios para discutir qual é afinal o significado de relação de trabalho. É uma coisa interminável. Até agora não se sabe direito isso.
Última Instância — Fala-se em uma “indústria” do acordo na Justiça do Trabalho. Como combater isso?
Leal— O calculo rápido vai acabar com isso. Se o juiz vai propor o acordo, ele está com o cálculo pronto na cara dele. O que ele pode é dizer: ‘as verbas não prováveis são essas e essas. Essas outras depende de prova, mas tem probabilidade’. Enfim, ele vai lidar com dados objetivos.
Última Instância — Ainda existe receio por parte dos trabalhadores de reclamar seus direitos. Por quê?
Leal— Vou lhe dar um dado: apenas 10% dos trabalhadores lesados procuram a Justiça do Trabalho. E, mesmo assim, em relação a esse percentual, nós temos dois gargalos gigantescos. Então, precisamos vencer. Ao menos para atender esses heróis que enfrentaram tudo e foram à Justiça.
Última Instância — E esse percentual baixo se deve ao medo de não conseguir ser empregado novamente?
Leal— Com certeza, é medo sim. E tem motivo para ter medo. Porque já vi pessoas que nunca mais obtiveram emprego. E também não conseguiram receber. Embora vencedoras, não conseguiram executar a sentença. A pessoa é corajosa, perde a possibilidade de um novo emprego e não consegue seus haveres...
Última Instância — E esse dado de 10% não incentiva o descumprimento das normas trabalhistas?
Leal— Claro que sim. Eu, se fosse empregador desonesto, o que faria? Não pagaria. Deixa reclamar. Se 90% não vai a Juízo, olha só o meu lucro.
Última Instância — Como mudar isso?
Leal—Com todo esse conjunto de medidas, vamos tentar mudar isso. E também muda com a substituição processual. Ou seja, ao invés de o trabalhador ter que enfrentar diretamente o empregador, seu sindicato, no lugar dele, sem que ele tenha dado poderes, entra na Justiça. Vamos tentar fazer com que o sistema funcione, é isso.

In Última Instância, Sábado, 13 de janeiro de 2007

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