«Coesão, segurança e atitudes»
«É ao nível das atitudes que podem ser encontradas algumas das maiores fragilidades do sistema de segurança. O assassínio de quatro polícias no exercício das suas funções, durante o corrente ano, bem como o aumento da criminalidade violenta, constituem matéria que, mais do que os ‘fait divers’ da politiquice paroquial, deveriam merecer séria atenção. A segurança é um dos principais valores que leva os homens a associar-se politicamente, depositando no Estado o monopólio da força legítima e da justiça institucional e abdicando de uma parte da sua liberdade natural. Esperam, como retorno contratual, que o Estado lhes garanta a segurança contra as agressões ilegítimas (físicas, materiais, ou morais) e assegure a adequada punição dos transgressores da ordem contratualmente estabelecida. É para isso, entre outras coisas, que o cidadão confia no Estado. Por isso, a segurança é um factor fundamental de confiança, no Estado e no próximo. Quando o Estado falha no cumprimento da sua parte do contrato em que se funda, a confiança fica abalada e a sociedade tende para a desintegração. Por isso mesmo e para além das políticas redistributivas e assistencialistas, a coesão social também depende da capacidade de o Estado garantir a segurança da sociedade. O aumento da violência e o consequente sentimento de insegurança a que vimos assistindo têm naturalmente causas múltiplas, umas endógenas à própria sociedade, outras exógenas. De entre estas ressalta naturalmente a eliminação das fronteiras que, facilitando a circulação de pessoas de bem e a integração dos mercados legítimos, acaba também por facilitar a circulação de criminosos, a integração dos “mercados do crime”, a consolidação de operações criminosas, enfim, a “globalização” da criminalidade. Não sendo a restauração das fronteiras uma opção desejável – as consequências da solução seriam mais indesejáveis do que as do problema – esta causa exógena terá que ser contrariada sobretudo com maior capacidade de acção e reacção interna. No que respeita à capacidade de acção, esta depende naturalmente dos meios disponíveis – ao nível das polícias, da investigação e dos tribunais –, mas também das atitudes – da sociedade, das elites políticas e daqueles intervenientes directos. E é precisamente ao nível das atitudes que podem ser encontradas algumas das maiores fragilidades do sistema de segurança, constituindo-se essas mesmas fragilidades numa relevante causa endógena do crescendo de insegurança. De facto, de há muito que se assiste, da parte das elites políticas e de opinadores públicos, à minagem da autoridade do Estado e, nomeadamente para caso, das polícias. Esta minagem assenta culturalmente numa deriva perversa da cultura antifascista, que assume moralmente que, por natureza, a polícia é má, e age por mal. Ao que acrescem as teses desresponsabilizantes de que os criminosos são vítimas da sociedade que, por esse motivo, os condiciona socialmente para o mal. Que a polícia não é formada por ‘gentlemen’ só pode surpreender quem desconhecer a sociedade de onde os seus agentes são extraídos, bem como o crivo cultural dessa extracção. Numa sociedade com um baixo nível cultural e com um enorme lastro de iliteracia, ter uma polícia formada por cidadãos de elevado contorno cultural e com educação de ‘gentlemen’ só se conseguirá pagando os salários compatíveis com a relativa escassez da oferta. E, mesmo assim, levaria muito tempo a renovar todo o quadro. De qualquer forma, a polícia é formada por cidadãos normais, que se esforçam por cumprir o melhor que sabem as missões que lhes são atribuídas. Por isso, quando (20 anos depois de Abril) um Governo afirma que “esta não é a minha polícia”, sem criar de imediato as condições – financeiras, organizativas e políticas – para a substituir pela sua polícia ideal, a única coisa que consegue é desautorizar publicamente a única polícia de que o Estado dispõe, retirando-lhe a eficácia para assegurar a segurança que os cidadãos têm o direito de exigir. O mesmo acontece quando (antes) um Presidente da República invectiva publicamente um polícia no cumprimento da sua função. Ou quando comentadores sistematicamente condenam, ‘a priori’, qualquer intervenção policial que recorra ao uso da força. Essas atitudes acabam por favorecer, involuntariamente é certo, as forças da insegurança e minar a capacidade de o Estado garantir a segurança dos cidadãos. Por isso, se se quiser mesmo garantir essa segurança, ter-se-á que começar por mudar de atitude, recusando a cultura anti-autoridade. Bom Natal e Feliz 2006!»
Vítor Bento, Economista, 16/12/2005.
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