«As escutas telefónicas»
«Noticiou o Expresso que há 8.000 telefones sob escuta, em Portugal. A revelação é feita pelo próprio procurador-geral da República, para desmentir declarações de Jorge Coelho, na SIC, segundo o qual existiriam cerca de 40.000 pessoas com chamadas telefónicas vigiadas.
Tentando desdramatizar, Souto Moura veio, na minha opinião, confirmar o que muitos já sabíamos: o actual procurador, sem se colocar em causa o respeito que lhe é devido, não foi talhado para estas andanças. Fala quando deveria estar calado, cala-se quando deveria falar, diz de mais nuns casos e de menos noutros e transmite uma estonteante desorientação, que em nada beneficia a credibilidade do Ministério Público.
O que seria de esperar era que o mais alto responsável pela Procuradoria-Geral da República desse uma imagem de parcimónia discursiva e agisse. Agisse no sentido de conferir credibilidade às investigações, agisse no sentido de lhes dar rapidez, agisse ainda no sentido de diminuir as sistemáticas fugas ao segredo de justiça. Mas, na realidade, a despeito de tudo isto, o procurador insiste em remar no sentido contrário, sem que ninguém o chame à razão ou lhe diga que o espectáculo que vem sendo dado é por demais degradante.
Veja-se esta questão das escutas telefónicas. Diz o procurador que há 8.000 telefones sob escuta! Poderiam ser 7.999 ou 8.001, mas a conta é certa. Verdade seja dita que ficámos sem saber se este número de telefones corresponde a igual número de proprietários ou se a cada assinante podem estar "atribuídos" vários números, embora isso possa ser, dadas as coisas, puramente irrelevante. Porém, o que já não será irrelevante é o facto de o procurador esclarecer quantos telefones tem sob vigilância.
Confesso que não entendi a necessidade. Existirão mensagens cifradas que se pretendem passar com este tipo de afirmações? A quem beneficia esta informação? É útil ao regime, interna e externamente, saber-se quantas pessoas estão sob suspeita (partindo-se do princípio que só se escuta quem se encontra nessas circunstâncias)? Todavia, admitindo que a informação, vinda de quem vem, não pode ser gratuita - longe disso - é forçoso afirmar que o procurador-geral da República abriu a caixa de Pandora.
Porquê? Pela simples razão de que, ao lançar a desconfiança entre os portugueses que fazem chamadas telefónicas, criou condições para que nos interroguemos se o nosso telefone consta, ou não, dessa lista de "premiados". Eu quero saber! Eu quero saber se estou sob escuta e, em caso afirmativo, com que fundamento. Eu quero saber se, aos olhos da Procuradoria-Geral da República, sou suspeito de alguma coisa e se o sou como cidadão, como presidente da Nova Democracia, como docente do ensino superior, como sócio do Benfica, ou como qualquer outra coisa.
Eu quero sabê-lo e tenho esse direito. Eu quero saber se vivo num país livre, que se auto-apresenta como sendo um Estado de Direito, com um Direito democrático e constitucional ou se estou a presenciar o "1984" do Orwell, revisitado por uns quantos O`Briens que se julgam agentes do "Ministério da Verdade". E quero ainda saber, se há tanta vigilância e tanto zelo público na sua divulgação e publicitação, qual o motivo para que Portugal continue a ser apontado como um dos países de grande actividade corruptiva. Será possível responder a estas perguntas senhor procurador-geral?».
Manuel Monteiro, In Expresso Online, 13/12/2005.
Tentando desdramatizar, Souto Moura veio, na minha opinião, confirmar o que muitos já sabíamos: o actual procurador, sem se colocar em causa o respeito que lhe é devido, não foi talhado para estas andanças. Fala quando deveria estar calado, cala-se quando deveria falar, diz de mais nuns casos e de menos noutros e transmite uma estonteante desorientação, que em nada beneficia a credibilidade do Ministério Público.
O que seria de esperar era que o mais alto responsável pela Procuradoria-Geral da República desse uma imagem de parcimónia discursiva e agisse. Agisse no sentido de conferir credibilidade às investigações, agisse no sentido de lhes dar rapidez, agisse ainda no sentido de diminuir as sistemáticas fugas ao segredo de justiça. Mas, na realidade, a despeito de tudo isto, o procurador insiste em remar no sentido contrário, sem que ninguém o chame à razão ou lhe diga que o espectáculo que vem sendo dado é por demais degradante.
Veja-se esta questão das escutas telefónicas. Diz o procurador que há 8.000 telefones sob escuta! Poderiam ser 7.999 ou 8.001, mas a conta é certa. Verdade seja dita que ficámos sem saber se este número de telefones corresponde a igual número de proprietários ou se a cada assinante podem estar "atribuídos" vários números, embora isso possa ser, dadas as coisas, puramente irrelevante. Porém, o que já não será irrelevante é o facto de o procurador esclarecer quantos telefones tem sob vigilância.
Confesso que não entendi a necessidade. Existirão mensagens cifradas que se pretendem passar com este tipo de afirmações? A quem beneficia esta informação? É útil ao regime, interna e externamente, saber-se quantas pessoas estão sob suspeita (partindo-se do princípio que só se escuta quem se encontra nessas circunstâncias)? Todavia, admitindo que a informação, vinda de quem vem, não pode ser gratuita - longe disso - é forçoso afirmar que o procurador-geral da República abriu a caixa de Pandora.
Porquê? Pela simples razão de que, ao lançar a desconfiança entre os portugueses que fazem chamadas telefónicas, criou condições para que nos interroguemos se o nosso telefone consta, ou não, dessa lista de "premiados". Eu quero saber! Eu quero saber se estou sob escuta e, em caso afirmativo, com que fundamento. Eu quero saber se, aos olhos da Procuradoria-Geral da República, sou suspeito de alguma coisa e se o sou como cidadão, como presidente da Nova Democracia, como docente do ensino superior, como sócio do Benfica, ou como qualquer outra coisa.
Eu quero sabê-lo e tenho esse direito. Eu quero saber se vivo num país livre, que se auto-apresenta como sendo um Estado de Direito, com um Direito democrático e constitucional ou se estou a presenciar o "1984" do Orwell, revisitado por uns quantos O`Briens que se julgam agentes do "Ministério da Verdade". E quero ainda saber, se há tanta vigilância e tanto zelo público na sua divulgação e publicitação, qual o motivo para que Portugal continue a ser apontado como um dos países de grande actividade corruptiva. Será possível responder a estas perguntas senhor procurador-geral?».
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