quinta-feira, janeiro 12, 2006

«O grave problema da Segurança Social»

«TVI - Em matéria de Segurança Social: quem é que tem razão: o Governo ou os sindicatos?
Miguel Sousa Tavares (MST) - É difícil que alguém tenha razão aqui. Era preciso ver as contas com atenção. O que nós sabemos é que em 2004, segundo dados do Instituto de Estatística, as receitas só cobriam 99% das despesas. Portanto, em 2005, provavelmente, a Segurança Social já estará em défice. E vai continuar em défice porque as pessoas vivem cada vez mais anos, gastam cada vez mais com cuidados de saúde, há menos gente jovem, fazem menos filhos e vivem mais anos. A menos que se importem quantidades de trabalhadores vindos do Leste, todos novos, todos prontos para descontar para a Segurança Social durante mais trinta ou quarenta anos, o sistema está em falência. Já toda a gente sabia, apesar de, num dos governos de Cavaco Silva, ele ter dito que tinha feito a reforma do financiamento da Segurança Social. Depois Guterres disse o mesmo, Barroso disse o mesmo, todos disseram o mesmo mas, de facto, o problema manteve-se. Não só se manteve aqui, como se manteve lá fora também. É dos problemas mais graves que temos e acho que temos de encará-lo de frente, nesta perspectiva: deve ser fixado um tecto limite de quanto é que as receitas do Estado vão contribuir para a Segurança Social, sob pena de a única alternativa ser as pessoas que estão activas terem de pagar cada vez mais impostos para as que não estão activas. Deve haver um limite, até porque são despesas que não criam riqueza, são despesas paradas, congeladas, mas que têm que existir, o Estado tem que acorrer às pensões de reforma mas não pode fazê-lo numa quantidade tal que o desenvolvimento do país não se consiga fazer. Depois, acho que estas medidas avulsas de que o ministro falou, como por exemplo, a de mudar o sistema de contagem – em vez dos dez melhores anos dos últimos quinze, como temos actualmente em vigor, contar todos os anos em que se desconta –, são capazes de ser inevitáveis, assim como fixar um tecto máximo para as pensões. Só que eu acho que será injusto que o sistema não seja, então, retroactivo. Ou seja, que possa haver pessoas que têm um tecto máximo de pensão e há outras que se reformaram este ano ou no ano passado – conhecemos até alguns casos notáveis – que recebem milhares das pensões de reforma. Não é justo. Se de facto esta geração tem de fazer um sacrifício para que a geração seguinte ainda venha a ter algumas reformas, não faz sentido que a geração anterior também esteja em situação privilegiada.
NEGÓCIO DA EDP TEM DE SER CLARIFICADO
TVI - Vamos ter a luz mais cara, quer queiramos quer não, e temos depois esta crise energética, com o ministro da Economia a insinuar que as críticas da oposição são encomendas. Umas explicações um pouco estranhas, no mínimo.
MST - A electricidade sobe, sobretudo, para os comerciantes, para que não suba igualmente para a indústria porque era um dos factores que estava a agravar as nossas condições de competitividade: o termos uma energia cara. Mas é extraordinário o que aconteceu com a EDP. A EDP, há dois anos, quando se tratou da privatização, prometia energia mais barata. Não temos, está mais cara e para o ano vai ser ainda pior porque vão deixar de estar limitados os aumentos à taxa da inflação, e portanto vai suceder o mesmo que sucedeu com os telefones quando foram privatizados: pior serviço, serviço mais caro. Os consumidores têm o direito de perguntar porque é que o Estado abre mão do nosso património em sectores estratégicos, essenciais para as pessoas, como é a electricidade e o telefone, e passamos a ter piores serviços. Porquê? Porque é que o estado pega num negócio que é nosso, que aparentemente não consegue gerir bem, entrega-o aos privados e passa a ser mais caro. E depois vamos ver que os gestores que aparecem, curiosamente, são quase todos gestores públicos. Porque toda a história de EDP, da Galp, passa por cinco ou seis personagens que aparecem sempre, num lado e no outro, que antes serviam o Estado e agora servem os privados nas empresas que foram privatizadas e, tudo isto, cheira a um jogo fechado de amigos, que começa a ser altamente perturbante, e as declarações de Manuel Pinho, são ainda mais perturbantes. Porque quando ele diz que, com as decisões que foram tomadas na EDP, nomeadamente com a Iberdrola a aumentar lá o seu capital, “há escritórios de advocacia de negócios que ficaram a perder e há bancos que ficaram a perder”, isso significa que há outros que ficaram a ganhar. Portanto isto é tudo um jogo, como eu, aliás, sempre suspeitei. Há um jogo que tem de ser clarificado. Assim como o que se passa com a Ota, com o TGV, com tudo. Porque o que nós estamos a viver é cada vez mais grave – e com os socialistas só se agrava – em que em tudo o que é negócio com dinheiros públicos ou com empreitadas públicas ou com privatizações, parece que há sempre uma teia à volta, de escritórios de advogados de negócios, de bancos, de investidores, etc., que põe sempre os mesmos em jogo.
UM ÓRGÃO INDEPENDENTE PARA CONTROLAR AS ESCUTAS
TVI - Um comentário para esta comissão parlamentar de avaliação das escutas, que continuam a ser um problema.
MST - Acho muito bem que o convite tenha existido, que os deputados tenham ido ver, não percebo porque que é que os jornalistas não puderam ir, não é segredo de Estado, a maneira como se fazem as escutas. O próprio conteúdo das escutas é que é segredo e não a sua técnica. Não posso concordar com o deputado Osvaldo de Castro quando diz que primeiro há os interrogatórios, as buscas domiciliárias e só depois é que há escutas. Nós sabemos que não é verdade. Sabemos que a maior parte dos processos se iniciam com escutas e que em muitos deles a prova substancial resume-se às escutas. E como não há prazo de validade das escutas fixado na lei – a lei diz que as escutas devem ser imediatamente levadas a um juiz para serem validadas e o que quer dizer “imediatamente” tem sido objecto de vários acórdãos dos tribunais superiores, umas vezes entendendo que dois meses é demais e outras que é de menos –, isso é uma das coisas que devia ser clarificada. O que acontece muitas vezes é que se as escutas servem para incriminar, também têm servido para absolver. Porque são anuladas. Porque o tribunal entendeu que se ultrapassou o prazo admissível na lei – e repito, ninguém sabe qual é – e, portanto, o processo é anulado e, como não há mais provas, as pessoas são absolvidas indevidamente. Há dois perigos nas escutas e um é esse. O outro é que inocentes tenham as suas conversas, a sua correspondência pessoal telefónica, escutada pela PJ ou pelo Ministério Público. É preciso que se repare numa coisa: uma conversa telefónica é a coisa mais íntima que uma pessoa pode ter. Por isso, quando se diz que só há oito mil escutados em Portugal, eu não acho são. Seguramente que não temos oito mil suspeitos de crimes que justifiquem oito mil escutas. Ainda por cima quando as escutas de teor pessoal permanecem sem ser destruídas e aparecem nos jornais, são facultadas a outras pessoas, etc. Em democracia todos os poderes devem ser controlados por outro poder, e ainda mais tratando-se de matéria que tem que ver com a defesa dos direitos humanos. As escutas têm estado, unicamente, à guarda do sistema judicial e sabe-se que houve abusos. Devia haver um órgão independente que controlasse as escutas, a quem o Ministério Público e a Polícia seriam obrigados a dizer quem está sob escuta, porquê, por ordem de que juiz e por que suspeitas. E haver também um prazo para as terminar».
In Diário Económico, 12/01/2006.

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