quarta-feira, janeiro 11, 2006

Artigo de Opinião

«Os custos da Segurança», Conceição Branco, Jornalista, In Observatório do Algarve, 11/01/2006.
A instalação de videovigilância nos espaços públicos, veio, aparentemente, para ficar.
Somos filmados nos gestos mais normais do quotidiano, no supermercado, na bomba de gasolina, na ida ao multibanco, na consulta do hospital.
Por via do sistema de cartão electrónico, todos os passos que damos ficam registados algures, num qualquer computador que não sabemos qual, nem quem a ele tem acesso.
Dizem-nos em tom melífluo que é para agilizar serviços, para facilitar a vida, para aumentar a segurança. Mas não fornecem aos vigiados sistemas para contolar os vigilantes.
Pergunto-me como viverão os cidadãos dos países em que nem sequer o bilhete de identidade é obrigatório, e onde um qualquer ser humano pode mudar de nome se não gostar daquele que os pais entenderam dar-lhe à nascença.
O sistema de videovigilância que agora se pretende instalar no Algarve é apenas mais um, no meio de outros tantos.
A diferença está no princípio. Com efeito, e embora possa parecer difícil de levar à prática, podemos recusar frequentar a grande superfície onde a electrónica cuida da segurança, preferindo ir fazer compras à mercearia da esquina onde o Sr. Zé mantém um sistema de informação, é certo, mas humanizado.
Os vizinhos lá se vão apercebendo se o carro está velho, se há gritaria no lar (em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão) e o cliente é tratado de acordo.
Também podemos não ir ao restaurante ou à discoteca em que a camarazita regista entradas e saídas e até a frequência da casa de banho. Mais uma vez, no pequeno restaurante familiar não se pensa em contabilizar os xixis dos clientes.
Até é possível, ainda que cada vez mais difícil, fazer transacções em dinheiro sem termos o retrato no sistema.
Agora, não podemos deixar de andar na rua, a não ser que queiramos ser prisioneiros de nós próprios. E por isso não temos maneira de evitar a videovigilância que começa nos centros comerciais e certamente se estenderá a praias, e outras zonas onde se podia circular livre do olho fiscalizador.
Sabemos o que aconteceu em Londres, quando as câmaras de vigilância do metro captaram um brasileiro, de mochila às costas e que a polícia abateu a tiro, absolutamente convicta que o inocente cidadão estava implicado nos ataques terroristas.
Veio ao de cima o lado irracional, incivilizado, da espécie humana, e a busca dos responsáveis por um crime, transformou-se num outro crime.
Com a agravante de este assassinato ter sido cometido pelas forças de segurança, aquelas a quem confiamos a vida e os bens, convictos que a sua existência, a par do sistema judicial, é uma forma superior de organização social, da qual está arredada a lei da selva, e onde não se pratica a justiça por mão própria.
A partir de Maio, segundo o governador civil de Faro, António Pina, vão ser instaladas câmaras em locais públicos do Algarve. O ministro da Administração Interna está ao corrente, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve arranjará certamente incentivos financeiros, as autarquias, através da AMAL, batem palmas e certamente financiarão, e a Globalgarve, S.A., a quem compete a gestão dos programas de base electrónica através do Algarve Digital também está, aparentemente, envolvida.
Ou seja, o processo torna-se público já numa fase adiantada, pois se poderá ser implementado antes da época balnear, e dada habitual morosidade de decisão do Estado, já se sabe quem vai fornecer o software, o hardware, o pessoal para analisar os dados e todos os outros pormenores – ou serão pormaiores? – deste processo.
António Pina garante que “apenas as autoridades locais terão acesso” às imagens recolhidas. Será? E que autoridades? As policiais, as da protecção civil, as políticas, as administrativas, as judiciais? E quais as garantias que se pedirão aos executores do sistema? E já agora, qual o seu preço?
Em troca da alegada “maior segurança dos cidadãos” e na senda de “para novos desafios, novas soluções” não estaremos a cair da tentação de uma sociedade securitária e, a prazo, fascizante?
Espero que o Turismo do Algarve não comece a imprimir na promoção turística “Big Brother is watching you!", para mostrar que os algarvios levam a sério a segurança.
A História tem muitos e tristes exemplos do que se fez em nome do “interesse público” e do bem-estar e segurança dos cidadãos».

Sem comentários: