sábado, janeiro 20, 2007

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto, afirmou ontem (15), ao divulgar os cursos agraciados com o selo OAB Recomenda, que quem mais sofre com a oferta de um ensino de Direito ruim por instituições de ensino de baixa qualidade são os alunos e, depois, a cidadania brasileira. “O aluno é a grande vítima de todo esse processo. Depois dele, a maior vítima é a cidadania, que, às vezes, encontra dificuldades em ter um juiz porque não há concursos públicos que consigam prover os cargos vagos”, afirmou Busato. “A cidadania sofre porque não encontra, mesmo com essa ampla mão-de-obra que dispomos, bacharéis em Direito aptos a preencher míseras 13 mil vagas para a magistratura existentes no país”. A afirmação foi dada por Busato na sede da OAB Nacional, em Brasília, onde concedeu entrevista coletiva para a divulgação dos 87 cursos jurídicos que receberão o selo de qualidade da OAB. Na ocasião, Busato ressaltou que o objetivo da entidade ao divulgar a relação de cursos não é estabelecer um ranking, mas distinguir as instituições de ensino que vêm apresentando melhor índice de qualidade na formação nos últimos anos. “Essa regularidade de quem oferece um ensino correto e eficiente tem que ser reconhecida. Não é um ranking a que nos propomos fazer, mas um reconhecimento a alguns cursos pela excelência do ensino que vem apresentando ao longo do tempo”. Ao divulgar a relação, Busato explicou que a grande concentração de cursos recomendados na região sul e sudeste (notadamente nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná) indicam que há um certo desequilíbrio no ensino de Direito oferecido no Brasil. Para ele, o ensino universitário está sofrendo uma falta de qualidade muito grande, exatamente em face do “escancaramento” na abertura de cursos preparatórios de profissões com fins meramente mercantilistas. “Tenho dito que isso é um crime de lesa-pátria. Isso não vem ocorrendo neste governo apenas, vem desde o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e continua esse estado de coisas”, finalizou o presidente nacional da OAB. A seguir, a íntegra da entrevista coletiva concedida pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato:
P – Doutor Busato, o objetivo do OAB Recomenda não é querer montar um ranking de quem é melhor e não é no país, mas tentar incentivar a melhoria dos cursos de Direito para acabar com esse verdadeiro mercado lucrativo que existe hoje nas instituições de ensino superior?
R – Sem dúvida. Temos que prestigiar o que há de bom no ensino jurídico e há uma grande carência nesse quadro. Temos um ensino jurídico que não está preparando as pessoas que a ele recorrem para exercer uma profissão no Judiciário, seja como advogado, magistrado ou como membro do Ministério Público. Portanto, essa regularidade de quem oferece um ensino correto e eficiente tem que ser reconhecida. Não é um ranking a que nos propomos fazer, mas um reconhecimento a alguns cursos pela excelência do ensino que vêm apresentando ao longo do tempo.
P – Três Estados não tiveram sequer um curso recomendado: Amapá, Roraima e Tocantins...
R – É lamentável que isso ocorra. Tivemos, também, uma concentração grande em alguns Estados da Federação, como é o caso de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Portanto, os cursos da região sudeste e sul ficaram bem recomendados, o que demonstra um certo desequilíbrio.
P – Hoje em dia qualquer faculdade consegue obter a licença do MEC para abrir um curso de Direito. O senhor atribui esse resultado a essa possibilidade de tantas faculdades estarem funcionando?
R – Esse é o grande conflito entre a OAB e o MEC. Neste ano, o MEC aprovou 81 cursos de Direito, sendo que a Ordem só havia recomendado a criação de dois deles. Aí está a grande diferença de conceito que fazem a Ordem e o MEC. Nós continuamos nessa luta e não podemos esmorecer, esperando que o quadro se reverta. Melhoramos muito o diálogo com o MEC, mas não conseguimos, ainda, resultados satisfatórios.
P – Essa proliferação de faculdades resulta em alunos que se formam em Direito, mas não conseguem aprovação em concursos e nem a carteira da OAB?
R – Sem dúvida nenhuma, é reflexo direto. O mau ensino em Direito se reflete não só no Exame de Ordem, que vem apresentando rejeição maciça. Vejam nos concursos públicos o que está acontecendo, quando centenas de candidatos se habilitam e não se chega a aprovar um único bacharel em Direito para aquela função pública. Isso realmente atenta contra a cidadania brasileira.
P – A que o senhor atribui, especificamente no ano passado, esse aumento no número de autorizações dadas pelo Ministério da Educação?
R – O ano passado teve uma característica particular e que já havia ocorrido no passado, quando, por ocasião da campanha para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, houve um estouro no número de autorizações para a criação de faculdades de Direito. Isso também ocorreu por ocasião da abertura da campanha eleitoral do presidente Lula. Chegamos a ponto de reclamar que estávamos vendo a autorização para a instalação de uma faculdade de Direito a cada três dias, isso contando sábados, domingos e feriados.
P – O senhor disse que houve uma grande concentração de cursos de Direito recomendados no sul e no sudeste. No Distrito Federal houve dois cursos recomendados apenas. A que o senhor atribui isso?
R – Exatamente ao problema que há em todo o Brasil: a diferença de qualificação de alguns cursos em relação a outros. Em Brasília, deveríamos ter mais cursos reconhecidos pela Ordem como de excelência. Infelizmente, isso não foi possível. É bom que se diga que o ponto de corte para a recomendação é feito dentro de cada Estado, com os parâmetros de cada Estado. No caso do DF, as duas entidades que foram agraciadas estavam muito acima da média dos critérios que aferidos pela Comissão de Ensino Jurídico da Ordem.
P – Esse não é um problema que tem sido percebido somente entre os cursos de Direito, mas também nos das demais áreas, não é isso?
R – O ensino universitário está sofrendo de uma falta de qualidade muito grande, exatamente em face do escancaramento na abertura de cursos preparatórios de profissões com fins meramente mercantilistas. Tenho dito que isso é um crime de lesa-pátria. Isso não vem ocorrendo neste governo apenas, vem desde o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e continua esse estado de coisas. É um crime de lesa-pátria, que envolve todo o ensino no Brasil. O ensino fundamental e o médio estão sucateados, portanto, estamos vendo um desserviço à cidadania brasileira, pois é por meio da educação que poderemos, talvez, despertar esse gigante que é o Brasil.
P – Foi verificada uma maior abertura de cursos porque há muitos colégios de segundo grau que se transformaram em faculdades, principalmente a partir do programa Universidade para Todos, por meio do qual o governo paga de 50% a 100% da bolsa. O senhor acha que isso tem relação, pois qualquer escola de segundo grau virou faculdade e são elas que aceitam esses alunos.
R – O grande problema que o setor público tem que entender é que não basta quantidade de cursos, é preciso ter qualidade. Se conseguirmos aumentar a qualidade com qualidade seria ideal, mas não podemos deixar de lado o bom em procura do ótimo. Não adianta criar números, dizer que se está dando acesso aos bancos universitários quando não se entrega a mercadoria que se vende, que é uma boa formação. Há um descumprimento até da lei do consumidor, pois a mercadoria que se vende não é a que se entrega. O poder público tem que entender que o que precisamos ter no Brasil é qualidade.
P – O senhor acredita na validade desses critérios de avaliação do governo dos alunos quando esses saem das faculdades?
R – Acredito que a grande avaliação se dá pelo mercado de trabalho. Essa é a melhor forma de avaliar aquele que se forma em um curso superior. Como não podemos ficar absolutamente indefesos, deixando que o mercado regule sozinho essa situação, acredito que a melhor forma de avaliação, no caso do Direito, são o Exame de Ordem e os concursos públicos para a magistratura e o Ministério Público. Essa é a grande avaliação. O resultado está aí, com os exames da OAB reprovando mais de 80% dos candidatos, o que é um absurdo! Antigamente acontecia o inverso: se reprovava 20% e se aprovava 80%. Hoje é o contrário. Essa reprovação em massa começou exatamente quando os novos cursos começaram a despejar no mercado bacharéis de forma indiscriminada no país. Os concursos públicos, por outro lado, mostram uma realidade apavorante. Temos concursos que começam com centenas de candidatos e, ao final, não aprovam ninguém, nem um único bacharel, como aconteceu recentemente em Santa Catarina em um concurso para procurador da República. No Paraná, entre centenas de candidatos, um único candidato foi aprovado para o mesmo concurso. Isso mostra que algo está podre no reino da Dinamarca e não são o Exame de Ordem e nem os concursos públicos quem estão podres, mas o ensino do Direito.
P – O aluno fica refém dessa situação?
R – Sem dúvida nenhuma. O aluno é a grande vítima de todo esse processo. Depois dele, a maior vítima é a cidadania, que, às vezes, encontra dificuldades em ter um juiz porque não há concursos públicos que consigam prover os cargos vagos. Nós precisamos aumentar os cargos na magistratura para dar acesso à Justiça por parte da população brasileira. A cidadania sofre porque não encontra, mesmo com essa ampla mão-de-obra que dispomos, bacharéis em Direito aptos a preencher míseras 13 mil vagas para a magistratura existentes no país.
DireitoNet, Brasil.

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