sábado, janeiro 19, 2008

Tribunais precisam de mudanças de fundo

Entrevista com Rui Machete, advogado e director da FLAD
Esta semana foi apresentado o estudo sobre o estado da Justiça portuguesa: "A Justiça Cível em Portugal - análise quantitativa". Da responsabilidade da Universidade Nova, coordenado por Nuno Garoupa, o trabalho foi encomendado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, presidida por Rui Machete. O advogado explicou ao DN o "estado das coisas", no seguimento do que está reflectido no estudo, que aprecia as soluções legislativas do Governo, avalia dados concretos - até 2004 - e apresenta ideias e propostas. O documento arrasa qualquer diagnóstico feito até hoje, porque nega que alguma vez tenha sido feito um verdadeiro diagnóstico. As razões são simples: não há números concretos dos atrasos e dos respectivos custos que estes acarretam para o Estado e defende que falta fazer "a" reforma de fundo e não ficar só pelas medidas parcelares para o sector. As conclusões nascem da conversa com Rui Machete, que passam a ser explicadas.
Por que é que as medidas dos governos não são suficientes para diminuir os processos parados?
O documento revela que falta analisar o sector com uma óptica mais profunda. Os governos pensaram em soluções pontuais e não pegaram no problema de forma estrutural. Diagnósticos do sector que, afinal, não são diagnósticos. As reformas têm também de ser direccionadas para as áreas da Grande Lisboa e Grande Porto, "onde se verifica uma maior paragem dos processos".
Porque não existem verdadeiros diagnósticos?
Ao contrário do que muitos dizem, o estudo diz que o diagnóstico na Justiça está por fazer: sabe-se pouco, há uma quase inexistência de estudos quantitativos sobre a justiça cível e as reformas seguidas pelo actual Governo baseiam-se em análises muito parcelares da realidade da Justiça.
Mas o que é que, afinal, falta no diagnóstico?
Números. Registos. Dados actualizados de processos parados e dos custos que cada processo e cada tribunal custa ao Estado. "Falta uma análise mais económica da Justiça". A lacuna é de tal forma notória que até o estudo fornece apenas dados e tabelas relativos à congestão dos tribunais de 2003 e 2004. Sabe-se pouco do nível quantitativo da Justiça e a forma como as medidas legislativas influenciaram, de forma positiva, os resultados.
E, para já, o que é apontado como negativo na Justiça?
A análise dos investigadores concluiu que a congestão dos tribunais se agravou nos últimos anos e que os problemas realmente sérios em termos de eficiência dos tribunais estão na Grande Lisboa. E que as medidas dos sucessivos governos não resolveram as atrasos. Exemplo disso é a acção executiva. A reforma implementada por Celeste Cardona, em vigor há mais de dois anos, revela que os processos executivos pendentes subiram ainda mais deste então.
Há ou não funcionários e juízes a mais no nosso sistema?
O Ministério da Justiça anunciou que há falta de meios humanos na Justiça. E tem vindo a lançar novas vagas para oficiais de Justiça,ou inspectores da Justiça, a título de exemplo. E o orçamento na área da Justiçafoi reforçado. Mas o documento realça que não existem meios a menos. "A ideia de que são precisos mais juízes, mais dinheiro e mais funcionários judiciais não está correcta". É sobretudo na gestão de meios existentes que se tem que apostar. E não criar ou dotar a Justiça de novos meios.
De que forma é que a análise quantitativa pode ajudar?
A análise não pode ser feita de forma "parece-me que a solução passa por...". A questão tem de ser analisada com números. Tem de se aferir as causas do estado das coisas. E partindo dos dados concretos, o Ministério da Justiça, Conselho Superior da Magistratura, PGR, Tribunais e Ordem dos Advogados avaliam as soluções não "com base em palpites mas em função de dados".
Que reforma de fundo se pode esperar para 2008 que mude esta análise?
O mapa judiciário. Mas sempre de olho em números que revelem as pendências dos vários tribunais. Não fazer uma reforma como base em dados empíricos. Antes das soluções apresentadas, saber o que realmente se passa num tribunal e quanto custa ao Estado este ou aquele processo. E ter em atenção o conceito de contigentação de processos: um número concreto de processos para cada juiz. A maior crítica feita ao sistema de Justiça é... Uma oportunidade perdida de introduzir uma metodologia mais ambiciosa nas políticas da Justica em Portugal. Até agora, nenhuma das reformas operadas pelo Governo com vista à descongestão dos tribunais cíveis introduziu um sistema de diagnóstico retrospectivo e avaliação quantitativa na linha das medidas e indicadores produzidos e estudados neste trabalho que, por exemplo, podem perfeitamente melhorar as inspeccões judiciais ou aferir das necessidades de recursos em função do desempenho.
Os juízes devem ser responsabilizados?
Os juízes não devem ser responsabilizados isoladamente. "Porque, isoladamente, a responsabilizaçã não é eficaz", defende Rui Machete. Os juízes devem ser fiscalizados. Nesse sentido, este estudo vai de encontro ao proposto pelo ministro da Justiça para o mapa judiciário, que entrará para discussão no Parlamento já em 2008. O projecto visa criar a figura do juiz-presidente, que terá competências de avaliação da produtividade dos juízes em cada tribunal.
In DN, Online.

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