quarta-feira, dezembro 07, 2005

«Souto Moura e os socialistas »

«Não incomoda Souto Moura que um inquérito judicial tenha falhado nos seus objectivos centrais, decapitado um partido político e lançado lama, pelas escutas, sobre pessoas que nada tinham a ver com o processo?
O procurador-geral da República não resistiu a comentar - não através de uma seca nota oficial, mas em declarações a uma agência de notícias - o desfecho do processo Casa Pia no que toca ao ex-dirigente socialista Paulo Pedroso. E em boa hora o fez. Admitamos que em resultado do improviso, Souto Moura acaba por se trair repetidamente e deixa que as suas palavras apenas confirmem a estranha, anormal, obsessiva tensão que se gerou entre o Ministério Público por si tutelado e a direcção de um partido político, no caso o PS e mais concretamente a direcção de Ferro Rodrigues. Mas o que disse o procurador à Lusa? Vale a pena reproduzir uma das frases mais significativas "Se continuam a afirmar a sua inocência e a dizer que isto é uma construção e uma cabala porque é que em três anos nunca me trouxeram elementos por onde eu pudesse puxar para confirmar a tese?"
Que isto seja dito por alguém com formação em direito e ainda para mais com responsabilidades na justiça portuguesa é altamente preocupante. De uma penada, Souto Moura profere uma afirmação dubitativa sobre a inocência de pessoas que nem arguidas são e exige delas o ónus da prova dessa mesma inocência. Mas não estará tudo invertido? Não caberia ao PGR a célere e ampla iniciativa de esclarecer a denúncia pública de uma possível cabala, orquestração, maquinação, seja o que for, podendo envolver meios do Estado e o aparelho de justiça, contra um partido político? As declarações em tom de desafio do procurador apenas tornam mais patente o incómodo de um inquérito a uma vasta rede de pedofilia que terminou com meia dúzia de arguidos e a decapitação de um partido político. E que, pelo meio, lançou lama politicamente orientada, através de escutas despropositadas cirurgicamente vertidas para o processo. Estas óbvias e singelas constatações não atormentam Souto Moura? Que os socialistas, agora no poder, não retirem ilações percebe-se com declarações como as de ontem, o procurador vai fazendo justiça a si próprio. Mas e a justiça? Merece tal pena?»
João Morgado Fernandes, In Diário de Notícias, 07/12/2005.

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