quinta-feira, dezembro 14, 2006

O princípio da justiça gratuita não é uma ideia recente, como o não é a medida legislativa que se anuncia. Já anteriormente tinha sido aflorada no âmbito da Reforma do Código das Custas Judiciais de 2003, norteada por "objectivos fundamentais" de que se destaca a "moralização e racionalização do recurso aos Tribunais".
Tal princípio tem raízes históricas no direito romano, em que cumpria ao vencido, além do mais, reembolsar o vencedor do que tivesse despendido no curso da lide, incluindo os honorários dos advogados.
Actualmente não são poucos os que o defendem, argumentando que o Estado tem o monopólio da realização da justiça e que esta deve ser encarada como um dever decorrente das funções que lhe estão atribuídas e não como uma actividade ou serviço sujeito a uma contraprestação do utente.
A consagração do princípio da justiça gratuita para o vencedor tem, porém, obstáculos que aconselham alguma prudência nessa matéria.
De facto, a administração da justiça não é feita em função de toda a colectividade, mas primordialmente em benefício dos que recorrem a juízo e, sobretudo, dos estão repetidamente em juízo. É, verdade, no entanto, que da realização de justiça advêm importantes vantagens no plano da paz social.
Em segundo lugar, uma justiça totalmente gratuita, para além de acentuar as desigualdades sociais (através dum verdadeiro subsídio aos economicamente mais favorecidos), potencia o aumento da litigância e com isso a morosidade processual.
Assim, como os honorários dos advogados correspondem à remuneração pelo trabalho jurídico-forense prestado, sendo independentes do resultado, embora a praxe forense e a lei (artº 65º, n.º 1, do EOA) prevejam que na sua quantificação se tenha em conta também o benefício conseguido, há que delimitar o princípio da justiça gratuita para o vencedor em situações cujos contornos é impossível prever ex ante, designadamente quando ao decaimento na acção não corresponde, na realidade, uma efectiva pronúncia sobre a falta de fundamento da pretensão deduzida em juízo.
Por outro lado, há situações de fronteira em que se pode dizer que o insucesso da lide não significa ausência de direito. Basta pensar, por exemplo, naquelas questões em relação às quais a jurisprudência ainda não se consolidou e que permitem duas ou mais interpretações jurídicas.
Por isso, seria bom que a alteração legislativa que se avizinha contemplasse uma intervenção judicial na fixação dos honorários devidos à parte vencedora, segundo critérios de racionalidade e razoabilidade, tendo em conta as especificidades do caso concreto, no sentido de equilibrar ou mesmo dispensar o pagamento do montante peticionado a título de honorários.
Em 20 de Janeiro de 2003 a anterior Direcção Nacional da ASJP emitiu um parecer, da autoria do Dr. Alziro Cardoso, contemplando o regime que agora se quer consagrar, relativo à aplicação do princípio da justiça gratuita para o vencedor. Na parte que interessa o parecer da anterior Direcção da ASJP foi o seguinte:
«5 - Merece a nossa concordância o proposto objectivo de consagrar, como regra geral, o princípio da justiça gratuita para o vencedor.
Em face do principio da causalidade que deve nortear o regime de custas, estas devem ser pagas pela parte que lhes deu causa, isto é, quem pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada ou, não existindo vencimento, a parte que retirou proveito do processo, deve suportar os respectivos encargos.
Tem-se como positiva a consagração da efectiva compensação da parte vencedora das despesas efectuadas com o processo judicial, incluindo os honorários do seu mandatário forense.
A adopção de medidas que garantam ao vencedor na causa o reembolso dos honorários forenses ou quaisquer outros dispêndios motivados pela intervenção em processo judicial introduz maior justiça no sistema e poderá constituir um mecanismo de controlo da excessiva litigiosidade, penalizando aqueles que, sem razão, deduzam pretensão ou meio de defesa ilegítimos ou não acolhidos pelo tribunal.
Porém, estabelecendo-se que o reembolso seja efectuado com base em recibo ou factura emitido pelo respectivo mandatário, é de prever que, com frequência, surjam divergências quanto ao montante dos honorários, introduzindo-se no processo uma nova fonte de desentendimento entre as partes que não poderá, como se propõe no anteprojecto em análise, ser resolvido apenas com base em laudo da Ordem dos Advogados.
Na sua génese a procuradoria que agora se pretende eliminar, destinava-se ao reembolso das despesas da parte vencedora com o seu mandatário. Deixou de atingir esse objectivo por ter sido, entretanto desvirtuada, destinando-se grande parte desta (60% - cfr. art.º 42.º, do actual CCJ), a financiar entidades estranhas ao litígio.
Assim, entende-se que a compatibilização entre o principio da justiça gratuita para o vencedor e o objectivo da simplificação, poderá encontrar-se com a fixação de uma percentagem da taxa de justiça destinada, na totalidade, como na sua génese sucedia com a procuradoria, à parte vencedora; ou através da introdução de um sistema que imponha à parte vencida uma efectiva penalização civil (v. g. percentagem sobre o valor do processo destinada a pagar as despesas da parte vencedora).
A manter-se a regra do reembolso dos honorários com base na apresentação da factura ou recibo de honorário, em caso de divergência da parte vencida quanto ao respectivo montante, além da prevista possibilidade de ser solicitado laudo à Ordem dos Advogados, a fixação do montante a reembolsar deverá ser fixado pelo juiz do processo».
http://www.justicaindependente.net/index.php?option=com_content&task=view&id=23&Itemid=27

Sem comentários: