sábado, janeiro 13, 2007

Justiça virtual

O juiz Sérgio Tejada, secretáriogeral do Conselho Nacional de Justiça, trabalha para destravar amorosidade da Justiça brasileira.
E para isso aposta na tecnologia POR Luana Pavani
Existem hoje no Brasil 35 milhões de processos aguardando julgamento. Isso equivale a um prazo médio de oito anos para que uma sentença chegue ao final. Mas um projeto de lei pode mudar esse quadro em 2007. O PL 5828 regulamenta a tramitação eletrônica de processos no país, que já vem ocorrendo por iniciativa própria de alguns tribunais. São cerca de 2,5 milhões de processos totalmente virtuais realizados desde a petição até o julgamento, principalmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. "O Brasil é pioneiro no processo virtual. Falta agora integrar as soluções", afirma Sérgio Tejada, secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que coordena a informatização dos tribunais de Justiça brasileiros. Tejada administrará neste ano uma verba de 110 milhões de reais para agilizar os processos com TI. Saiba como na entrevista a seguir.
Info CORPORATE> Quando tramitou o primeiro processo eletrônico e quantos são atualmente?
SÉRGIO TEJADA> O primeiro processo totalmente eletrônico, no Brasil e no mundo, ocorreu em São Paulo, no início de 2002, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Hoje, são 2 milhões de processos eletrônicos em São Paulo, mais 320 mil no TRF da 4ª Região (Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná), e outros tantos pelo Brasil. Um levantamento feito pelo Supremo Tribunal Federal há dois anos concluiu que em 60% do tempo um processo fica parado em atividades burocráticas. Portanto, quando se automatiza o procedimento, automaticamente o ganho é de 60% em agilidade. Outra iniciativa que agiliza a Justiça é o recurso extraordinário eletrônico, para os imensos processos que admitem recursos para o Supremo Tribunal Federal. Mas para o Supremo não interessam cópias de depoimentos ou provas, só a tese jurídica. O recurso, também previsto em lei, consiste em digitalizar as peças de interesse e enviá-las ao Supremo Tribunal, que irá apreciá-las também eletronicamente.
IC> O processo virtual funciona de maneira integrada ou cada tribunal é responsável pelo seu?
TEJADA> Hoje é cada um por si e o CNJ por todos. Esse trabalho de integração é o que estamos fazendo nesse momento. Há encontros periódicos para troca de experiências, soluções de dúvidas e adaptações necessárias em cada estado para a implementação do processo virtual. A intenção com o projeto de lei é ter uma homogeneidade de sistemas, para os dados transitarem entre os tribunais.
IC> Como o Projeto de Lei 5828 tem evoluído em termos de tecnologia? Não há uma defasagem?
TEJADA> O PL 5828 era originalmente um projeto da Câmara dos Deputados, lançado em 2000. Mas, como teve tramitação lenta, ficou muito atrasado tecnologicamente. Falava, por exemplo, no uso de e-mail para a comunicação de atos processuais, o que hoje está fora de cogitação por questões de segurança. O projeto original não tratava de certificação digital, o sistema escolhido para a troca de dados no processo virtual. O atual projeto é um substitutivo, feito a várias mãos, pelo CNJ; pela Advocacia Geral da União, que em geral é a ré desses processos por causa do INSS; e pela Casa Civil da residência, por meio do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação), que trata de certificação digital. A aprovação do projeto de lei foi consenso no Congresso, no Senado e na Câmara dos Deputados.
IC> Os agentes da Justiça entendem a TI como facilitadora do processo?
TEJADA> Tivemos muita dificuldade no início, mais por medo do desconhecido. Os operadores de Justiça, desde os advogados até o Ministério Público, são muito conservadores. Há uma tendência a não mexer no status quo. Acredito que 20% dos operadores tenham aderido ao processo eletrônico imediatamente. Outros 20% foram do tipo "não vi, não gostei e não quero". E os demais deixaram para ver no que ia dar. Hoje, a maioria tem consciência de que é preciso alterar a sistemática, e há muitos exemplos de que tecnologia é a maneira mais eficiente para isso. Vide o voto eletrônico, com a Justiça Eleitoral. A tendência é que o papel vire passado nos tribunais de Justiça, como ocorreu nos eleitorais. O processo virtual já pegou. A questão agora é fazê-lo funcionar de maneira integrada.
IC> Atualmente, o que é possível fazer de forma eletrônica em um processo na Justiça?
TEJADA> Tudo. O procedimento normal, de meses, vira 8 milésimos de segundo para um advogado entrar com a petição inicial diretamente no banco de dados da Justiça. Por que um servidor público precisa digitar os mesmos dados no sistema? Até antes do surgimento do processo virtual, usávamos processadores de texto, mas não conseguíamos fugir de toda a parte burocrática. Embora já fosse possível gerar toda a documentação eletronicamente, ainda era preciso imprimir uma cópia, entregar o calhamaço para um servidor da Justiça carimbá-lo e cadastrar no sistema que aquela pessoa em determinada qualificação entrou com um processo. Depois, o servidor emite uma etiqueta, põe uma capa, cola, fura, numera e distribui o processo. No formato eletrônico, o arquivo mostra por quem foi produzido e a petição está lá, assinada, no sistema. Se alguém fizer questão de sentir a gramatura do papel, então pode imprimir.
IC> Para entrar e usar o sistema eletrônico os advogados precisam ter certificado digital?
TEJADA> O certificado digital é o melhor dos mundos para o processo eletrônico. Mas como há 600 mil advogados no Brasil, 97 tribunais e 11 mil juízes, se formos esperar certificar todo esse povo, criaremos uma barreira. A lei prevê uma alternativa, que é o uso em conjunto de um sistema próprio, chamado cadastro de advogados. Ao ter seu nome conferido na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ele recebe login e senha para atuar no sistema de processo eletrônico. A autoridade certificadora é a AC-Jus.
IC> Quais outras tecnologias garantem a segurança do processo eletrônico?
TEJADA> O processo judicial em si é um dos instrumentos mais fiscalizados que existem. O advogado fiscaliza, o da outra parte também, além do juiz. Se entrar uma peça indevida, alguém certamente vai denunciar. A solução eletrônica é infinitamente mais segura do que contar folha por folha se um processo de mil páginas voltou ao tribunal sem alterações. O sistema eletrônico aponta se foi alterado e por quem. Só pelo fato de contar com backup, que o papel não tem, é milhões de vezes mais seguro. A grande preocupação é fazer com que os processos não se percam. Para isso, a infra-estrutura de TI tem espelhamento em tempo real, redundância, inclusive remota, em outro prédio, para evitar qualquer problema.
IC> A capacidade de processamento crescerá junto com a maior adoção do processo eletrônico?
TEJADA> Os arquivos não ocupam tanto espaço quanto se imagina. Se os processos tivessem vídeo e áudio, aí sim. Mas o escaneamento é feito de forma que os documentos de texto não pesam. No TRF da 4ª Região limitamos o tamanho dos processos a 350Kb, e raramente aparece alguém que precise mais do que isso. O problema é que nem todas as varas de Justiça no interior dispõem de 2MB de link de velocidade de transmissão de dados. É preciso ter um sistema compatível com algum advogado que ainda trabalhe com linha discada.
IC> Há alguma forma de incentivo do governo para melhorar a infra-estrutura de acesso dos operadores de Justiça?
TEJADA> O projeto e-Jus, de informatização das salas de sessões de julgamento, está em seu terceiro ano e contempla cerca de 100 milhões de reais anualmente para modernizar os órgãos da Justiça da União. É uma verba razoável. Os tribunais superiores, federais e os do Trabalho estão todos informatizados. Em 2006, aproximadamente 10% do valor ficou retido no Conselho para programas de compras de equipamentos. Então, em 2007 teremos um total de 110 milhões de reais para dar apoio aos tribunais no processo eletrônico. Esse montante será administrado com mão-de-ferro e os investimentos serão realizados conforme a necessidade, principalmente nos tribunais que têm dificuldade orçamentária. Há outros que não precisam de recursos adicionais, como o tribunal de São Paulo, da 3ª Região, que só em equipamentos licitou cerca de 150 milhões de reais em 2006, com verba própria. É uma potência.
IC> O Tribunal do Espírito Santo anunciou recentemente um investimento de 10 milhões de reais em TI para o processo eletrônico. Esse montante faz parte da verba nacional?
TEJADA> Esse é um investimento próprio. A idéia do CNJ não é transferir recursos, mas apoiar os tribunais com equipamentos e serviços. Servidores, scanners, soluções de storage, ferramentas de transferência de dados e técnicos contratados serão colocados à disposição dos tribunais, como complemento às iniciativas nacionais. Um software desenvolvido pelo CNJ será padrão para o processo eletrônico. As áreas de TI dos órgãos de Justiça receberam os códigos-fonte sem gastar nada. Também criamos um fórum virtual, como se fosse uma grande fábrica de software, no qual os técnicos poderão fazer melhoramentos e distribuí-los para todos.
IC> Por que foi escolhida a plataforma Linux?
TEJADA> Algumas empresas trabalharam inicialmente no software, mas, como é uma aplicação de missão crítica e com muitas regras de negócio próprias, optamos por internalizar o desenvolvimento. Em julho passado, chamamos todos os tribunais de Justiça para que apresentassem suas soluções em processo eletrônico. Foi criado um inventário de sistemas e o CNJ identificou os melhores. Não temos restrição quanto ao software proprietário, mas é que o Linux se mostrou a opção mais adequada aos parâmetros técnicos para o sistema nacional, de que o sistema deveria ser distribuído e com independência de banco de dados. Não é intenção nem interesse do CNJ mudar o sistema de trabalho dos operadores de Justiça ou tirar deles a liberdade de contratar essa ou aquela empresa. Muitos já têm seus bancos de dados ou terceirizam esse serviço. Em contrapartida, os tribunais pequenos podem usar um banco de dados free, que não pese no orçamento.
IC> Qual sua formação na área de TI?
TEJADA> Minha experiência é prática. Tenho formação jurídica, mas fui me envolvendo em projetos de tecnologia, não para informatizar a burocracia, mas para usar a TI na prestação do serviço da Justiça.
In, Info Corporate - São Paulo,SP,Brazil.

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