“O sistema judicial está todo torcido”
O causídico e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice foi o convidado das Tertúlias do Casino, para falar dos seus tempos de Coimbra, da política, dos políticos, do Código Penal e da Justiça em Portugal. Em seu entender, «o sistema judicial está todo torcido»
O serão com o advogado e empresário José Miguel Júdice, nas Tertúlias do Casino, era aguardado com alguma expectativa, mas esse interesse esbateu-se na hora do debate. Pouco mais de meia centena de pessoas esteve presente, apesar do teor da conversa, que se prolongou ao longo de duas horas, ter sido interessante, num debate que foi moderado pelo director do semanário Expresso, Henrique Monteiro.
José Miguel Júdice licenciou-se em Coimbra e «foi um estudante rebelde», como explicou o moderador, sublinhando que esteve três meses e meio preso em Caxias e que aderiu ao PSD um ano depois de Sá Carneiro morrer.
O convidado falou da sua experiência de vida, começando por sublinhar a «importância de Coimbra» que, no seu tempo de estudante, «era uma cidade muito livre» e que estava longe do poder. Era uma cidade onde o «combate político era leal», onde se aprendia «a ter coragem, a amar a liberdade, a ser frontal e a não ter medo». A sua passagem pela prisão de Caxias deu-lhe outra forma de ver a vida. «A esperança e o optimismo quando se está preso não é bom sinal», disse, porque nos mostra a «obsessão da falta de liberdade». Talvez por ter tido essa experiência «estou sempre ao lado da liberdade», justificou.
O ano de 1976 não foi bom, «fui preso, exilado e expulso da Função Pública», disse, considerando que «devemos fazer sempre aquilo que julgamos estar certo». Ainda no final da década de 70 defendeu a bipolarização com dois blocos fortes, mas foi fortemente criticado na época. Não escondeu a sua preferência pelos equilíbrios, criticando as maiorias absolutas, «porque os partidos abusam do poder».
Quando falou de maiorias, disse que os portugueses são «medrosos e cobardes», por trás dizem o piorio e pela frente é só amizades», dando como exemplo a era do Cavaco «sempre rodeado de cavaquinhos» e agora o Sócrates «sempre rodeado de socratezinhos». Não pretendeu «branquear» o salazarismo, mas já nessa altura «era o mesmo, porque o poder de Salazar era o medo». Os portugueses «gostam de ter um ditador para dizer mal, mas depois votam nele», explicou.
“A investigaçãoem Portugal é fraca”
«Os portugueses são merdosos. Há excepções mas, em geral, somos assim. A coragem não é muito valorizada em Portugal. Não gostamos da liberdade, somos um país muito manhoso, só sabemos dizer mal pelas costas!», adiantou José Miguel Júdice.
Júdice deixou para o fim os problemas da Justiça no país, explicando o que no seu entender está mal, mas disse também claramente que «em Portugal há corrupção» e que enquanto bastonário da Ordem dos Advogados contribuiu para a reforma do Código de Processo Penal.
Independentemente de concordar que tem de haver correcções e melhorias, salientou que os juízes e autoridades «estão horrorizados» com o código porque estavam «habituados a facilidades» e agora a investigação criminal «vai ter que pedalar» disse, porque até agora «era muito desleixada» e quando «um sistema não pede responsabilidades» algo vai mal, acrescentou, dizendo, por exemplo, que «o sistema laboral favorece os maus patrões e os maus trabalhadores».
«Nós não podemos falhar na liberdade», mas não há «investigação capaz» e é urgente «dar recursos à polícia e treinar as equipas». Enquanto isso não acontecer «a investigação em Portugal é fraca e o sistema judicial está todo torcido», disse, enquanto os «poderosos safam-se sempre», completou o moderador, Henrique Monteiro.
A concluir, José Miguel Júdice defendeu que «é preciso desformalizar a justiça» e apostar «numa cultura jurídica anglo-saxónica, onde prima a forma e menos o conteúdo».
In Diário de Coimbra.
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