terça-feira, dezembro 20, 2005

«Crianças em centros educativos são abandonadas»

«Uma jurista responsável pela avaliação da Lei Tutelar Educativa alertou hoje que os jovens internados em centros educativos são abandonados assim que deixam as instituições, regressando muitas vezes para o mundo da criminalidade, "Os jovens são institucionalizados durante um período de tempo e assim que termina são colocados do lado de fora do portão sem qualquer apoio", disse Conceição Gomes, coordenadora da equipa do Observatório Permanente da Justiça responsável pela avaliação da Lei Tutelar Educativa, durante uma audição na Subcomissão parlamentar para a Igualdade de Oportunidades.
Dirigida especificamente aos jovens delinquentes entre os 12 e os 16 anos, a Lei Tutelar Educativa "não tem previsto nenhum mecanismo que permita o acompanhamento posterior das crianças", criticou Conceição Gomes.
"Na maior parte dos casos, tratam-se de jovens com famílias desestruturadas que não têm ninguém que se preocupe com o que vão comer, onde vão dormir ou com quem vão ficar. São crianças de ninguém.
Normalmente, o que acontece é que vão para junto do seu bando", afirmou a investigadora.
Como não foram integrados na sociedade nem tiveram tempo para criar um projecto de vida, muitos saem dos centros directamente para as cadeias, jamais conseguindo abandonar o sistema prisional.
Conceição Gomes garante que, quando a Lei Tutelar Educativa é aplicada "é um sucesso, porque as crianças começam a ganhar gosto pelas regras".
No entanto, na maior parte das vezes, "quando abandonam a instituição, esses princípios ainda não estão suficientemente consolidados".
A especialista defende o alargamento da idade da Lei Tutelar Educativa até aos 21 anos, para que as crianças não voltem a cair no mundo da criminalidade.
Para Conceição Gomes, o problema não se fica por aqui, já que "a maioria dos jovens institucionalizados poderia ter tido outro percurso de vida caso tivesse sido acompanhado anteriormente".
"Grande parte das crianças que chega às instituições pela Lei Tutelar Educativa teve um passado de risco que não foi corrigido porque houve uma falha a montante", afirmou. Conceição Gomes entende que, quando "a família biológica falha, cabe ao Estado assumir a intervenção", apesar de esse mesmo Estado lhe transmitir uma imagem de não se importar em "despejar" as crianças em instituições "sem qualquer projecto de vida".
"Há intervenções que aos 12 anos já não são possíveis fazer", alertou, defendendo a criação de "uma instituição intermédia mais flexível que permita a integração dos jovens".
A Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades ouviu ainda críticas à actual política de institucionalização que, na opinião de Conceição Gomes, "sobrepõe o direito da família ao direito das crianças".
"Como é que é possível ter 16 mil crianças institucionalizadas em Portugal?", questionando a especialista, considerando urgente "uma reavaliação séria" da capacidade das famílias para receberem as crianças de volta.
"Ou se ajuda a família biológica, porque esta tem um problema temporário como o desemprego, ou se reconhece que a família nunca vai ter capacidade para ter a criança de volta e pensa-se noutras soluções, que podem passar pela adopção, pelas famílias de acolhimento ou outras opções que não a eterna institucionalização", disse.
A actual legislação já define o tempo máximo de institucionalização das crianças por ausência da família (que varia entre os três e os seis meses), mas a realidade é bem diferente.
"Se não é possível ajudar a família, a criança não deve ficar institucionalizada durante anos, enquanto a segurança social vai fazendo contratos com a avó ou com um outro familiar. Isto é uma mentira", afirmou».
In Portugal Diário, 20/12/2005.

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