quarta-feira, dezembro 19, 2007

A crise do Judiciário

"O sistema judicial brasileiro como um todo (ou seja, não apenas o poder judiciário) pode ser criticado por ser dispendioso para ser sustentado, por ser ineficiente, lento e pouco eficaz". (...) "Mesmo assim, são surpreendentemente altos os níveis de produtividade" (...), que alcançam "proporções realmente fenomenais no caso de alguns tribunais".
Essas são algumas das conclusões da pesquisa do Banco Mundial sobre o Judiciário brasileiro intitulada "Brasil: Fazendo com que a Justiça Conte", cujas principais observações serão publicadas pelo Blog em vários tópicos, nos próximos dias.
O verbo "contar" do título tem duplo sentido. É uma referência ao desinteresse por levantamentos e estatísticas essenciais para identificar as reais causas dos problemas e apontar soluções. Não foi por acaso que os pesquisadores do Banco Mundial se surpreenderam, ao coletar dados e informações nas várias instituições, com o elevado grau de "achismo", o subjetivismo que marca as avaliações sobre o desempenho dos tribunais.
"Os magistrados, possivelmente em virtude da clássica formação acadêmica, e as instituições judiciárias em geral são bastante refratários a dados estatísticos e a análises quantitativas e numéricas. É chegada a hora de encararmos mais esse desafio, para que possamos compreender as raízes dos problemas, pensar estratégias e apresentar soluções eficazes", conclama Rodrigo Collaço, que está encerrando sua gestão como presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, ao apresentar a pesquisa realizada em 2004.
"Muito embora o judiciário não seja isento de culpa, tornou-se o bode expiatório universal para uma situação em que há outros que contribuem igualmente, se não até mais", afirma o relatório. Há conclusões que são francamente favoráveis aos magistrados, reforçando avaliações de pesquisas anteriores, quando foi identificada a tendência de "colocar a maior parte da culpa sobre os juízes".
O relatório foi elaborado pelos pesquisadores Linn Hammergren e Carlos Gregório, do Banco Mundial, com apoio de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
"O êxito do relatório deve ser atribuído à isenção política, à credibilidade institucional, ao rigor metodológico e à qualidade acadêmica dos pesquisadores", diz Rodrigo Formiga Sabino de Freitas, advogado e assessor jurídico da AMB.
"A crise do Judiciário parece ter características, causas e dimensões diferentes das comumente postuladas", observam os pesquisadores do Banco Mundial, no relatório intitulado "Fazendo com que a Justiça Conte".
"O problema é mais complexo do que é publicamente definido", admitem.
A falta de melhores informações e de melhores análises da oferta e demanda por serviços no Judiciário brasileiro dificulta a identificação de soluções adequadas e o melhor entendimento sobre os custos e benefícios.
Os principais enfoques do trabalho do Banco Mundial foram, em primeiro lugar, determinar como as principais organizações do sistema Judiciário executam o monitoramento do próprio desempenho, quais as conseqüências para o entendimento dos problemas e como solucioná-los.
"Desde um passado muito recente, o Brasil está passando pelo que se popularizou chamar de ‘crise do Judiciário’ - ainda que a maior parte das discussões travadas sobre os problemas associados à dita ‘crise’, como morosidade, ineficiência do sistema, congestionamentos de processos, elevados custos, infra-estrutura deficitária, falta de acesso e corrupção, sobre as suas causas e sobre as possíveis soluções estejam em grande parte baseadas em histórias, no saber convencional ou em opiniões de especialistas", aponta o relatório.
Uma primeira linha de investigação buscou determinar se os sistemas estatísticos existentes suportariam uma abordagem apoiada em dados concretos e frutos de uma observação revelada pela experiência - ainda que carregada de algum subjetivismo - afastando-se de preconceitos e misticismos.
Os pesquisadores visitaram as cinco regiões judiciárias federais, os respectivos tribunais estaduais, federais e trabalhistas, ministérios públicos federais e estaduais e procuradorias-gerais dos Estados.
Foram visitadas as seguintes cidades: Belém, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Foram entrevistados representantes das três "famílias" institucionais (tribunais, ministérios públicos e advocacias públicas): STF, STJ, CJF, TST, AGU, MPU E MPF.
O relatório do Banco Mundial sobre o sistema judiciário (tribunais, ministérios públicos e procuradores do governo) concluiu que as estatísticas de gestão - aquelas que determinam o desempenho da organização - exigem melhorias consideráveis. Elas são necessárias para auxiliar a identificação dos problemas e de suas causas e para o desenvolvimento de propostas de reformas.
"Esses sistemas com freqüência representam pouco mais do que a agregação das estatísticas referentes à produtividade individual", observam os pesquisadores.
"Sempre que tentam fazer mais, os esquemas inconsistentes de classificação, as falhas na verificação da exatidão dos lançamentos e a falta de informação fornecida reduzem a sua confiabilidade".
"Existem algumas exceções dignas de nota, todas no judiciário, nelas incluídos os sistemas relativamente avançados dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, e dos tribunais trabalhistas".
Ministérios Públicos
O relatório registra que os Ministérios Públicos procuram igualar-se ao judiciário na automação do processamento das ações e dos dados para administração dos processos e avaliação de produtividade. Mas estão "bem atrasados no desenvolvimento de estatísticas para a gestão".
"Eles parecem resistir ao movimento em direção ao terceiro nível [estatísticas de desempenho da organização] por motivos ideológicos, ligados à noção da autonomia de ação institucional e individual", afirmam os pesquisadores.
A noção de que cada promotor "natural" (com autonomia funcional definida pela Constituição) tomará as suas próprias decisões, sendo responsável apenas perante a lei, além da seleção de chefes de organizações através de eleições internas, atua contra a avaliação do desempenho individual ou coletivo.
O relatório anota que "os Ministérios Públicos mantêm e publicam estatísticas sobre tudo, mas esse caos de informações faz com que seja virtualmente impossível responder à simples pergunta: ‘Como vai o nosso desempenho’"?
A crise do judiciário parece ter características, causas e dimensões diferentes das comumente postuladas”, concluíram os pesquisadores do Banco Mundial no relatório intitulado “Fazendo com que a Justiça Conte: Medindo e Aprimorando o Desempenho do Judiciário no Brasil”.
“É mais útil falar de múltiplas crises do que de apenas uma”, avaliam. O relatório descreve cinco crises nitidamente observadas:
O excessivo ajuizamento de processos judiciais de natureza administrativa, decorrentes do mau serviço prestado por órgãos do governo (os réus) e da suspeita de que tais órgãos retardem pagamentos devidos a atores privados.
As execuções fiscais (em que o autor é o governo) nos juízos tanto federais quanto estaduais, onde o problema corresponde tanto ao crescimento da demanda quanto ao trabalho acumulado e atrasado.
Um problema relacionado com a cobrança de dívidas de particulares que parece também ligado ao processo de gravação (conclusão de pesquisa anterior).
A aparente custo-ineficiência dos juízos trabalhistas, em outros aspectos altamente produtivos. O governo brasileiro e os réus particulares investem grandes somas neste sistema, em comparação com os retornos relativamente modestos para os reclamantes particulares.
O crescente congestionamento dos tribunais estaduais de pequenas causas e as pressões que exercem sobre os orçamentos dos judiciários estaduais. Esses tribunais não parecem aliviar a jurisdição comum da sua carga de processos, mas terminam, sim, atraindo processos que não teriam sido levados ao sistema judiciário caso não existissem. É isso que explica a sua popularidade entre os reclamantes. São menos populares entre empresários, já que grande parte da sua carga de trabalho envolve queixas de consumidores, e entre advogados, por causa da possibilidade de ações judiciais sem a sua participação.
In Blog do Fred (Brasil).

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