terça-feira, dezembro 13, 2005

«Balancete governamental»

«Até agora, não aconteceu. Formalmente há primeiro-ministro empossado, mas tem-se, estrategicamente, limitado a anunciar um conjunto de intenções. Acções concretas são poucas, com excepção das mais fáceis: cortar nos benefícios da exaurida classe média. O primeiro-ministro tem estado de férias governativas. Tem seguido a receita do mestre Guterres, especialista em não governar e fazer muita política. É o caso vertente. Sócrates entrou em funções e surgiram as autárquicas, que perdeu. Agora são presidenciais que ocupam todo o campo político-mediático. Ao ponto de a única notícia da votação final global do orçamento, ter sido a ausência de Alegre. Quanto ao conteúdo definitivo do documento, praticamente nem uma linha. Sócrates, entretanto, aproveitou e não tomou uma única medida estrutural. Faz uns números políticos bem cuidados, para mostrar que também é homem para pegar no leme. Vive de acções de marketing bem estudadas, que transmitem uma imagem de liderança. Conta com uma comunicação social dominada e um fabuloso número de nomeações feitas na calada dos gabinetes. O PS tomou tudo de assalto. Não foi difícil, até porque já detinha uma bela quota herdada da tripla Barroso-Santana-Sarmento, os “afundadores” do PSD. Nas actuais circunstâncias é, pois, precipitado pretender antecipar remodelações. É uma questão que não se coloca agora. Surgirá mais para o meio do mandato. Pode, quando muito, haver um ou outro ajuste de caminho, fruto de uma emergência política, como deveria ter sucedido com Valter Lemos e João Gomes Cravinho depois dos tristes casos que protagonizaram. Pode-se, no entanto, fazer uma análise sumária e parcial do executivo. O núcleo político não apresenta falhas, nem desgastes consideráveis com Silva Pereira, António Costa e Santos Silva, a cumprirem perfeitamente. A postura de Vieira da Silva é excelente. É o único que avança com uma política de choque. O seu ar seráfico disfarça o embate que os portugueses sentirão um dia. As suas medidas são meros paliativos e não descobre a pólvora que salve a segurança social. No seu lugar, outro já teria rebentado. Manuel Pinho tem estado debaixo de mira. É naquele Ministério e no das Finanças que tudo o que diz respeito às empresas e aos interesses se discute. Consequentemente, o titular é sempre objecto de ataques por parte de interesses instalados. Pinho não é excepção. Ainda que o seu desempenho possa ser criticado, é duvidoso que Sócrates lhe toque. Evidentemente que o caso Galp-Eni, a evolução da Auto-Europa e mais dois ou três ‘dossiers’ sensíveis não podem derrapar. Quanto ao titular das finanças não há reparos, mas também não há grande governação. Maria de Lurdes Rodrigues é um caso. Os seus esforços para tentar pôr um mínimo de ordem no sistema educativo geraram-lhe o ódio da poderosa corporação dos professores. A ministra assustou-se e já começou a ceder aos interesses instalados. Entrou até na fase de limitar os exames, que o mesmo é dizer, promover o “facilitismo” e a estatística de sucesso para inglês ver. Foi ainda protagonista do triste caso dos crucifixos, desenterrando um problema a que já ninguém ligava. As zonas de maior confusão estão bem delimitadas e são três: Saúde, Transportes e Justiça. Começando pela Saúde, há que dizer que Correia de Campos é verbo e só verbo. Acção nada. Sobretudo acção racionalizadora e de gestão. Acha que gerir é cortar os apoios aos doentes. Devia já ter aprendido que na saúde se devem potencializar os meios e não penalizar os utentes. Não fez nada na primeira vez que foi ministro. Agora repete a receita. Mário Lino é do mesmo género. Sucedem-se as trapalhadas à volta da Ota e do TGV, enquanto deixa morrer a CP. Acarinha o virtual e abandona o real. O seu ministério lembra uma X-Box. Ao menos Alberto Costa tem sido atacado, mas é coerente. Politicamente incorrecto e até inábil, é verdade. Mas determinado a mudar as coisas. Demonstrou que os juízes não merecem ser titulares de órgãos de soberania e que os magistrados do ministério público estão aquém do desejado. Nada que intuitivamente os portugueses individualmente não soubessem. Assim vai um governo mais parado do que activo. Pela acção não sofrerá grande mossa. Já pela política pode sempre acontecer-lhe alguma coisa menos agradável, tal como o PS perder a segunda eleição consecutiva. Ou então, ver ganhar ou passar à segunda volta um candidato chamado Alegre».
Eduardo Oliveira e Silva, In Diário Económico, 13/12/2005.

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