segunda-feira, novembro 12, 2007

A independência judicial não é apenas um atributo político.
É uma premissa da jurisdição.
Como ensina Eugenio Zaffaroni, a independência não decorre nem mesmo da separação dos poderes, mas da própria essência do ato de julgar, condição da imparcialidade do magistrado, necessariamente um “terceiro” entre as partes litigantes.
É a independência que permite ao juiz dar ganho de causa ao mais pobre consumidor contra o grande financista, se assim prevalecer o direito, pois não depende de recursos privados; condenar ou absolver um réu com base na lei e nas provas lícitas, garantindo-lhe sempre a ampla defesa, mesmo em face de um linchamento de opinião impressa, que não o comanda; julgar os abusos dos governantes e as malversações do poder, vestido que deve estar de garantias que evitem qualquer tipo de retaliação ao exercício de seu cargo. Garantir, em suma, os direitos essenciais do cidadão, contra os que lhe infligem sanções ou lhe neguem o cumprimento da lei.
A independência judicial, no entanto, não é álibi para a arrogância da autoridade.
Nem serve para fundamentar um corporativismo que inviabiliza a administração da justiça como serviço ao público, nem para a arbitrária demonstração de poder.
Independência para servir é o mote do juiz, cuja função na sociedade democrática é justamente o de ser o garantidor dos direitos fundamentais do cidadão. Independência para ser “juízes de Berlim”, que permitem a um pobre moleiro que desafie a autoridade de um rei, quando possuidor de direito que não pretende dispor.
O juiz, como garantidor de direitos, não pode ser um propagador, em si mesmo, de preconceitos ou discriminações que violem normas constitucionais. Fazê-lo é uma contradição em termos, pois é a Constituição que o autoriza a julgar para tutelar os direitos fundamentais.
O magistrado não pode afastar o povo da justiça, por não se trajar convenientemente, como o caso recente de um operário paranaense, impedido de estar presente à audiência de processo do qual era o próprio autor, apenas porque calçava chinelos. Equívoco que não se soluciona com fornecimento de um par de sapatos ao trabalhador, descortinando o incômodo como se causado por sua própria incúria.
Não é o povo que deve se vestir de forma conveniente e aceitável, nos rigorosos padrões da tradição forense, para ter acesso à Justiça. Ao contrário, é a justiça que deve se despir de mantos e privilégios, linguagens e costumes arcaicos, aristocráticos e até medievais, para receber o povo nos Fóruns, porque é em seu nome que todo poder deve ser exercido, inclusive o Judiciário.
A decisão judicial, por sua vez, é sempre um ato de Estado. O juiz deve ser livre para tomála, sem pressões de qualquer parte. A sentença é o exercício pleno de sua jurisdição, a dicção do direito ao conflito trazido a julgamento.
Mas não há legitimidade na manifestação do Estado, sendo ela própria portadora de violações aos princípios mais comezinhos da dignidade humana, como o preconceito racial ou homofóbico, como se divulgou recentemente.
A esta altura da vida social, na antevéspera dos sessenta anos de Declaração Universal dos Direitos Humanos, é inadmissível que destrato do princípio da igualdade ainda possa ser produzido por quem tenha o poder, a autoridade e, fundamentalmente, a missão de garantir direitos.
O desprestígio da Justiça caminha a passos largos.
O espírito de corpo vem impedindo punições internas, disseminando na comunidade a convicção da improbidade do poder. A ineficiência no trato da coisa pública como um verdadeiro serviço a ser prestado gera contínua frustração a quem vive das expectativas do direito. A rede de proteção das autoridades projeta uma sensação de impunidade seletiva de difícil justificativa. Tudo isso somado faz com que cada vez seja mais difícil transmitir à sociedade o grau de relevância da missão do juiz.
A independência do magistrado, é bom lembrar, é antes do tudo, um direito do cidadão.
Mas quando decisões excluem acesso à justiça ou propagam preconceitos de qualquer ordem, por origem social, raça ou orientação sexual, não é fácil convencer o cidadão que este predicado vem mesmo em sua defesa.

Sem comentários: