segunda-feira, dezembro 03, 2007

A ignorância e a arrogância

Os juízes não se encontram em roda livre, ao contrário do que acontece com algum jornalismo.
Já não é a primeira vez que Henrique Monteiro, director do semanário ‘Expresso’, se permite dizer, na sua coluna, um conjunto de inverdades sobre a magistratura judicial. Escreve com arrogância sobre um assunto que, pela leitura da sua prosa, se percebe que desconhece. Era-lhe, no mínimo, exigido, enquanto director de um jornal tido de referência, fazer o trabalho de casa e estudar as questões que se relacionam com a actividade e métodos de avaliação dos juízes, evitando as confusões básicas de que padece o seu escrito. Mas se não quisesse estudar, porque dá trabalho, bastava-lhe perguntar para ser esclarecido e assim prestar um bom serviço aos leitores do jornal. A posição que ocupa não lhe permite, mesmo num texto de opinião, que contribua para desinformar as pessoas.
Suponhamos, porém, que o director do semanário tinha feito as perguntas que se impunham para poder escrever com rigor. Teria ficado a saber que os juízes não se encontram em roda livre, ao contrário daquilo que sucede com algum jornalismo em Portugal, apelidado de ‘quarto do poder’, muitas vezes sem controlo e sem critérios éticos e deontológicos. A ética da responsabilidade, os critérios de avaliação, de desempenho na profissão e de qualidade são pura ficção no jornalismo, sacrificando-se valores naturais e de matriz, o ADN da profissão. De forma paciente ser-lhe-ia explicado que os juízes são titulares de um poder soberano, reconhecido constitucionalmente, com regras de funcionamento muito específicas, de imparcialidade, isenção, exclusividade, inamovibilidade, independência e sem uma estrutura hierárquica. Com regras próprias de avaliação, de desempenho e de qualidade, que estão no Estatuto Judicial e que funcionam em níveis aceitáveis. A actividade judicial é pública e é fiscalizada, no processo, pelas partes, pelos advogados e por três instâncias de recurso. Existem inspecções periódicas que, ao avaliarem o trabalho do juiz, classificam com nota de mérito. O Conselho Superior da Magistratura, formado na sua maioria por membros indicados pelo poder político, exerce funções disciplinares, não sendo exacto que, nas avaliações, conclua que são todos perfeitos. Peça os relatórios. Existem actualmente juízes com a actividade suspensa e afastados da profissão por não terem cumprido com as suas obrigações. Quantos jornalistas estão suspensos ou foram expulsos por não cumprirem com a sua arte? Quem avalia o desempenho e a qualidade dos media?
E não me venha com a lógica recorrente da deriva corporativa para atacar este texto. É público que, há muitos anos, sou um crítico do sistema. Um reparo e duas notas finais.
O reparo: um juiz ser independente ou ser um juiz-funcionário dependente do poder político não é uma questão de gosto, mas sim de regime. São o Estado de Direito e a qualidade da democracia que ficam em causa.
As notas finais: com humildade cristã peço-lhe que transmita ao ‘Sr. Máquina do Tempo’ que evite tantas imprecisões e diga-lhe que o cozinheiro infectado com VIH não foi despedido; o que aconteceu foi a caducidade do contrato. Na Idade Média conheciam a diferença. Já agora, o caso não foi julgado no Palácio da Justiça.
É azar tantas vergonhosas inverdades no mesmo jornal.
Para os leitores poderem avaliar o seu trabalho e exigir-lhe responsabilidade diga lá quanto ganha. Depois comparemos com um juiz. Se quiser trocar de vencimento, diga-me, por favor.
Como dizia Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.”
Rui Rangel, Juiz, In Correio da Manhã.

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