A simplificação de actos notariais em Portugal, incluindo a criação da "Empresa na Hora", e a alegada falta de segurança jurídica daí resultante serão debatidas quarta e quinta- feira nas Jornadas Europeias do Notariado em Lisboa.Tendo como tema principal a "Análise da situação do Notariado em Portugal e na Europa", em causa estão, segundo a organização, "algumas das medidas de desformalização de actos notariais em Portugal, decididas recentemente pelo Governo, e que poderão eventualmente prejudicar, por falta de segurança jurídica, a programada circulação do Documento Notarial Europeu".
Neste encontro - que é formalmente uma Assembleia Extraordinária da Conferência dos Notariados da União Europeia - estará também em "cima da mesa um parecer do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) que dá conta de sérias reservas a algumas medidas de desformalização de actos por poderem ser indutoras de situações de criminalidade".
Em declarações à Agência Lusa, o bastonário da Ordem dos Notários mostrou-se satisfeito com o processo de privatização do sector, quando já existem cerca de 360 notários privados (embora 121 com estágio concluído aguardem a atribuição de licença), mas criticou o Governo por ter retirado competências à classe.
Uma das críticas de Joaquim Barata Lopes prende-se com a iniciativa "Empresa na Hora", que passou a permitir a constituição rápida de empresas na Conservatória do Registo Comercial, dispensando o notário.
Segundo o bastonário, nesta área em concreto só o notário, como profissional qualificado e especialista na matéria, pode fazer todas as participações necessárias e conferir segurança jurídica ao acto, já que nas conservatórias as pessoas que atendem ao pedido - escriturários e os ajudantes - "não têm formação jurídica", nem podem conferir a devida "fé pública" aos documentos.
Joaquim Barata Lopes reconheceu que as pessoas podem continuar a recorrer a um notário privado para criar uma empresa, mas admitiu que, como é preciso obter previamente o "certificado de admissibilidade da firma" no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, isso atrasa o processo e exige, em regra, uma semana.
Como as Conservatórias têm essa listagem das firmas, não exigindo assim o certificado prévio, o bastonário entende que os notários estão a travar uma "luta desigual", pois "não têm as mesmas condições" e facilidades atribuídas pelo Governo às Conservatórias.
Outra das medidas do Governo criticadas pelo bastonário da Ordem dos Notários deriva das alterações introduzidas em "tudo o que seja sociedade comercial", pois "deixa de ser obrigatório a intervenção de notário" para praticar actos como aumento de capital e fusão de sociedade, bem como constituição e alteração dos contratos de sociedade, entre outros aspectos relevantes da vida das empresas.
Sem necessidade de notário - explicou - pode ser um advogado ou particulares a assinar o documento relativo à sociedade comercial e a depositá-lo na Conservatória do Registo Comercial. "Também aqui não há segurança jurídica. É o contrário do que se passa em outros países europeus", disse.
Joaquim Barata Lopes garante que tem tentado sensibilizar o Ministério da Justiça para a necessidade de "inverter esta tendência", pois considera ser do "interesse público" que isso aconteça.
Um parecer do SMMP, divulgado em Março, considera que as alterações relativamente à "liquidação e dissolução de sociedades na hora", bem como à eliminação da obrigatoriedade de escritura pública em alguns dos actos mais importantes da vida das sociedades, suscitam algumas reservas".
"A rápida criação de empresas com um controlo pouco apertado e a sua rápida dissolução, sem necessidade de grandes exigências, criam o clima propício para o aparecimento de sociedades ecrã, cujo único objectivo por vezes serve para a prática de crimes de fraude fiscal, (de que os chamados carrosséis de reembolso de IVA são sobejamente conhecidos) ou de branqueamento de capitais", alertou então o SMMP.
Acresce - adianta o parecer - que "poucos advogados ou solicitadores procederão à comunicação de que determinadas sociedades foram criadas para fins ilícitos, face à especial relação de confiança entre aqueles e os seus clientes, o que se compreende".
Por outro lado - salienta ainda o SMMP - o "abandono do duplo controlo da legalidade (de certos actos) faz com que uma entidade isenta, o notário, deixe de passar a controlar a constituição, a modificação e extinção das sociedades de forma obrigatória, o que neste momento dá uma garantia acrescida de controlo da legalidade".
Para o SMMP, a "fé pública dos documentos poderá vir a ser posta em causa", quando é sabido que nos tribunais "não raras vezes são postas em causa o valor de determinadas escrituras públicas".
"Nesta área deveria ser estabelecido um regime de impedimentos, de modo a que os próprios não possam reconhecer assinaturas ou autenticar documentos quando sejam partes interessadas directamente", propõe o sindicato.
As Jornadas Europeias do Notariado, com a participação estimada de mais de 200 pessoas, entre notários e outros profissionais ligados ao direito, às universidades, à economia e às finanças, contarão com a presença do ministro da Justiça, Alberto Costa, e do antigo comissário europeu António Vitorino, que fará uma intervenção de fundo sobre branqueamento de capitais.
In Região de Leiria.
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