segunda-feira, maio 15, 2006

Opinião

Esta semana vivenciámos mais uma daquelas situações que demonstram como ainda são fortes alguns dos poderes corporativos em Portugal!
Há séculos que nos habituámos a lamentar o nosso fado e com um olhar profundo e acutilante denunciamos os tormentos que nos perseguem.
Não hesitamos em pôr a nu as incompetências, as inoperâncias e as disfuncionalidades de uma máquina que apelidamos de sistema.
Por simplificação e comodidade com a finalidade de expiação dos nossos pecados não vacilamos na reprovação do sistema indicando como caminho último a necessidade de declarar guerra ao sistema que nos entrava, embrutece e insensibiliza.
Críticas há que, conforme a tamanha unanimidade concentrada em seu redor, não deixam outro espaço que não seja o da necessária intervenção, remodelação, reformulação e por vezes até se chega a tolerar a possibilidade de uma profunda revolução. Porém o problema maior surge quando alguém tem a «infeliz(!)» ideia de se deter na possibilidade de modificar algo, mesmo que não seja uma pequena modificação...
Tornou-se certo e banal o consenso em torno da necessidade de mudança, mas nada se consegue alterar no sistema, um milímetro que seja, sem provocar uma agitação de massas e uma onda de contestação.
Se a medida afectar negativamente um milhão ou mais de portugueses, por norma conseguimos reunir uns milhares nas ruas num esforço de exaltação colectiva em prol do direito negado. Todavia apesar da visibilidade da acção reivindicativa o resultado é por norma diminuto, chegando mesmo a ser utilizado argumentativamente pela tutela como um sinal de que a medida anunciada está no caminho certo. Neste cenário, a medida é implementada!
De contrário, se a medida anunciada tiver a capacidade de afectar positivamente milhões de portugueses, pondo em causa direitos adquiridos por parte de uma minoria, embora suscitando igualmente acções reivindicativas, não vemos milhares nas ruas, mas assistimos ordeiramente à reivindicação grupal através dos porta-vozes. Dita-nos a experiência que emerge do tal sistema que neste caso a reforma ou reformulação não se concretiza.
A avaliar pelos mecanismos de funcionamento da sociedade portuguesa, diz-nos a experiência que a proposta esta semana anunciada pelo Ministro da Justiça, Alberto Costa, à semelhança do que já acontece noutros países europeus, nomeadamente em França, do acesso de profissionais de outros ramos do saber, para além do Direito, como a Sociologia, a Psicologia, a Criminologia ou a Economia às carreiras da magistratura, após a passagem pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ), por questões puramente corporativistas, não vai ser concretizada.
A intenção de “diversificar o acesso ao CEJ e assegurar mais vias de acesso à Magistratura” acolhe a concordância da Directora daquele centro de estudos. Paradoxalmente foi a primeira pessoa a ser nomeada directora daquela instituição sem ser magistrada tendo na altura da sua nomeação desencadeado, igualmente, por motivos corporativistas o pedido de demissão de um grupo de magistrados que ali leccionavam.
Embora a ideia tenha já sido liminarmente recusada pelos respectivos representantes corporativos, supostamente afectados, num esforço de negar a possibilidade de discussão pública, seria pelo menos conveniente observar com a humildade que a alteridade exige aquilo que os outros têm feito de positivo, em que situações e em que áreas de intervenção. Será que os nossos magistrados, fartos de se lamentarem dos excessos de formalismo jurídicos, nomeadamente dos ferretes da escrituração das sentenças e de outros actos dispensáveis, desejam administrar também em exclusividade a justiça restaurativa com o mesmo formalismo em detrimento do exigido bom senso e respectiva negociação?
Alberto Peixoto, In Diário dos Açores.

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