segunda-feira, novembro 26, 2007

A funcionalização dos magistrados

O Governo mostrou uma notável inabilidade política ao não deixar claríssimo, na lei das carreiras da Administração Pública, que os magistrados são totalmente independentes do poder político. Estou em crer, aliás, que não seria intenção do Governo diminuir ou beliscar a independência dos magistrados.
Estes, claro, aproveitaram a inabilidade e vieram para a praça pública manifestar a sua preocupação, afirmando-se ameaçados por uma dependência hierárquica do Governo.
Tanto os magistrados do Ministério Público como os juízes bateram suficientemente nesta tecla. E assim ficou oculto um outro aspecto também essencial.
A lei das carreiras está, entretanto, em Belém, onde o Presidente já conhece a disposição do Governo para recuar (após uma reunião esta semana entre os líderes parlamentares do PS e do PSD). O Executivo quer agora que fique claro o que deveria estar claro desde o início - que os magistrados não podem ser tratados como meros funcionários.
Mas na proposta inicial há uma parte em que o Governo tem razão e que não pode ser, pura e simplesmente, ocultada por esta polémica: os senhores magistrados não podem continuar em roda livre.
Uma coisa é a necessária (mesmo indispensável) independência de investigação e de julgamento; ou seja, que nenhum magistrado esteja dependente de ordens hierárquicas do poder político nas investigações (no caso dos magistrados do MP), ou de orientações e preferências de qualquer poder, no caso dos juízes. Esta é uma marca de uma sociedade civilizada, da democracia e do Estado de Direito.
Coisa diferente é os senhores magistrados não terem de trabalhar, de produzir, ou fazerem-no, como penso que hoje acontece, de acordo com o brio pessoal de cada um. E, se não há dúvida de que existe muita gente com brio, tanto no MP como na magistratura judicial, ninguém deixará de concordar que também alguma não o tem.
E sobre estes não há mecanismos de controlo. Salvo a avaliação automática dos respectivos conselhos superiores, onde quase todos são quase perfeitos, o resto é, como disse o PGR, um sistema de "duques e barões".
O Estado, que somos todos, paga aos senhores magistrados. Não paga muito, mas não paga assim tão mal. Tem, pois, o direito de lhes exigir, pelo menos, duas coisas: trabalho e responsabilidade.
Nesse sentido, os magistrados - sendo ou não considerados funcionários - têm, obrigatoriamente, de ser funcionais. E de ser sujeitos a avaliações de desempenho e de qualidade.
Henrique Monteiro, In Expresso.

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