segunda-feira, novembro 28, 2005

Timor-Leste

«Xanana Gusmão entregou hoje ao Parlamento as cerca de duas mil páginas do relatório sobre as violações aos direitos humanos registadas entre 1974 e 1999 em Timor-Leste, mas rejeitou algumas das recomendações constantes do documento. Num discurso de 90 minutos, Xanana Gusmão sublinhou que "cabe apenas aos órgãos de soberania do Estado a decisão política sobre todo o processo desencadeado" pela apresentação do relatório. Sob o título "Chega", o documento foi elaborado pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), constituída em 2000. No mandato conferido à CAVR figurava a averiguação das violações aos direitos humanos cometidas em Timor-Leste entre 1974 e 1999, criando ao mesmo tempo mecanismos de reconciliação que facilitaram os acordos entre as comunidades e os autores de crimes e das ofensas praticadas no mesmo período. A este respeito, Xanana Gusmão frisou na sua intervenção que "a melhor justiça, a verdadeira justiça, foi o reconhecimento, pela comunidade internacional, do direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência". "E isto é fundamental para as nossas análises e conclusões", acrescentou. Passando ao relatório propriamente dito, Xanana confessou que não o leu na íntegra. "Não posso mentir e devo dizer que não li as duas mil páginas do relatório. Passei, sim, uma vista de olhos sobre todos os capítulos e incidi a minha maior atenção no Sumário e nas Recomendações", explicou. Depois de explanar as cumplicidades e as traições do lado da comunidade internacional na denúncia das atrocidades cometidas pelo ocupante indonésio e também das violações dos direitos humanos perpetradas pelos guerrilheiros, Xanana passou directamente às recomendações constantes no relatório. "O que me preocupa não é a revelação da verdade, já do conhecimento de todos. O que me preocupa deveras são as recomendações da CAVR, as quais posteriormente poderiam servir para a manipulação do estado de espírito do nosso povo", vincou. "O relatório traz recomendações que, aos olhos da política prática, não serão absurdamente utópicas mas são realisticamente muito ambiciosas", continuou. Uma delas é a que sustenta o pagamento de compensações às vítimas, designadamente por parte de Portugal e da Indonésia, mas também dos membros permanentes do Conselho de Segurança e dos demais países que venderam armamento à Indonésia. Outra recomendação, que aponta para a renovação dos contratos dos juízes internacionais que trabalham na Unidade e Painéis de Crimes Graves, e a consequente melhoria das condições de trabalho para garantir a investigação e julgamento de tudo quanto diga respeito aos crimes cometidos entre 1974 e 1999. No mesmo sentido, destacou Xanana Gusmão, a CAVR "porque não acredita no Estado de Timor-Leste", defende que a Unidade e os Painéis deveriam passar a depender directamente das Nações Unidas.
"A recomendação não tem em conta toda uma situação de anarquia política e caos social que se desencadearia quando começássemos a fazer julgamentos desde 1975 e até mesmo 1974", sustentou. Para Xanana, levar à prática a recomendação, traduzir-se-ia na criação de uma "cultura de perseguição política a pente fino". Antecipando o futuro, realçou que "o Estado não gere o passado. O Estado gere o presente e prepara o futuro". Apesar das críticas a estas recomendações, Xanana classifica outras como "muito valiosas", merecedoras de "estudo aprofundado" pela sociedade e, sobretudo, pelas forças políticas. "O compromisso que devemos todos assumir é o de não permitir, em que circunstâncias forem, a repetição da violência política na nossa querida Pátria", relevou. Ao longo das 2.000 páginas perpassam os nomes dos que violaram os direitos humanos ao longo dos 25 anos bem como os das vítimas, razão pela qual a CAVR optou pela sua codificação, para preservação da privacidade de todos».
In Portugal Diário, 28/11/2005.
****************************
«Num discurso de 90 minutos, Xanana Gusmão sublinhou que «cabe apenas aos órgãos de soberania do Estado a decisão política sobre todo o processo desencadeado» pela apresentação do relatório. Sob o título «Chega», o documento foi elaborado pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), constituída em 2000. No mandato conferido à CAVR figurava a averiguação das violações aos direitos humanos cometidas em Timor-Leste entre 1974 e 1999, criando ao mesmo tempo mecanismos de reconciliação que facilitaram os acordos entre as comunidades e os autores de crimes e das ofensas praticadas no mesmo período. A este respeito, Xanana Gusmão frisou na sua intervenção que «a melhor justiça, a verdadeira justiça, foi o reconhecimento, pela comunidade internacional, do direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência». «E isto é fundamental para as nossas análises e conclusões», acrescentou. Passando ao relatório propriamente dito, Xanana confessou que não o leu na íntegra. «Não posso mentir e devo dizer que não li as duas mil páginas do relatório. Passei, sim, uma vista de olhos sobre todos os capítulos e incidi a minha maior atenção no Sumário e nas Recomendações», explicou. Depois de explanar as cumplicidades e as traições do lado da comunidade internacional na denúncia das atrocidades cometidas pelo ocupante indonésio e também das violações dos direitos humanos perpetradas pelos guerrilheiros, Xanana passou directamente às recomendações constantes no relatório. «O que me preocupa não é a revelação da verdade, já do conhecimento de todos. O que me preocupa deveras são as recomendações da CAVR, as quais posteriormente poderiam servir para a manipulação do estado de espírito do nosso povo», vincou. «O relatório traz recomendações que, aos olhos da política prática, não serão absurdamente utópicas mas são realisticamente muito ambiciosas», continuou. Uma delas é a que sustenta o pagamento de compensações às vítimas, designadamente por parte de Portugal e da Indonésia, mas também dos membros permanentes do Conselho de Segurança e dos demais países que venderam armamento à Indonésia. Outra recomendação, que aponta para a renovação dos contratos dos juízes internacionais que trabalham na Unidade e Painéis de Crimes Graves, e a consequente melhoria das condições de trabalho para garantir a investigação e julgamento de tudo quanto diga respeito aos crimes cometidos entre 1974 e 1999. No mesmo sentido, destacou Xanana Gusmão, a CAVR «porque não acredita no Estado de Timor-Leste», defende que a Unidade e os Painéis deveriam passar a depender directamente das Nações Unidas. «A recomendação não tem em conta toda uma situação de anarquia política e caos social que se desencadearia quando começássemos a fazer julgamentos desde 1975 e até mesmo 1974», sustentou. Para Xanana, levar à prática a recomendação, traduzir-se-ia na criação de uma «cultura de perseguição política a pente fino». Antecipando o futuro, realçou que «o Estado não gere o passado. O Estado gere o presente e prepara o futuro». Apesar das críticas a estas recomendações, Xanana classifica outras como «muito valiosas», merecedoras de «estudo aprofundado» pela sociedade e, sobretudo, pelas forças políticas. «O compromisso que devemos todos assumir é o de não permitir, em que circunstâncias forem, a repetição da violência política na nossa querida Pátria», relevou. Ao longo das 2.000 páginas perpassam os nomes dos que violaram os direitos humanos ao longo dos 25 anos bem como os das vítimas, razão pela qual a CAVR optou pela sua codificação, para preservação da privacidade de todos, e também porque a CAVR nunca foi incumbida de investigar para posterior acção judicial. Ao longo de 18 meses de trabalho no terreno, foram realizadas mais de 1.500 acções de reconciliação comunitária, com vítimas e violadores frente a frente, e identificadas mais de 8.000 vítimas. Ao contrário do que tinha sido anunciado previamente, quando Xanana Gusmão recebeu no passado dia 31 de Outubro o relatório das mãos da CAVR, o documento não tem ainda data para divulgação pública. Quanto à divulgação a outras entidades, além dos órgãos de soberania timorenses, o chefe de Estado referiu que tenciona deslocar-se em Janeiro de 2006 a Nova Iorque, para o entregar ao Conselho de Segurança por intermédio do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. À cerimónia compareceram, além dos deputados, o Governo, o corpo diplomático e as delegações de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que vieram a Díli participar nos festejos do 30º aniversário da proclamação unilateral de independência, que hoje se assinala».
In Diário Digital, 28/11/2005.

Sem comentários: