Entrevista ao Director Nacional da PJ
O novo director nacional da Polícia Judiciária (PJ), Alípio Ribeiro, quer mudar a estratégia de investigação, sobretudo no crime económico, de modo a que cada inquérito tenha limites bem definidos em termos de factos e arguidos.«Sou um crítico dos megaprocessos (...) de investigações que armazenam factos e não os filtram», afirma.
Na primeira entrevista desde a posse, há mês e meio, Alípio Ribeiro diz ter a garantia de que a PJ não vai sair do Ministério da Justiça nem perder competências no crime organizado e transnacional. O procurador-geral adjunto falou ao EXPRESSO «como polícia e não como magistrado», com a voz de Maria Callas em fundo.
Enquanto magistrado tem criticado o excesso de escutas telefónicas. O que está a funcionar mal?
A intercepção telefónica é um meio de prova devastador que é preciso ser utilizado com grande equilíbrio, com grande moderação, e não pode ser o único elemento de prova, tem de ser um complemento absolutamente necessário ao prosseguimento da investigação.
Há muitas interpretações diferentes da lei.
Temos de ter a interpretação mais rígida, aquela que melhor defenda os direitos das pessoas.
Para qualquer tipo de intercepção, para qualquer pedido de dados, mesmo que seja apenas de facturação detalhada?
Sim, sermos rígidos, mas sobretudo para as escutas. E outra coisa que depois o tempo me veio dar razão foi esta: quantas intercepções se fazem neste país? Ninguém sabe, ninguém sabia. Ainda que todas elas sejam validadas pelo juiz era bom, até para uma questão de definição de política criminal, saber o que a casa gasta…
O relatório da PJ de 2005 diz que foram realizadas mais de 13.700 escutas.
Mesmo esses números não são correctos. Estou neste momento a fazer uma avaliação dos procedimentos relativamente à utilização das escutas.
Aqui é o problema de tratarmos seguramente a informação, não deixarmos passar processos sem que esses elementos, e outros, sejam integrados no sistema de informação interno e que nos permita dizer quantas, em que circunstâncias, para que tipo de crimes.
Defende alguma alteração legislativa?
Estão a ser feitas, por isso não me quero intrometer. A Unidade de Missão está a tratar do assunto, que também tem uma componente política. O que eu gostaria, mas isto não é só para a PJ é para a Justiça em geral, é que houvesse um grande sentido de rigor na utilização desses meios, que são sobremaneira invasivos.
Com as tecnologias que há grava-se tudo e mais alguma coisa e pode haver uma invasão na privacidade das pessoas muito grande e é preciso acautelar os interesses das pessoas, porque depois nas escutas telefónicas há os visados e há terceiros também, que podem nem ter nada a ver com o crime.
O MP deve poder autorizar escutas em casos graves, urgentes?
Creio que essa posição não vai ter sucesso, porque então se não encontrássemos o MP seria a polícia - esses saltos são muito "perigosos".
Antes de aceitar este cargo obteve garantias do Governo sobre o futuro da PJ?
Vim para a Judiciária não pedindo nada nem oferecendo nada, a não ser o cumprimento da lei. E não sou um director nacional de uma comissão liquidatária da PJ, pelo contrário, estou aqui para isto melhorar. Venho para apaziguar, melhorar, desenvolver. Havia a declaração expressa do ministro (da Justiça) de que a Europol e a Interpol continuariam na PJ. Aceitei nesse pressuposto de que a matriz da PJ é uma matriz judicial, ou seja integra o mundo da Justiça e não o mundo da Segurança.
Está a participar na elaboração da nova Lei Orgânica da PJ?
Neste momento o que está em preparação é a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, que estará pronta em breve. Essa lei diz claramente qual é o espaço da PJ, para não haver mais ruídos - porque a PJ vive à volta de ruídos e não há boa investigação se não houver serenidade. O grande painel sobre o que é a PJ vai estar a lei orgânica do Ministério da Justiça e espero que com isto as dúvidas acabem.
Tem havido coincidência entre novos governos e novos directores da PJ. Isso preocupa-o?
Não me preocupa. Estou perfeitamente à vontade. Sou perfeitamente independente. Organicamente dependo do ministro da Justiça, sei os limites da minha actuação.
Funcionalmente, os processos dependem do Ministério Público (MP) e dos juízes de instrução criminal. Sei quais são as regras do jogo, conheço-as como ninguém e quem me convidou sabe o que penso sobre esta matéria. Estou em paz e sossego comigo mesmo.
No despacho que pôs fim à comissão de serviço do anterior director o Governo diz que «a reforma não pode estar exposta a constrangimentos emanados de entidades dependentes do próprio Executivo». Sente liberdade para fazer críticas a futuras medidas governamentais?
Perfeitamente. Pouco antes de ser convidado fiz algumas críticas, que foram públicas. Não me sinto constrangido, pelo contrário, sinto-me muito à vontade para falar com as pessoas e dizer-lhes o que penso. É natural que muitas vezes não pensem como eu, nem penso que me vão fazer as vontades. Tento encontrar a resposta mais adequada para uma polícia mais operacional. Na PJ, como em todas as instituições, o passado não é garantia do futuro, a garantia do futuro é o presente.
O que quer mudar na estrutura e organização da PJ?
Precisamos definir algumas estratégias. De investigação e de colaboração. É fundamental ter uma boa articulação com os outros órgãos de polícia criminal. A PJ é uma polícia de retaguarda, não é uma polícia de esquadra. E tem de melhorar a capacidade de estar no local o mais rapidamente possível. A PJ não pode ser uma estrutura fechada e não pode viver num contínuo ruído, que é perturbador para a investigação e para a operacionalidade. O nosso trabalho tem de ser validado. O que fazemos não acaba no momento em que termina a investigação, acaba no MP, nos tribunais, nos julgamentos.
Concorda então quando o ministro Alberto Costa diz que a PJ deve ter como objectivo as acusações e condenações?
A PJ tem como objectivo investigar e se houver crime investigá-lo bem e preparar a investigação de modo a que ela possa ter êxito nos sítios certos. É por isso que estamos na Justiça. O ministro nesse aspecto tem razão, se eu começo a ver que certas investigações chegam a tribunal e as pessoas são absolvidas eu tremo. Tremo não só pela investigação, tremo pela sociedade e tremo pelos direitos dos arguidos. A investigação não pode ser um processo de intenção. Na criminalidade complexa e difusa precisamos de investigações muito bem preparadas.
Vai dar um sinal de apoio aos inspectores que têm os processos contra figuras públicas?
As investigações têm de ser serenas e devem prosseguir claramente contra quem quer que seja. Mas as investigações não podem ser espadas, cutelos, sobre a cabeça das pessoas. As pessoas têm direito a investigações tanto quanto possível rápidas e que resolvam de vez o problema: ou há elementos ou não há elementos (de crime). Não podemos fazer da investigação condenações antecipadas. Estamos aqui para investigar mas também para respeitar os direitos das pessoas. É neste equilíbrio que uma polícia deve funcionar. Temos regras, a investigação não é feita a qualquer preço. Não há aqui fantasmas de serem pessoas importantes ou não. Se há pessoas importantes então os processos que avancem e avancem rapidamente. E claramente. Não podemos criar à volta da investigação criminal zonas de nevoeiro, de sombra, de suspeição. Seja em relação a qualquer cidadão.
Como se evita isso?
É evidente que toda a investigação pressupõe uma ética. Nada há pior do que uma Justiça sem ética. Sejam quais forem os visados pelas investigações, todos têm direito a uma justiça que seja rápida e eficiente, mesmo que seja para os acusar, para os levar a julgamento, para os condenar. E é isso que precisamos de ter. E vamos fazer.
Como é que a PJ pode aumentar a celeridade das investigações?
Precisamos de introduzir alguns conceitos de gestão interna nas investigações e saber que devem ser sempre muito bem direccionadas. Uma investigação não é eficaz se for feita aos zigue zagues. Tem de ser organizada de modo a que se evite toda a dispersão. A experiência diz-me que muitas investigações perdem-se exactamente no momento em que há dispersão. Sou um crítico dos mega-processos. Sou um crítico do gigantismo. Sou um crítico de investigações que armazenam factos e não filtram factos e é nesse sentido que podemos e vamos melhorar a nossa operacionalidade, nomeadamente nos crimes económicos. Os crimes económicos exigem alguma proactividade na investigação, enquanto os homicídios, por exemplo, exigem reactividade.
Aposta na especialização para os inspectores do crime económico?
No campo da Justiça, não falo só da PJ - ainda que esteja a falar como polícia e não como magistrado - , sou a favor da especialização. É preciso trazer para a investigação da criminalidade económica uma dinâmica diferente, que tenha a ver com a utilização dos meios técnicos que temos disponíveis., é preciso dar novo alento. Por isso já reuni com o director geral de Finanças para definir padrões de actuação, metas, agendas. Queremos dinamizar as equipas mistas e acabar com a ideia constante de que ninguém se preocupa com o crime económico.
E a PJ tem peritos suficientes?
Acho que temos peritos. Precisaremos talvez de outros peritos para a área da informática, temos sempre esse problema, que é um problema geral da Função Pública. Mas estamos atentos. Não podemos ver a investigação do crime económico só como perícia financeira, precisamos utilizar outros argumentos, outros meios de prova.
O facto da PJ ter perdido, para a PSP e GNR, a competência de investigação dos crimes menores não a faz perder informação essencial?
Hoje uma polícia que tivesse a investigação de tudo era um monstro. O que precisamos de melhorar é a partilha de informação. Precisamos de um sistema integrado de informação que funcione correctamente. E está previsto. Nós que tanto falamos de cooperação internacional era bom também que nos preocupássemos com a cooperação interna.
Mas a PSP criou recentemente um sistema de informação próprio.
Se a PJ tiver acesso a essa informação não há problema. Temos de criar boas relações e boas práticas de actuação com a PSP e a GNR. A GNR cobre um outro país e pode dar uma contribuição valiosa às investigações da PJ. Nós não queremos dominar o mercado da investigação. Conhecemos o nosso espaço e queremos partilhar, conviver com os outros e saber que os outros têm em nós um parceiro fiável e que são para nós um parceiro fiável.
Já conhece a versão final do Plano de Coordenação e Cooperação das Forças de Segurança?
Já disse o que pensava sobre essa matéria na reunião do Conselho Superior de Segurança. Fiz algumas considerações de carácter teórico, mas é matéria reservada.
Temos dois vectores: o da Segurança e o da Justiça. E temos de ter a noção que não andam separados, são complementares. Uma boa segurança exige uma boa investigação. E nessa área alguns aspectos poderiam ser corrigidos.
Num cenário de sequestro, por exemplo, com reféns, quem deve coordenar as operações?
Não vou responder. Isso está definido nesse diploma. Creio que mais cedo ou mais tarde, esperemos que não seja preciso utilizar muitas vezes esse diploma, talvez haja necessidade de algumas afinações nessa matéria. É evidente que quando está em causa uma vida o primordial é resolver a questão, mas não quer dizer que não possa haver um contributo sério da investigação, que até pode chegar ao terreno com elementos interessantes.
No discurso de posse disse que a desordem não justifica a injustiça. Foi uma mensagem sobre esse plano?
É evidente que foi uma mensagem. Teve o sentido sobretudo de calibrar a PJ dentro da Justiça. Nós não estamos a tratar desordens, estamos a tratar de justiças e injustiças, é esse o nosso espaço. Em sociedades muito securitárias a orientação é outra e o momento que atravessamos é securitário. (Essa frase) Foi um pouco para contrabalançar a ideia de que a segurança é um valor determinante. É com certeza a Justiça que é um valor determinante, porque a Justiça integra a segurança.
Quer dizer que não há Justiça sem segurança e pode haver segurança sem Justiça?
Exactamente.
Então não se revê num cenário em que a PJ fosse integrada no Ministério que tutela as outras polícias?
É evidente. Já disse que não sou o director de uma comissão liquidatária da PJ. A grande questão é que uma estrutura como a PJ integrada num ministério com grandes estruturas policiais desaparece. Mas se nós queremos evitar isso temos de trabalhar. A certeza que eu tenho é que a Lei orgânica do Ministério da Justiça vai aparecer e que a PJ lá aparecerá como uma estrutura dependente desse ministério.
A Lei-Quadro de Política Criminal, que permite aos políticos definir prioridades de investigação, vai limitar a autonomia do MP e das polícias?
Fiz alguns reparos. Mas cumpro-a. Essa lei vai exigir uma melhor articulação entre as polícias. Fui crítico, fiz alguns comentários, mas não foi por isso que deixei de vir para a PJ.
O ministro da Justiça tem legitimidade para fazer perguntas ao director da PJ sobre investigações?
O ministro da Justiça com certeza não fará perguntas ao director nacional da PJ sobre investigações. Eventualmente, quando estiverem em causa alguns interesses de Estado o director nacional da PJ tem obrigação de dizer ao ministro aquilo que achar que deve.
Devo lealdade ao ministro, tal como o ministro me deve lealdade a mim, dentro das respectivas competências.
Quem escolheu os seus directores adjuntos? O Ministério da Justiça telefonou a alguns directores no dia em que saiu Santos Cabral.
Fui eu que escolhi as pessoas que foram substituídas. Uma coisa ficou assente entre mim e o ministro: o que está em causa é a substituição do director nacional, quem acompanhar o director nacional é substituído, quem não acompanhar não é substituído. Isto foi uma regra básica e foi isso que aconteceu. O Ministério com certeza quis saber quem ia sair, mais nada. Para também avaliar a dimensão da crise, mas isso é uma questão política, que me escapa. Se me perguntar se eu substituiria outras pessoas que não pediram a demissão, não lhe dou resposta. Respeito muito as pessoas que saíram. São pessoas com quem mantenho boas relações.
Os problemas financeiros já estão resolvidos? Já chegaram os 9 milhões de euros que o Ministério disse que ia disponibilizar?
A época é de contenção, sou um director no tempo de vacas magras. A contenção pertence a todo o Estado. Temos conseguido obter, através de duodécimos, alguns adiantamentos. Há uma garantia de que não iremos para a insolvência, mas ninguém está a imaginar que nos deêm uns milhões de uma vez. Essas questões pertencem ao Ministério das Finanças, que creio estará consciente daquilo que precisamos. Não queremos luxos, não queremos demais. Houve se calhar um tempo em que esta casa teve muito, mas os tempos não estão para isso. Precisamos de fazer alguma contenção e as pessoas que aqui trabalham estão conscientes disso.
Essa contenção não vai afectar as investigações?
Com certeza que não. Temos o factor humano.
E quando chegam os 150 novos inspectores que o Ministério anunciou três vezes?
Foi uma decisão muito importante para a PJ esse descongelamento de vagas decidido pelo Ministério das Finanças. Não só desses 150 inspectores, mas também de cerca de três dezenas de especialistas. Foi uma excepção. O júri e o programa de concurso já estão concluídos. O descongelamento saiu apenas há cerca de duas semanas. O concurso está prestes a avançar. Mas a entrada em funções dos novos inspectores demorará sempre um ano, mais ou menos, devido ao curso de formação. Os polícias não se fabricam.
Foi muitos anos inspector no MP e chegou a fazer inspecções à PJ. Defende que a PJ volte a ser inspeccionada pela Procuradoria Geral da República?
Defendo que a PJ, como todos os organismos de Estado, precisa de ser auditada, seja pelo MP ou outra solução. Mas o nosso desempenho precisa ser avaliado, por alguém de fora. Acho bem que a Inspecção-Geral da Justiça venha cá, ver as contas e essas coisas, mas pelo seu próprio estatuto não pode analisar o desempenho processual. Temos de encontrar uma solução, que espero fique estabelecida na nova Lei Orgânica da PJ.
A actividade da PJ está sempre sujeita a uma coisa terrível que é o «voyeurismo» mediático. É bom que a comunicação social diga bem de nós, pelas melhores razões, mas não chega. Também é bom que nos venham dizer "falharam ali".
Na primeira entrevista desde a posse, há mês e meio, Alípio Ribeiro diz ter a garantia de que a PJ não vai sair do Ministério da Justiça nem perder competências no crime organizado e transnacional. O procurador-geral adjunto falou ao EXPRESSO «como polícia e não como magistrado», com a voz de Maria Callas em fundo.
Enquanto magistrado tem criticado o excesso de escutas telefónicas. O que está a funcionar mal?
A intercepção telefónica é um meio de prova devastador que é preciso ser utilizado com grande equilíbrio, com grande moderação, e não pode ser o único elemento de prova, tem de ser um complemento absolutamente necessário ao prosseguimento da investigação.
Há muitas interpretações diferentes da lei.
Temos de ter a interpretação mais rígida, aquela que melhor defenda os direitos das pessoas.
Para qualquer tipo de intercepção, para qualquer pedido de dados, mesmo que seja apenas de facturação detalhada?
Sim, sermos rígidos, mas sobretudo para as escutas. E outra coisa que depois o tempo me veio dar razão foi esta: quantas intercepções se fazem neste país? Ninguém sabe, ninguém sabia. Ainda que todas elas sejam validadas pelo juiz era bom, até para uma questão de definição de política criminal, saber o que a casa gasta…
O relatório da PJ de 2005 diz que foram realizadas mais de 13.700 escutas.
Mesmo esses números não são correctos. Estou neste momento a fazer uma avaliação dos procedimentos relativamente à utilização das escutas.
Aqui é o problema de tratarmos seguramente a informação, não deixarmos passar processos sem que esses elementos, e outros, sejam integrados no sistema de informação interno e que nos permita dizer quantas, em que circunstâncias, para que tipo de crimes.
Defende alguma alteração legislativa?
Estão a ser feitas, por isso não me quero intrometer. A Unidade de Missão está a tratar do assunto, que também tem uma componente política. O que eu gostaria, mas isto não é só para a PJ é para a Justiça em geral, é que houvesse um grande sentido de rigor na utilização desses meios, que são sobremaneira invasivos.
Com as tecnologias que há grava-se tudo e mais alguma coisa e pode haver uma invasão na privacidade das pessoas muito grande e é preciso acautelar os interesses das pessoas, porque depois nas escutas telefónicas há os visados e há terceiros também, que podem nem ter nada a ver com o crime.
O MP deve poder autorizar escutas em casos graves, urgentes?
Creio que essa posição não vai ter sucesso, porque então se não encontrássemos o MP seria a polícia - esses saltos são muito "perigosos".
Antes de aceitar este cargo obteve garantias do Governo sobre o futuro da PJ?
Vim para a Judiciária não pedindo nada nem oferecendo nada, a não ser o cumprimento da lei. E não sou um director nacional de uma comissão liquidatária da PJ, pelo contrário, estou aqui para isto melhorar. Venho para apaziguar, melhorar, desenvolver. Havia a declaração expressa do ministro (da Justiça) de que a Europol e a Interpol continuariam na PJ. Aceitei nesse pressuposto de que a matriz da PJ é uma matriz judicial, ou seja integra o mundo da Justiça e não o mundo da Segurança.
Está a participar na elaboração da nova Lei Orgânica da PJ?
Neste momento o que está em preparação é a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, que estará pronta em breve. Essa lei diz claramente qual é o espaço da PJ, para não haver mais ruídos - porque a PJ vive à volta de ruídos e não há boa investigação se não houver serenidade. O grande painel sobre o que é a PJ vai estar a lei orgânica do Ministério da Justiça e espero que com isto as dúvidas acabem.
Tem havido coincidência entre novos governos e novos directores da PJ. Isso preocupa-o?
Não me preocupa. Estou perfeitamente à vontade. Sou perfeitamente independente. Organicamente dependo do ministro da Justiça, sei os limites da minha actuação.
Funcionalmente, os processos dependem do Ministério Público (MP) e dos juízes de instrução criminal. Sei quais são as regras do jogo, conheço-as como ninguém e quem me convidou sabe o que penso sobre esta matéria. Estou em paz e sossego comigo mesmo.
No despacho que pôs fim à comissão de serviço do anterior director o Governo diz que «a reforma não pode estar exposta a constrangimentos emanados de entidades dependentes do próprio Executivo». Sente liberdade para fazer críticas a futuras medidas governamentais?
Perfeitamente. Pouco antes de ser convidado fiz algumas críticas, que foram públicas. Não me sinto constrangido, pelo contrário, sinto-me muito à vontade para falar com as pessoas e dizer-lhes o que penso. É natural que muitas vezes não pensem como eu, nem penso que me vão fazer as vontades. Tento encontrar a resposta mais adequada para uma polícia mais operacional. Na PJ, como em todas as instituições, o passado não é garantia do futuro, a garantia do futuro é o presente.
O que quer mudar na estrutura e organização da PJ?
Precisamos definir algumas estratégias. De investigação e de colaboração. É fundamental ter uma boa articulação com os outros órgãos de polícia criminal. A PJ é uma polícia de retaguarda, não é uma polícia de esquadra. E tem de melhorar a capacidade de estar no local o mais rapidamente possível. A PJ não pode ser uma estrutura fechada e não pode viver num contínuo ruído, que é perturbador para a investigação e para a operacionalidade. O nosso trabalho tem de ser validado. O que fazemos não acaba no momento em que termina a investigação, acaba no MP, nos tribunais, nos julgamentos.
Concorda então quando o ministro Alberto Costa diz que a PJ deve ter como objectivo as acusações e condenações?
A PJ tem como objectivo investigar e se houver crime investigá-lo bem e preparar a investigação de modo a que ela possa ter êxito nos sítios certos. É por isso que estamos na Justiça. O ministro nesse aspecto tem razão, se eu começo a ver que certas investigações chegam a tribunal e as pessoas são absolvidas eu tremo. Tremo não só pela investigação, tremo pela sociedade e tremo pelos direitos dos arguidos. A investigação não pode ser um processo de intenção. Na criminalidade complexa e difusa precisamos de investigações muito bem preparadas.
Vai dar um sinal de apoio aos inspectores que têm os processos contra figuras públicas?
As investigações têm de ser serenas e devem prosseguir claramente contra quem quer que seja. Mas as investigações não podem ser espadas, cutelos, sobre a cabeça das pessoas. As pessoas têm direito a investigações tanto quanto possível rápidas e que resolvam de vez o problema: ou há elementos ou não há elementos (de crime). Não podemos fazer da investigação condenações antecipadas. Estamos aqui para investigar mas também para respeitar os direitos das pessoas. É neste equilíbrio que uma polícia deve funcionar. Temos regras, a investigação não é feita a qualquer preço. Não há aqui fantasmas de serem pessoas importantes ou não. Se há pessoas importantes então os processos que avancem e avancem rapidamente. E claramente. Não podemos criar à volta da investigação criminal zonas de nevoeiro, de sombra, de suspeição. Seja em relação a qualquer cidadão.
Como se evita isso?
É evidente que toda a investigação pressupõe uma ética. Nada há pior do que uma Justiça sem ética. Sejam quais forem os visados pelas investigações, todos têm direito a uma justiça que seja rápida e eficiente, mesmo que seja para os acusar, para os levar a julgamento, para os condenar. E é isso que precisamos de ter. E vamos fazer.
Como é que a PJ pode aumentar a celeridade das investigações?
Precisamos de introduzir alguns conceitos de gestão interna nas investigações e saber que devem ser sempre muito bem direccionadas. Uma investigação não é eficaz se for feita aos zigue zagues. Tem de ser organizada de modo a que se evite toda a dispersão. A experiência diz-me que muitas investigações perdem-se exactamente no momento em que há dispersão. Sou um crítico dos mega-processos. Sou um crítico do gigantismo. Sou um crítico de investigações que armazenam factos e não filtram factos e é nesse sentido que podemos e vamos melhorar a nossa operacionalidade, nomeadamente nos crimes económicos. Os crimes económicos exigem alguma proactividade na investigação, enquanto os homicídios, por exemplo, exigem reactividade.
Aposta na especialização para os inspectores do crime económico?
No campo da Justiça, não falo só da PJ - ainda que esteja a falar como polícia e não como magistrado - , sou a favor da especialização. É preciso trazer para a investigação da criminalidade económica uma dinâmica diferente, que tenha a ver com a utilização dos meios técnicos que temos disponíveis., é preciso dar novo alento. Por isso já reuni com o director geral de Finanças para definir padrões de actuação, metas, agendas. Queremos dinamizar as equipas mistas e acabar com a ideia constante de que ninguém se preocupa com o crime económico.
E a PJ tem peritos suficientes?
Acho que temos peritos. Precisaremos talvez de outros peritos para a área da informática, temos sempre esse problema, que é um problema geral da Função Pública. Mas estamos atentos. Não podemos ver a investigação do crime económico só como perícia financeira, precisamos utilizar outros argumentos, outros meios de prova.
O facto da PJ ter perdido, para a PSP e GNR, a competência de investigação dos crimes menores não a faz perder informação essencial?
Hoje uma polícia que tivesse a investigação de tudo era um monstro. O que precisamos de melhorar é a partilha de informação. Precisamos de um sistema integrado de informação que funcione correctamente. E está previsto. Nós que tanto falamos de cooperação internacional era bom também que nos preocupássemos com a cooperação interna.
Mas a PSP criou recentemente um sistema de informação próprio.
Se a PJ tiver acesso a essa informação não há problema. Temos de criar boas relações e boas práticas de actuação com a PSP e a GNR. A GNR cobre um outro país e pode dar uma contribuição valiosa às investigações da PJ. Nós não queremos dominar o mercado da investigação. Conhecemos o nosso espaço e queremos partilhar, conviver com os outros e saber que os outros têm em nós um parceiro fiável e que são para nós um parceiro fiável.
Já conhece a versão final do Plano de Coordenação e Cooperação das Forças de Segurança?
Já disse o que pensava sobre essa matéria na reunião do Conselho Superior de Segurança. Fiz algumas considerações de carácter teórico, mas é matéria reservada.
Temos dois vectores: o da Segurança e o da Justiça. E temos de ter a noção que não andam separados, são complementares. Uma boa segurança exige uma boa investigação. E nessa área alguns aspectos poderiam ser corrigidos.
Num cenário de sequestro, por exemplo, com reféns, quem deve coordenar as operações?
Não vou responder. Isso está definido nesse diploma. Creio que mais cedo ou mais tarde, esperemos que não seja preciso utilizar muitas vezes esse diploma, talvez haja necessidade de algumas afinações nessa matéria. É evidente que quando está em causa uma vida o primordial é resolver a questão, mas não quer dizer que não possa haver um contributo sério da investigação, que até pode chegar ao terreno com elementos interessantes.
No discurso de posse disse que a desordem não justifica a injustiça. Foi uma mensagem sobre esse plano?
É evidente que foi uma mensagem. Teve o sentido sobretudo de calibrar a PJ dentro da Justiça. Nós não estamos a tratar desordens, estamos a tratar de justiças e injustiças, é esse o nosso espaço. Em sociedades muito securitárias a orientação é outra e o momento que atravessamos é securitário. (Essa frase) Foi um pouco para contrabalançar a ideia de que a segurança é um valor determinante. É com certeza a Justiça que é um valor determinante, porque a Justiça integra a segurança.
Quer dizer que não há Justiça sem segurança e pode haver segurança sem Justiça?
Exactamente.
Então não se revê num cenário em que a PJ fosse integrada no Ministério que tutela as outras polícias?
É evidente. Já disse que não sou o director de uma comissão liquidatária da PJ. A grande questão é que uma estrutura como a PJ integrada num ministério com grandes estruturas policiais desaparece. Mas se nós queremos evitar isso temos de trabalhar. A certeza que eu tenho é que a Lei orgânica do Ministério da Justiça vai aparecer e que a PJ lá aparecerá como uma estrutura dependente desse ministério.
A Lei-Quadro de Política Criminal, que permite aos políticos definir prioridades de investigação, vai limitar a autonomia do MP e das polícias?
Fiz alguns reparos. Mas cumpro-a. Essa lei vai exigir uma melhor articulação entre as polícias. Fui crítico, fiz alguns comentários, mas não foi por isso que deixei de vir para a PJ.
O ministro da Justiça tem legitimidade para fazer perguntas ao director da PJ sobre investigações?
O ministro da Justiça com certeza não fará perguntas ao director nacional da PJ sobre investigações. Eventualmente, quando estiverem em causa alguns interesses de Estado o director nacional da PJ tem obrigação de dizer ao ministro aquilo que achar que deve.
Devo lealdade ao ministro, tal como o ministro me deve lealdade a mim, dentro das respectivas competências.
Quem escolheu os seus directores adjuntos? O Ministério da Justiça telefonou a alguns directores no dia em que saiu Santos Cabral.
Fui eu que escolhi as pessoas que foram substituídas. Uma coisa ficou assente entre mim e o ministro: o que está em causa é a substituição do director nacional, quem acompanhar o director nacional é substituído, quem não acompanhar não é substituído. Isto foi uma regra básica e foi isso que aconteceu. O Ministério com certeza quis saber quem ia sair, mais nada. Para também avaliar a dimensão da crise, mas isso é uma questão política, que me escapa. Se me perguntar se eu substituiria outras pessoas que não pediram a demissão, não lhe dou resposta. Respeito muito as pessoas que saíram. São pessoas com quem mantenho boas relações.
Os problemas financeiros já estão resolvidos? Já chegaram os 9 milhões de euros que o Ministério disse que ia disponibilizar?
A época é de contenção, sou um director no tempo de vacas magras. A contenção pertence a todo o Estado. Temos conseguido obter, através de duodécimos, alguns adiantamentos. Há uma garantia de que não iremos para a insolvência, mas ninguém está a imaginar que nos deêm uns milhões de uma vez. Essas questões pertencem ao Ministério das Finanças, que creio estará consciente daquilo que precisamos. Não queremos luxos, não queremos demais. Houve se calhar um tempo em que esta casa teve muito, mas os tempos não estão para isso. Precisamos de fazer alguma contenção e as pessoas que aqui trabalham estão conscientes disso.
Essa contenção não vai afectar as investigações?
Com certeza que não. Temos o factor humano.
E quando chegam os 150 novos inspectores que o Ministério anunciou três vezes?
Foi uma decisão muito importante para a PJ esse descongelamento de vagas decidido pelo Ministério das Finanças. Não só desses 150 inspectores, mas também de cerca de três dezenas de especialistas. Foi uma excepção. O júri e o programa de concurso já estão concluídos. O descongelamento saiu apenas há cerca de duas semanas. O concurso está prestes a avançar. Mas a entrada em funções dos novos inspectores demorará sempre um ano, mais ou menos, devido ao curso de formação. Os polícias não se fabricam.
Foi muitos anos inspector no MP e chegou a fazer inspecções à PJ. Defende que a PJ volte a ser inspeccionada pela Procuradoria Geral da República?
Defendo que a PJ, como todos os organismos de Estado, precisa de ser auditada, seja pelo MP ou outra solução. Mas o nosso desempenho precisa ser avaliado, por alguém de fora. Acho bem que a Inspecção-Geral da Justiça venha cá, ver as contas e essas coisas, mas pelo seu próprio estatuto não pode analisar o desempenho processual. Temos de encontrar uma solução, que espero fique estabelecida na nova Lei Orgânica da PJ.
A actividade da PJ está sempre sujeita a uma coisa terrível que é o «voyeurismo» mediático. É bom que a comunicação social diga bem de nós, pelas melhores razões, mas não chega. Também é bom que nos venham dizer "falharam ali".
In Expresso Online.
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