sábado, setembro 20, 2008

Ser juiz é uma tarefa exigente.
Este blog começou com um propósito que continua vivo, apesar deste longo sillêncio: tentar dar a conhecer a realidade concreta dos tribunais e da função dos juizes.
Já referi aqui, algumas vezes, que os juizes executam, diariamente, inúmeras tarefas perfeitamente rotineirias e que, com o decorrer do tempo, acabam por se tornar quase insuportáveis, sobretudo para quem quer ser juiz.
Refiro-me essencialmente aos despachos de mero expediente que, apesar de terem que ser proferidos, para assegurar a normal e célere tramitação dos processos, consumem aos juizes muito do seu tempo e, ao fim de oito anos, quase conseguem "embrutecer" quem os profere.
Apesar de usar formulários, constato que o tempo restante para dedicar-me aos despachos saneadores, à realização de julgamentos e à prolação de sentenças é muito reduzido.
Esta situação acaba por ser altamente frustrante e desmotivante, pelo desperdício de faculdades e competências próprias dos juizes.
As constantes alterações legislativas não têm alterado este estado de coisas. Bem pelo contrário, contribuem para agravá-lo. O tempo para aperfeiçoar os conhecimentos teóricos indispensáveis ao cabal exercício da profissão de juiz é agora consumido no estudo daquelas alterações.
O legislador parte do princípio que basta legislar para que as leis sejam aplicadas, quase automaticamente.
Só que qualquer lei, por mais perfeita que seja a técnica legislativa, só pode ser aplicada depois de interpretada. E as regras de interpretação são complexas, porque não basta ter em conta a letra da lei. Há que determinar o seu sentido e significado, nomeadamente no confronto do conjunto do ordenamento jurídico em que se inserem.
Os recursos proporcionados pela informática são excelentes. Desmaterializar os processos poderá contribuir para uma maior celeridade processual. Mas não resolverá o problema das elevadas pendências processuais.
Desde logo porque as leis processuais, sobretudo na jurisdição civil, continuam a exigir que as partes e o juiz sejam "burocratas".
A título de exemplo refiro o impressionante conjunto de formas e procedimentos processuais actualmente existente: acções ordinárias, acções sumárias, accções sumaríssimas, acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 5.000,00, acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor superior a € 5.000,00 e não superior a € 15.000,00, acções especiais derivadas de procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 5.000,00, acções especiais derivadas de procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor superior a € 5.000,00 e não superior a € 15.000,00, acções especiais derivadas de procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais de valor não superior a € 5.000,00, acções especiais derivadas de procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais de valor superior a € 5.000,00 e não superior a € 15.000,00, acções especiais para cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais de valor não superior a € 5.000,00, acções especiais para cumprimento de obrigações emergentes de transacções comerciais de valor superior a € 5.000,00 e não superior a € 30.000,00...
Se a justiça é administrada por homens e não poderá deixar de sê-lo, então já há muito que se deveria ter começado a exigir maior consideração pelas pessoas envolvidas nos processos.
Tudo isto para dizer que o meu silêncio na blogosfera ficou a dever-se ao facto de, para além de ser juiz, agora passei a ter uma outra missão: a de ser pai.
As minhas responsabilidades como juiz, marido e pai fizeram com que seja um homem mais feliz. E o tempo ganhou uma nova dimensão.
Não vou desistir de nenhuma daquelas responsabilidades. É um compromisso que assumo também aqui.
Por isso, vou continuar a "navegar" sempre que tiver disponibilidade.

3 comentários:

Nuno Lemos Jorge disse...

Pois parabéns.

Eu comecei mais cedo a "função" de pai e agora, mais tarde, iniciarei a de juiz:

(http://processo-civil.blogspot.com/2008/07/at-breve-num-outro-lugar.html)

Só tenho experiência da primeira e é maravilhosa.

Venha também a segunda.

Felicidades!

Nuno Lemos

Pedro Mineiro disse...

Fiquei triste ao saber que o seu blog iria terminar.
Mas contente por saber que ganhei um bom colega.
Estou seguro que a segunda experiência será tão maravilhosa como a primeira.
Felicidades.
Pedro Mineiro.

zeladorpublico disse...

Ninguem duvida da especial complexidade e responsabilidade de quem está na magistratura, seja ela judicial ou do MP.
Felicidades