sexta-feira, dezembro 14, 2007

Crimes complexos são agora mais difíceis de investigar

Desde 13 de Julho que a onda de homicídios ligados ao negócio da noite portuense começou e até agora já se contabilizam quatro mortes, com as autoridades a mostrarem poucos resultados. A 15 de Setembro entraram em vigor as polémicas alterações ao Código de Processo Penal (CPP) - o PÚBLICO ouviu dois magistrados, um jurista e um polícia e a maioria acredita que as novas regras não ajudam a combater este tipo de criminalidade.
O presidente da Associação Sindical dos Funcionários de investigação Criminal da Polícia Judiciária (PJ), Carlos Anjos, aponta dois obstáculos criados pela nova legislação. Um relaciona-se com a dificuldade em fazer detenções fora do flagrante delito. "As novas regras dizem que fora do flagrante delito a detenção só pode ser feita se houver fundadas razões para acreditar que o visado não se apresentará espontaneamente. Essa avaliação é complexa e muitos colegas têm visto ser-lhes abertos processos de averiguações por o tribunal ter considerado que fizeram prisões ilegais", explica o dirigente. E completa: "Por isso, nestes casos teremos de convocar os suspeitos para se apresentarem em tribunal, indicando-lhes o motivo da suspeita. Nada os impedirá de fugirem nesse período". Antes, continua Carlos Anjos, as autoridades policiais tinham a possibilidade de, em determinadas situações de urgência, emitir mandados de busca que eram depois ratificados pelos magistrados. "Agora há dúvidas sobre a legalidade de buscas inopinadas, mas este tipo de criminalidade não se coaduna com a espera", afirma. Mas o polícia não se cansa de repetir que a principal causa desta situação é o "desinvestimento dramático" feito há anos na prevenção destes fenómenos.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, presume que, subjacente a estes crimes de homicídio, poderá haver outro tipo de ilícitos, como o tráfico de droga e o tráfico de pessoas. "Todo o tipo de criminalidade complexa, seja o branqueamento de capitais, a corrupção ou o tráfico de pessoas, tem as investigações dificultadas devido às novas regras", acredita. "Isto - explica - porque associado ao fim do prazo do inquérito, o processo torna-se público. E pode tornar-se muito difícil investigar quando os eventuais suspeitos estão a par do processo." Mas mais dos que com as questões legais, o desembargador está preocupado com a capacidade operacional da polícia. "A PJ tem vindo a ser desfalcada de meios humanos e materiais e continua a sê-lo", sustenta. "Se tivesse havido detenções no primeiro ou no segundo homicídio provavelmente o terceiro e o quarto não tinham ocorrido", acrescenta.
Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, a filosofia da nova legislação revela alguma permissividade com a criminalidade actual. "Do ponto de vista prático, os novos códigos não dispõem dos melhores instrumentos para lidar com realidades deste tipo", sustenta o magistrado, que acredita que o poder político tem consciência disso. "Antes, as regras eram aplicadas só por juízes, agora passarão a sê-lo também por entidades político-administrativas."
Costa Andrade, professor catedrático em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, diz que é evidente que o novo CPP venha a dificultar muito a investigação de crimes de maior complexidade, nomeadamente os que envolvem cooperação internacional. "Não me parece, contudo, que as debilidades deste código resultem particularmente expostos face a crimes como os que têm acontecido no Porto, salvo se integrarem organizações internacionais, o que não parece ser o caso", defende o jurista.
"Desvalorização"
Na opinião de Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), que não falou sobre as novas regras penais, houve uma "desvalorização" das questões relacionadas com a noite. "Desvalorizou-se a própria noite e esta questão da segurança privada, o que acabou por ser aproveitado por quem faz segurança ilegal", defende. Paulo Rodrigues lembra que a investigação dos crimes mais simples pertence à PSP e que os de maior complexidade, como os que têm marcado a noite do Porto, pertencem à Polícia Judiciária. O que, na opinião do sindicalista, "cria vazios de investigação". "A PJ fica com os crimes de complexidade superior, enquanto a PSP trata dos mais simples, mas há por vezes uma relação estreita entre o crime de grau superior e inferior e, por isso, criam-se vazios de investigação."
O líder da ASPP/PSP avança com um exemplo concreto: "Antes, ficou-se com a ideia de que o crime mais complexo da noite era o segurança que batia no cliente, e isto é da competência da PSP. Mas esqueceu-se que os seguranças podem levar a outros crimes mais complexos". Nesse sentido, Paulo Rodrigues apela à "necessidade de definir muito bem onde pára a competência da PSP e onde começa a da PJ".
In Público.PT, Online.

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