«Julgar políticos», por Eduardo Dâmaso, no editorial do D.N.
«O ministro da Justiça propôs à Unidade de Missão para a Reforma Penal que considerasse a possibilidade de criação de um foro especial para os crimes praticados por titulares de órgãos de soberania. Descodificando: os deputados e ministros passariam a ser julgados pelos tribunais da Relação, o que teria também como consequência que actos de investigação como buscas e escutas telefónicas deixassem de ser autorizados por um juiz de instrução e passassem para aqueles tribunais superiores. Como disse anteontem à noite o jurista Rui Pereira, coordenador daquela Unidade de Missão, durante uma tertúlia organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, não está provado que os juízes daqueles tribunais superiores sejam especialmente benevolentes com os políticos. Pois não, mas a questão não é essa. Quando a investigação a um deputado, ainda que com honrosas excepções, já é obstaculizada pela manipulação do regime de imunidades, quando no País reina a ideia de que os poderosos (leia-se políticos) escapam sempre à acção da justiça, quando é cada vez mais consensual de que não pode haver tantos magistrados em comissões de serviço de nomeação política, quando são cada vez mais conhecidos casos de promiscuidade entre magistrados de tribunais superiores e dirigentes políticos e do futebol, não parece grande ideia fazer tal alteração à lei penal. Não vale a pena ignorar a realidade. A ideia dominante em Portugal, mas também noutros países, é a de que os políticos dificilmente resistem à tentação de criar regras que lhes sejam mais favoráveis na relação com o poder judicial. Veja-se o caso de Jacques Chirac, que blindou a sua própria imunidade para evitar ser julgado. Ou o do inefável Berlusconi. Adivinha-se a tentação de reagir se tivermos presentes alguns casos concretos. Mas esses episódios, como os que estiveram relacionados com o processo da Casa Pia, não são a regra. Por isso, a criação de um tal regime especial não virá certamente melhorar a imagem da classe política aos olhos dos portugueses nem é saudável no quadro da necessária separação de poderes. Sem cair em demagogias rasteiras, a exigência hoje colocada nos padrões de independência e transparência de uma democracia pede precisamente o contrário: que a equidade entre cidadãos e políticos perante a justiça seja cada vez mais uma realidade e não uma mera proclamação discursiva».
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