Súmulas vinculantes,
por Luiz Flávio Gomes,
In Juristas.com.br.Súmula é a síntese ou enunciado de um entendimento jurisprudencial extraída (ou extraído) de reiteradas decisões no mesmo sentido.Normalmente são numeradas. Desde a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) as súmulas podem ser classificadas em (a) vinculantes e (b) não vinculantes.Em regra não são vinculantes. Todas as súmulas editadas pelo STF até o advento da Lei 11.417/2006 não são vinculantes. Para serem vinculantes devem seguir rigorosamente o procedimento descrito nessa Lei, de 19.12.2006, que regulamentou o art. 103-A da CF (inserido na Magna Carta pela EC 45/2004). As principais questões que envolvem as súmulas vinculantes são as seguintes: (a) Competência do STF: somente o STF pode aprová-las; nenhum outro tribunal do país pode fazer isso. Se o STF quiser transformar alguma súmula já editada (não vinculante) em vinculante, terá que seguir o novo procedimento legal.(b) Súmula vinculante e súmula impeditiva de recurso: a vinculante só pode ser emitida pelo STF; a impeditiva de recurso é qualquer súmula criada pelo STF ou STJ. Por força da Lei 11.276, de 07.02.2006, que alterou o art. 518 do CPC, "O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal" (art. 518, § 1º, do CPC); a súmula vinculante vincula sobretudo o juiz (que é obrigado a respeitá-la); a impeditiva não limita (não engessa) a atividade jurisdicional, podendo o juiz decidir contra a súmula; caso, entretanto, decida de acordo com seu sentido, não caberá sequer o recurso de apelação.(c) O STF pode agir de ofício ou por provocação: a edição, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser fruto de atividade espontânea do próprio STF ou provocada por aqueles que contam com legitimidade para tanto. A Lei 11.417/2006 dispôs sobre o tema da seguinte maneira: "Art. 3o . São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - o Procurador-Geral da República; V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI - o Defensor Público-Geral da União; VII - partido político com representação no Congresso Nacional; VIII - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; IX - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. § 1o O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo. § 2o No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal. Federal".(d) Aprovação por 2/3 dos membros do STF: para edição ou revisão ou cancelamento de uma súmula vinculante exige-se quorum qualificado (dois terços: leia-se: oito Ministros do STF); a Lei 11.417/2006 diz o seguinte: "Art. 2o O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. (...) § 2o O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. § 3o A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária. § 4o No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo". (e) Objeto do enunciado da súmula: O § 1o do art. 2º da referida lei diz: "O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão". (f) Controvérsia atual: a controvérsia gerada pela norma interpretada tem que ter atualidade, tem que ser relevante no momento em que se decide pela edição da súmula; (g) Entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública: a controvérsia tem que envolver órgãos judiciários diversos (dois tribunais, por exemplo) ou um órgão judiciário e a administração pública. Divergência só entre órgãos da administração pública não permitirá a aprovação de súmula vinculante;(h) E que acarrete insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão: a controvérsia instalada em torno da interpretação de uma norma está gerando insegurança jurídica (e, com isso, certamente, causando prejuízos diversos) assim como multiplicação de processos; (i) Súmula com efeito vinculante: isso significa que vinculante é não somente o sentido da súmula (o seu teor interpretativo-descritivo e imperativo), senão também os fundamentos invocados para a sua aprovação. Os fundamentos lançados nas várias decisões que autorizaram a criação da súmula também são vinculantes. Não se pode confundir eficácia erga omnes com efeito vinculante: eficácia erga omnes é a eficácia da decisão em relação a todos (não se refere aos fundamentos da decisão); efeito vinculante: é a eficácia de decisão assim como dos fundamentos da decisão (ou, no caso das súmulas: é a eficácia do sentido interpretativo e imperativo da súmula, mais a vinculação dos fundamentos que levaram a essa súmula). Ninguém pode questionar (em casos concretos) nem o sentido interpretativo e imperativo da súmula nem os fundamentos invocados para se chegar a ela;(j) Eficácia da súmula depois da sua publicação na imprensa oficial: a vigência da súmula é imediata, isto é, ocorre logo após a sua publicação na imprensa oficial; (l) A súmula vincula os demais órgãos do Poder Judiciário (vincula todos os juízes, os tribunais e até mesmo as Turmas do próprio STF) assim como a administração pública, direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Como se nota, todos os órgãos do Executivo também estão vinculados. Mas ela não vincula, entretanto, o Poder Legislativo em suas funções típicas, isto é, ele pode, por lei ou por emenda constitucional, aprovar novo texto contra o sentido da súmula. E se a emenda constitucional for inconstitucional? Cabe ADIn contra ela e, nesse caso, é o STF que vai julgar a emenda inconstitucional; com isso a súmula continua tendo eficácia, normalmente, caso o STF reconheça a inconstitucionalidade da lei ou da Emenda aprovada; o Poder Legislativo como administração (em sua vida burocrática, orçamentária etc.) também fica vinculado à súmula vinculante; (m) As súmulas podem ser revisadas ou canceladas na forma estabelecida em lei: quorum de 2/3 do STF, legitimidade de quem faz a proposta, publicação no Diário Oficial etc. (n) Efeitos das súmulas vinculantes: por força do art. 4º da Lei 11.417/2006 "A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público". (o) Revogação ou modificação da lei regente: o art. 5o da Lei 11.417/2006 explicita sobre o assunto o seguinte: "Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso". Cessada a causa, cessam seus efeitos. (p) Suspensão dos processos: o processo em que se discute a questão debatida não será suspenso em razão de "proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante" (art. 6º da Lei 11.417/2006). (q) Cabimento de reclamação ao STF: o art. 7º da Lei 11.417/2006 diz: "Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação". § 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas. § 2o Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso. (r) Características essenciais da súmula vinculante: (a) imperatividade (imposição de um determinado sentido normativo, que deve ser acolhido de forma obrigatória) e (b) coercibilidade (se não observada essa interpretação cabe reclamação ao STF). Não importa quem inobserva a súmula vinculante: judiciário ou executivo ou legislativo em seus atos atípicos de administração (cabe reclamação em todas as hipóteses). Julgada procedente a reclamação, determinará o STF o efetivo cumprimento da sua súmula; (s) O juiz, quando acolhe a súmula vinculante, deve fundamentar a sua decisão? Sim, deve demonstrar que os fundamentos do caso concreto que está sob seu exame coincidem com os fundamentos das decisões que autorizaram a criação da súmula vinculante. Mas o juiz não pode decidir contra a súmula. Se fizer isso, cabe reclamação ao Supremo, que anulará o ato do juiz. O juiz, como se vê, não conta com nenhuma margem de atuação eficaz. Tudo que fizer contra a súmula, não terá valor (porque o STF vai cassar esse ato); (t) Cabe ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade contra súmula vinculante? Não, porque as súmulas vinculantes não são formalmente lei ou ato normativo do legislativo. Caso uma súmula venha a perder sentido, será a hipótese de sua revisão ou cancelamento. Caso não esteja sendo observada, é a hipótese de reclamação. Não sendo a súmula ato normativo do legislativo (sim, só interpretativo), fica claro que ela não é fonte imediata do direito (é só fonte mediata, porque, no fundo, é uma jurisprudência sumulada). (u) Crítica à súmula vinculante: sempre nos posicionamos contra qualquer tipo de súmula vinculante. Para se evitar a avalanche de recursos (repetitivos) nos Tribunais bastaria a adoção da chamada súmula impeditiva de recursos, isto é, se a decisão do Tribunal de Justiça seguisse uma súmula do STF (ou do STJ), não seria possível a interposição de Recurso Extraordinário ou Especial (ou mesmo não caberia apelação). Qual é a vantagem da súmula impeditiva de recurso? É que não engessa a magistratura a uma determinada interpretação dada pelo STF. Preserva a liberdade de interpretação do juiz (e, com isso, sua independência). (v) Fonte do Direito penal: na Reforma do Judiciário (EC 45/2004), entretanto, a opção do legislador acabou sendo em favor da súmula vinculante. O art. 103-A da Constituição Federal passou a possibilitar a edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Esse dispositivo foi regulamentado pela Lei 11.417/2006. Conclusão: já não se pode duvidar que a súmula vinculante passou a constituir mais uma fonte mediata do Direito penal. (x) Fonte formal: quando se fala em fontes do Direito penal o que se pretende saber é quem pode legislar sobre ele (fonte de produção) e como ele se exterioriza (fontes formais). A fonte de produção do Direito penal no Brasil é a União (CF, art. 22, I). Os Estados, mediante lei complementar, só podem legislar sobre pontos específicos, de interesse local. São fontes formais imediatas do Direito penal as leis e os tratados. Fontes formais mediatas são os costumes, os princípios gerais do Direito e a jurisprudência (incluindo-se aqui as súmulas vinculantes).
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