Nomeação polémica

MINISTRO E GOVERNO ILIBADOS
O Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) informa, em comunicado, que Neidi Becker “não foi requisitada pelo ministro da Justiça [Alberto Costa] ou qualquer outro membro do Governo”, mas sim pelo instituto, que tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial. O IGFPJ tem diversas competências, como o pagamento de vencimentos e abonos dos funcionários do Ministério da Justiça ou o controlo orçamental da secretaria-geral da Justiça. Segundo o presidente demitido, António Morais, existe uma legislação específica que permite ao IGFPJ contratar funcionários sem recurso a concurso. “Não foi só a funcionária em causa que foi contratada, houve outros casos. Isto aconteceu com este conselho directivo e com os anteriores.”
TRÊS MIL EUROS PARA DUTRA
Não é a primeira vez que contratações mal explicadas envolvem o Ministério da Justiça em polémica. Também em Outubro passado, tal como o CM noticiou, o Ministério contratou uma assessora para o gabinete de Alberto Costa oferecendo-lhe um ordenado de 3254 euros mensais, acrescido de subsídio de refeição. A ex-jornalista Susana Dutra foi nomeada para prestar serviços de assessoria de Imprensa e editar os conteúdos do novo portal do Ministério da Justiça na internet que, entretanto, continua por lançar.
NEIDI GERIA DEPÓSITO DE BENS PENHORADOS
A função de Neidi Becker no Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) era coordenar a logística do depósito público de Vila Franca de Xira, criado no âmbito da Reforma da Acção Executiva, para o armazenamento dos bens penhorados, dispersos pelas instalações dos tribunais e da Polícia Judiciária e pelos postos da PSP e da GNR. Instalado no antigo edifício da Mitsubishi, à beira da Estrada Nacional 1, em Povos, Vila Franca – adquirido pelo Ministério da Justiça –, o primeiro depósito público abriu na segunda quinzena de Setembro, pretendendo libertar espaços ocupados com bens móveis que fazem falta ao bom funcionamento das instituições. O depósito supervisionado por Neidi Becker recebe bens, nomeadamente automóveis, provenientes de acções executivas (cobrança de dívidas) e apreendidos em acções penais. A instalação de Vila Franca de Xira destina-se a servir toda a Área Metropolitana de Lisboa e, após a criação de novos depósitos, em outras regiões do País, servirá de plataforma logística a nível nacional.
REACÇÕES
FERNANDO JORGE (Sindicato dos Funcionários Judiciais)
Pergunto-me quantas ‘Neidis’ não há no Ministério da Justiça. Não há dinheiro para manter o sistema social, mas há para esta ‘rambóia’.
ANTÓNIO CLUNY (Sindicato dos Magistrados do MP)
O caso é estranho, mas sabemos de situações em toda a Função Pública. Ainda assim, sobre contratações irregulares pronunciam-se os tribunais.
BAPTISTA COELHO (Associação Sindical dos Juízes)
O Ministério da Justiça, ao qual cabe pugnar pela legalidade e transparência, deve explicações aos portugueses sobre este caso.
SINDICATOS DENUNCIAM DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Bettencourt Picanço, dirigente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, não expressa surpresa ante a contratação atípica de Neidi Becker. “Não fico nem um pouco surpreendido. O que não falta na função pública são contratações encapotadas e remunerações duplas ou triplas em relação às dos demais funcionários”, sustenta o sindicalista, que mantém a capacidade de sentir-se chocado. Um sentimento partilhado por Fernando Jorge, do Sindicato dos Funcionários Judiciais. O discurso e a prática do Governo em relação à Administração Pública revelam – acusa Bettencourt Picanço – “a existência de dois pesos e duas medidas”. O sector é considerado excedentário, apontado como causa principal do défice público, restringem-se ao máximo novas entradas e, ao mesmo tempo, “o Governo contrata quem bem entende ao abrigo de figuras como a da requisição, a usar apenas quando em causa estejam funções específicas”.
“REQUISIÇÃO NÃO FAZ SENTIDO”
Que Neidi tenha sido “requisitada a um restaurante” para gerir um depósito público de bens penhorados “não faz qualquer sentido” para Picanço. “Havendo requisição, seria suposto que fossem buscar um funcionário a outra área da Administração”, à qual, em regra, se acede por concurso. “Mesmo para estágios profissionais há concurso.” O dirigente sindical vê neste caso a prova de que “o Governo age como dono dos serviços públicos e não como gestor ou responsável”. O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, recebeu, ao longo de todo o dia de ontem, após divulgação da contratação de Neidi Becker, “inúmeros telefonemas e ‘mails’ de funcionários altamente revoltados”. Ainda no rescaldo de uma greve que agitou o sector da Justiça, Fernando Jorge lembra que o Ministério da tutela “alega que não há dinheiro para manter o sistema social, contratar mais funcionários ou informatizar os serviços”. Trata-se – no entender do sindicalista – “de uma atitude de pseudo rigor e pseudo autoridade, desmentida na prática, o que significa a descredibilização total dos responsáveis”. Fernando Jorge considera que este caso implica não só o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, mas todo o Ministério.
A REFORMA
ACÇÃO EXECUTIVA
A criação do depósito público de bens penhorados cuja gestão foi entregue a Neidi Becker é uma de 15 medidas da acção executiva. São as seguintes as outras:
- Entrega electrónica do requerimento através da aplicação informática H@bilus
- Ministério Público envia também o requerimento através da aplicação informática
- Dados entram automaticamente na aplicação informática das custas
- Controlo dos solicitadores de execução com a actividade suspensa
- Acesso electrónico aos registos da Segurança Social
- Acesso electrónico aos registos de identificação civil
- Acesso electrónico ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas
- Acesso electrónico aos registos de automóveis
- Formação extraordinária para solicitadores de execução
- Formação de magistrados e outros profissionais
- Delimitação das competências dos juízos de execução
- Todos os processos por arrancar serão encaminhados até ao final de Novembro
- Solicitadores passam a praticar actos de execução em qualquer ponto do território
- São instalados novos juízos de execução
NÚMEROS DA ADMINISTRAÇÃO E DA JUSTIÇA
4,5 milhões - Orçamento dos gabinetes ministeriais na área da Justiça
350 milhões - O que o Governo pretende poupar em despesas com pessoal
1.326 milhões - Despesa consolidada do Ministério da Justiça
5,5 milhões - A investir até 2008 em material informático para os tribunais
1 milhão - Gasto para comprar 1476 computadores para os tribunais
30 - Tribunais que até final do mês receberão novos computadores
84 - Tribunais, entre 347, que já têm material informático novo».
In Correio da Manhã, 07/01/2006.
In Correio da Manhã, 07/01/2006.
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«Um caso de alegada "cunha" na contratação de uma coordenadora do departamento de logística do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) levou ontem o ministro Alberto Costa a demitir o responsável máximo daquele instituto. A exoneração do presidente do IGFPJ, António Morais, aconteceu horas depois das demissões decididas pelo Conselho Directivo do instituto, do director do departamento de administração geral, Ernesto Moreira, e da funcionária protagonista da polémica, Neidi Becker. O abalo no organismo que gere o designado "cofre dos tribunais" aconteceu na sequência de uma notícia do jornal "O Independente", que dava conta da contratação daquela cidadã de nacionalidade brasileira, requisitada a um restaurante localizado no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, de nome "Sr. Bacalhau" e recentemente denominado "Coirato".
Ministro não sabia
O problema da contratação, em regime de "comissão de serviço por três anos", segundo o IGFPJ, e enquadrada por uma requisição ao dito estabelecimento comercial, é o facto de não ter havido concurso público. Por outro lado, a licenciatura em Geografia obtida em Agosto de 1999 na Universidade do Estado de Santa Catarina, no Brasil, não teria equivalência em Portugal. Ao que o JN apurou, por trás desta nomeação terá estado um relacionamento pessoal próximo entre a cidadã brasileira e o dirigente que sugeriu a contratação, Ernesto Morais. Segundo declarou este responsável ao "Independente", o salário de Neidi era de "perto de 1700 euros". Surpreendido com a notícia do semanário, Alberto Costa resolveu demitir o responsável máximo do IGFPJ, considerando que a situação colocou sobre o instituto que tutela uma imagem de "falta de credibilidade", explicou ao JN fonte do Ministério da Justiça. António Morais tomou posse do cargo já sob a alçada do Governo socialista e anteriormente exerceu funções no âmbito do Ministério da Administração Interna. O ministro da Justiça "desconhecia" os contornos da contratação, uma vez que o IGFPJ goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não tendo por isso de informar o Ministério da Justiça de todos os seus actos.
Visados incontactáveis
O organismo que, entre outras atribuições, é responsável pelo pagamento de vencimentos e abonos dos funcionários do ministério, o controlo orçamental da secretaria geral da Justiça e da gestão das cauções prestadas por arguidos no âmbito de processos criminais, será gerido interinamente durante os próximos dias. O nome do substituto de António Morais, que ontem esteve reunido com o secretário de Estado Conde Rodrigues, está ainda, segundo o gabinete do ministro, a ser ponderado. Entretanto, os dois vogais que restaram no Conselho Directivo encarregam-se da gestão corrente. "Não fica em causa o funcionamento regular do IGFPJ", salientou a mesma fonte do Ministério da Justiça. A exoneração do presidente do IGFPJ foi tornada pública durante a tarde de ontem. Desde então, apesar de diversas tentativas, o JN não conseguiu contactar o responsável. De igual modo, também não foi possível contactar a funcionária brasileira, Neidi Becker, e o seu superior hierárquico, Ernesto Moreira.
Brasileira em Portugal há seis anos e em situação legal
A funcionária de nacionalidade brasileira ontem demitida do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça (IGFPJ) trabalhava em Portugal há seis anos e estava em situação legal. Vinculada por contrato de trabalho à empresa que gere a cadeia de restaurantes "Sr. Bacalhau", agora designado "Vossa Excelência, O Coirato", Neidi Becker possui número de contribuinte português, de acordo com o que apurou o JN junto da anterior entidade patronal, que a considera, aliás, uma "muito boa profissional", enquanto "responsável por mais do que um restaurante" da cadeia. Como se tratava de uma requisição pelo instituto, pode até verificar-se um regresso da funcionária ao lugar de origem. No IGFPJ, a cidadã brasileira, como coordenadora do gabinete de logística, estava responsável pela gestão do depósito onde estão armazenados bens provenientes de acções de penhora e execuções, por parte dos tribunais».
In Jornal de Notícias, 07/01/2006.
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