quinta-feira, novembro 24, 2005

Congresso dos Juizes II

«O chefe de Estado disse compreender a "mágoa" dos juízes pela forma como foram abordadas questões como as "férias judiciais, a segurança social e a produtividade dos juízes", sustentando que só poderão começar a ser resolvidas algumas disfunções "quando se encarar e puser em prática um novo modelo de formação dos profissionais do foro e seu estatuto profissional", juntamente com o "reordenamento do território judiciário, a reformulação de competências dos tribunais superiores e a simplificação das regras do processo". Quando isso se concretizar haverá uma "justiça célere e equitativa, que não só permita torná-la eficaz, como reconstitua a confiança dos cidadãos nas suas instituições judiciárias", considerou Sampaio, admitindo que a confiança está abalada devido a "uma conjunção entre a justiça lenta e opaca, com alguns desempenhos individuais que foram estando, com desusada frequência, na primeira linha da mediatização, portanto na primeira linha da censura social". "E se a omissão das reformas necessárias constitui inequívoca responsabilidade do poder político, já os desempenhos [dos juízes] devem merecer serena reflexão" sobre a forma como os juízes podem contribuir para um maior respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, seja quando está em causa "a prisão preventiva de um arguido, seja quando protegem a sua reputação com uma tutela rigorosa do segredo de justiça", acrescentou. Essa reflexão deve ainda ser aplicada, segundo Sampaio, também a casos onde se "trate de fiscalizar pessoalmente a licitude das restrições à reserva da vida privada, como é o caso das escutas, ou de não dar aos poderosos tratamento diverso do que é conferido à generalidade dos cidadãos". Considerando que as relações entre os tribunais e os órgãos de comunicação social "são indispensáveis para um tratamento sério" sobre os assuntos judiciais, o Presidente solicitou que se reflicta sobre o restabelecimento do diálogo entre todos os responsáveis pelo funcionamento da justiça para resolver os problemas do sector. " As reformas não podem esperar e sem consenso ficarão sempre aquém, pelo menos, da sua boa execução", concluiu. "Obrigação do poder político é prestigiar o poder judicial”.
Ainda no congresso, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Nunes da Cruz, aproveitou a sua intervenção para criticar a falta de apoio do Governo ao sector da justiça, sustentando que "em rigor, a obrigação do poder político face ao poder judicial é a de prestigiá-lo e dar-lhe os meios”. De acordo com Nunes da Cruz, a opção do Executivo foi “inversa”, ao afirmar que “os tribunais fecham três meses por ano, o que não é verdade". “O cidadão comum (...) foi escutando o poder executivo e acreditou. Mas tem sido intencionalmente enganado e é tempo de repor a verdade com todas as letras", declarou o presidente do Supremo Tribunal, garantindo que "os juízes, como todos os cidadãos, não estão nem querem estar acima da lei". Nunes da Cruz disse que o congresso decorre em "tempos conturbados para a Justiça", em "tempos de grande crispação e turbulência" e observou que no debate sobre as recentes reformas no sector tem faltado virtuosismo, delicadeza e boas maneiras. "As acusações explícitas ou implícitas que se fizeram aos agentes da Justiça e, em particular, aos juízes para se justificar as medidas pretendidas, poderão quiçá justificar-se pela necessidade política de criar na opinião pública uma vontade de mudança. Mas foram incorrectas e indelicadas", frisou. Na opinião do juiz conselheiro, ao recusar "sistematicamente dialogar de igual para igual [o poder político] fingiu não perceber que até a disponibilidade dos juízes [para o diálogo], por si só, era já uma abertura especial". Interpretando o sentimento colectivo da classe, o presidente do STJ sublinhou que "os juízes já estão pouco interessados em discutir o problema das férias", pois o que exigem é ser tratados como aquilo que são e representam e, isso, "não é um desejo negociável, mas uma exigência incontornável".
Também o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) rejeitou que a classe seja apontada como a principal culpada pela crise na justiça, afirmando que o sector "tem vivido à míngua do investimento do Estado e à margem da vontade política de sucessivos governos". Segundo Alexandre Baptista Coelho, "se a ruptura na justiça ainda não é total, deve-se quase exclusivamente ao sacrifício pessoal e ao grande empenhamento das generalidade dos juízes". De acordo com o sindicalista, actualmente, a maior preocupação dos juízes é "manifestar a firme vontade que anima" a classe no sentido de inverter "a má imagem de marca da justiça"».

In Público, Última Hora, 24/11/2005.

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