Círculos de violência
Há uns meses, o DN deu conta de um estudo sociológico que apontava para uma inesperada taxa de violência entre os jovens namorados. Dos 15 aos 25 anos, independentemente do grau de instrução, um quinto dos namorados confessava ter agredido fisicamente o parceiro e um quarto reconhecia exercer alguma forma de chantagem emocional. As agressões - apontava o estudo - são mútuas, mas os envolvidos manifestavam esperança de que, com o casamento, a relação se normalizasse. Não é assim. Vemos pelas estatísticas que agora colocaram Portugal no relatório da Amnistia Internacional que a violência, por vezes até à morte, entra pelo casamento dentro. Pelas revistas cor-de-rosa somos desenganados: não é só nos meios rurais, com taxas de educação mais modestas, que isso acontece. Também entre os casais mais urbanos, mais acomodados a valores de aparente civilidade, são cada vez mais frequentes os relatos e queixas de violência. Infelizmente, esse círculo de violência aperta-se igualmente sobre aqueles que nem sequer têm capacidade para se defender. E é assim que, cada vez mais, temos notícia de violência sobre crianças. Não vale a pena desculparmo-nos com falsos moralismos. Há uma cultura da violência instalada na nossa sociedade, que se alimenta das raízes rurais onde ainda é encarada com normalidade, mas que encontra no mundo mediatizado, acelerado, consumista, o viveiro ideal para se perpetuar. Quando vemos o desprezo pela vida que esses actos contra seres indefesos ou contra o parceiro de vida comportam percebemos que, afinal de contas, não seremos assim tão diferentes das culturas ou civilizações que tanto criticamos pela discriminação ou violência que professam. Em Espanha, país em que, afinal - dizem agora os números -, se mata menos que em Portugal, o problema da violência doméstica tornou-se um tema central da governação. Por cá, o voluntarismo de quem se preocupa com estes temas esbarra no encolher de ombros e nos brandos costumes. O futuro Código Penal deverá acolher sanções específicas para a violência doméstica. Um pequeno passo. Insuficiente se, a vários níveis da sociedade portuguesa, não se promover uma cultura de respeito e civismo - no fundo, é disso que se trata -, que não se reflecte apenas na acção social e política, mas igualmente na nossa vida íntima.
In DN
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