sábado, janeiro 07, 2006

Nomeação polémica

«O ministro da Justiça, Alberto Costa, demitiu ontem o presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ), António Morais, na sequência da contratação de uma brasileira, sem recurso a concurso, soube o CM de fonte oficial. A funcionária em causa, Neidi Becker, e o director do departamento da administração geral do instituto, Ernesto Moreia, também abandonam o IGFPJ, neste caso por decisão do conselho directivo daquele organismo do Ministério da Justiça. O caso veio a público na edição de ontem do semanário ‘O Independente’, segundo o qual Neidi Becker foi requisitada pelo Estado para ser responsável pelo departamento de logística do IGFPJ, por um período de três anos, sem ter sido aberto concurso. O jornal acrescenta que o presidente do instituto, António Morais, autorizou a sua contratação, por sugestão do director do departamento da administração geral, Ernesto Moreira. “Não era necessário concurso. Foi contratada ao abrigo do regime de requisição, de acordo com a legislação aplicável a este – e outros – instituto. Tal como sempre foi feito. Houve vários candidatos ao lugar e, após entrevista, optámos por escolher a pessoa que nos dava mais garantias. A funcionária em causa é uma pessoa discreta e com a competência necessária para desempenhar as funções. Além de ter habilitações para exercer o cargo, tínhamos as melhores referências dela. Aliás, como se provou, pelo excelente trabalho que desenvolveu no pouco tempo que esteve ao serviço. Não houve aqui nada de ilegal”, defendeu ontem António Morais, em declarações ao CM. Antes de ser requisitada para o IGFPJ, Neidi, brasileira e em situação legar no nosso país, era funcionária de um restaurante no Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Alegadamente, tinha a seu cargo o sector do aprovisionamento e distribuição de todo o conjunto de sete restaurantes que a sociedade Senhor Bacalhau possui, o que lhe conferia experiência na logística. “Recebemos uma carta da sociedade com as melhores referências acerca da pessoa em causa. Verificámos se estava legalmente no nosso país e as suas habilitações literárias”, contou António Morais. “Não havendo nada de ilegal, só posso concluir que isto que se passou é uma ‘vendetta’ [vingança]”, considerou. Segundo ‘O Independente’, Neidi Becker entrou para o IGFPJ em Agosto. Auferia 1700 euros mensais e desenvolvia a sua actividade (coordenadora de logística) num armazém de Vila Franca de Xira. Terá o curso de Geografia, embora “não fosse necessária licenciatura para a função”, esclareceu António Morais. Ao CM, o presidente do IGFPJ afirmou que iria, provavelmente, apresentar segunda-feira a demissão e dedicar-se a outro tipo de actividade, “mais calma”. Mas, ao que o CM apurou, o ministro da Justiça já tomou a decisão de o demitir mesmo antes de chegar ao seu gabinete o pedido de demissão, embora sem avançar com qualquer justificação. “Se já fui demitido, desconheço. E não faço ideia do motivo, já que a contratação foi legal. Naturalmente que, depois de tudo isto, as condições para continuar são mínimas. Há que preservar a imagem do Instituto. Vou reflectir sobre a situação e, provavelmente, apresentarei a demissão segunda-feira”, concluiu.
MINISTRO E GOVERNO ILIBADOS
O Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) informa, em comunicado, que Neidi Becker “não foi requisitada pelo ministro da Justiça [Alberto Costa] ou qualquer outro membro do Governo”, mas sim pelo instituto, que tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial. O IGFPJ tem diversas competências, como o pagamento de vencimentos e abonos dos funcionários do Ministério da Justiça ou o controlo orçamental da secretaria-geral da Justiça. Segundo o presidente demitido, António Morais, existe uma legislação específica que permite ao IGFPJ contratar funcionários sem recurso a concurso. “Não foi só a funcionária em causa que foi contratada, houve outros casos. Isto aconteceu com este conselho directivo e com os anteriores.”
TRÊS MIL EUROS PARA DUTRA
Não é a primeira vez que contratações mal explicadas envolvem o Ministério da Justiça em polémica. Também em Outubro passado, tal como o CM noticiou, o Ministério contratou uma assessora para o gabinete de Alberto Costa oferecendo-lhe um ordenado de 3254 euros mensais, acrescido de subsídio de refeição. A ex-jornalista Susana Dutra foi nomeada para prestar serviços de assessoria de Imprensa e editar os conteúdos do novo portal do Ministério da Justiça na internet que, entretanto, continua por lançar.
NEIDI GERIA DEPÓSITO DE BENS PENHORADOS
A função de Neidi Becker no Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) era coordenar a logística do depósito público de Vila Franca de Xira, criado no âmbito da Reforma da Acção Executiva, para o armazenamento dos bens penhorados, dispersos pelas instalações dos tribunais e da Polícia Judiciária e pelos postos da PSP e da GNR. Instalado no antigo edifício da Mitsubishi, à beira da Estrada Nacional 1, em Povos, Vila Franca – adquirido pelo Ministério da Justiça –, o primeiro depósito público abriu na segunda quinzena de Setembro, pretendendo libertar espaços ocupados com bens móveis que fazem falta ao bom funcionamento das instituições. O depósito supervisionado por Neidi Becker recebe bens, nomeadamente automóveis, provenientes de acções executivas (cobrança de dívidas) e apreendidos em acções penais. A instalação de Vila Franca de Xira destina-se a servir toda a Área Metropolitana de Lisboa e, após a criação de novos depósitos, em outras regiões do País, servirá de plataforma logística a nível nacional.
REACÇÕES
FERNANDO JORGE (Sindicato dos Funcionários Judiciais)
Pergunto-me quantas ‘Neidis’ não há no Ministério da Justiça. Não há dinheiro para manter o sistema social, mas há para esta ‘rambóia’.
ANTÓNIO CLUNY (Sindicato dos Magistrados do MP)
O caso é estranho, mas sabemos de situações em toda a Função Pública. Ainda assim, sobre contratações irregulares pronunciam-se os tribunais.
BAPTISTA COELHO (Associação Sindical dos Juízes)
O Ministério da Justiça, ao qual cabe pugnar pela legalidade e transparência, deve explicações aos portugueses sobre este caso.
SINDICATOS DENUNCIAM DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Bettencourt Picanço, dirigente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, não expressa surpresa ante a contratação atípica de Neidi Becker. “Não fico nem um pouco surpreendido. O que não falta na função pública são contratações encapotadas e remunerações duplas ou triplas em relação às dos demais funcionários”, sustenta o sindicalista, que mantém a capacidade de sentir-se chocado. Um sentimento partilhado por Fernando Jorge, do Sindicato dos Funcionários Judiciais. O discurso e a prática do Governo em relação à Administração Pública revelam – acusa Bettencourt Picanço – “a existência de dois pesos e duas medidas”. O sector é considerado excedentário, apontado como causa principal do défice público, restringem-se ao máximo novas entradas e, ao mesmo tempo, “o Governo contrata quem bem entende ao abrigo de figuras como a da requisição, a usar apenas quando em causa estejam funções específicas”.
“REQUISIÇÃO NÃO FAZ SENTIDO”
Que Neidi tenha sido “requisitada a um restaurante” para gerir um depósito público de bens penhorados “não faz qualquer sentido” para Picanço. “Havendo requisição, seria suposto que fossem buscar um funcionário a outra área da Administração”, à qual, em regra, se acede por concurso. “Mesmo para estágios profissionais há concurso.” O dirigente sindical vê neste caso a prova de que “o Governo age como dono dos serviços públicos e não como gestor ou responsável”. O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, recebeu, ao longo de todo o dia de ontem, após divulgação da contratação de Neidi Becker, “inúmeros telefonemas e ‘mails’ de funcionários altamente revoltados”. Ainda no rescaldo de uma greve que agitou o sector da Justiça, Fernando Jorge lembra que o Ministério da tutela “alega que não há dinheiro para manter o sistema social, contratar mais funcionários ou informatizar os serviços”. Trata-se – no entender do sindicalista – “de uma atitude de pseudo rigor e pseudo autoridade, desmentida na prática, o que significa a descredibilização total dos responsáveis”. Fernando Jorge considera que este caso implica não só o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, mas todo o Ministério.
A REFORMA
ACÇÃO EXECUTIVA
A criação do depósito público de bens penhorados cuja gestão foi entregue a Neidi Becker é uma de 15 medidas da acção executiva. São as seguintes as outras:
- Entrega electrónica do requerimento através da aplicação informática H@bilus
- Ministério Público envia também o requerimento através da aplicação informática
- Dados entram automaticamente na aplicação informática das custas
- Controlo dos solicitadores de execução com a actividade suspensa
- Acesso electrónico aos registos da Segurança Social
- Acesso electrónico aos registos de identificação civil
- Acesso electrónico ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas
- Acesso electrónico aos registos de automóveis
- Formação extraordinária para solicitadores de execução
- Formação de magistrados e outros profissionais
- Delimitação das competências dos juízos de execução
- Todos os processos por arrancar serão encaminhados até ao final de Novembro
- Solicitadores passam a praticar actos de execução em qualquer ponto do território
- São instalados novos juízos de execução
NÚMEROS DA ADMINISTRAÇÃO E DA JUSTIÇA
4,5 milhões - Orçamento dos gabinetes ministeriais na área da Justiça
350 milhões - O que o Governo pretende poupar em despesas com pessoal
1.326 milhões - Despesa consolidada do Ministério da Justiça
5,5 milhões - A investir até 2008 em material informático para os tribunais
1 milhão - Gasto para comprar 1476 computadores para os tribunais
30 - Tribunais que até final do mês receberão novos computadores
84 - Tribunais, entre 347, que já têm material informático novo».
In Correio da Manhã, 07/01/2006.
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«Um caso de alegada "cunha" na contratação de uma coordenadora do departamento de logística do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ) levou ontem o ministro Alberto Costa a demitir o responsável máximo daquele instituto. A exoneração do presidente do IGFPJ, António Morais, aconteceu horas depois das demissões decididas pelo Conselho Directivo do instituto, do director do departamento de administração geral, Ernesto Moreira, e da funcionária protagonista da polémica, Neidi Becker. O abalo no organismo que gere o designado "cofre dos tribunais" aconteceu na sequência de uma notícia do jornal "O Independente", que dava conta da contratação daquela cidadã de nacionalidade brasileira, requisitada a um restaurante localizado no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, de nome "Sr. Bacalhau" e recentemente denominado "Coirato".
Ministro não sabia
O problema da contratação, em regime de "comissão de serviço por três anos", segundo o IGFPJ, e enquadrada por uma requisição ao dito estabelecimento comercial, é o facto de não ter havido concurso público. Por outro lado, a licenciatura em Geografia obtida em Agosto de 1999 na Universidade do Estado de Santa Catarina, no Brasil, não teria equivalência em Portugal. Ao que o JN apurou, por trás desta nomeação terá estado um relacionamento pessoal próximo entre a cidadã brasileira e o dirigente que sugeriu a contratação, Ernesto Morais. Segundo declarou este responsável ao "Independente", o salário de Neidi era de "perto de 1700 euros". Surpreendido com a notícia do semanário, Alberto Costa resolveu demitir o responsável máximo do IGFPJ, considerando que a situação colocou sobre o instituto que tutela uma imagem de "falta de credibilidade", explicou ao JN fonte do Ministério da Justiça. António Morais tomou posse do cargo já sob a alçada do Governo socialista e anteriormente exerceu funções no âmbito do Ministério da Administração Interna. O ministro da Justiça "desconhecia" os contornos da contratação, uma vez que o IGFPJ goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não tendo por isso de informar o Ministério da Justiça de todos os seus actos.
Visados incontactáveis
O organismo que, entre outras atribuições, é responsável pelo pagamento de vencimentos e abonos dos funcionários do ministério, o controlo orçamental da secretaria geral da Justiça e da gestão das cauções prestadas por arguidos no âmbito de processos criminais, será gerido interinamente durante os próximos dias. O nome do substituto de António Morais, que ontem esteve reunido com o secretário de Estado Conde Rodrigues, está ainda, segundo o gabinete do ministro, a ser ponderado. Entretanto, os dois vogais que restaram no Conselho Directivo encarregam-se da gestão corrente. "Não fica em causa o funcionamento regular do IGFPJ", salientou a mesma fonte do Ministério da Justiça. A exoneração do presidente do IGFPJ foi tornada pública durante a tarde de ontem. Desde então, apesar de diversas tentativas, o JN não conseguiu contactar o responsável. De igual modo, também não foi possível contactar a funcionária brasileira, Neidi Becker, e o seu superior hierárquico, Ernesto Moreira.
Brasileira em Portugal há seis anos e em situação legal
A funcionária de nacionalidade brasileira ontem demitida do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça (IGFPJ) trabalhava em Portugal há seis anos e estava em situação legal. Vinculada por contrato de trabalho à empresa que gere a cadeia de restaurantes "Sr. Bacalhau", agora designado "Vossa Excelência, O Coirato", Neidi Becker possui número de contribuinte português, de acordo com o que apurou o JN junto da anterior entidade patronal, que a considera, aliás, uma "muito boa profissional", enquanto "responsável por mais do que um restaurante" da cadeia. Como se tratava de uma requisição pelo instituto, pode até verificar-se um regresso da funcionária ao lugar de origem. No IGFPJ, a cidadã brasileira, como coordenadora do gabinete de logística, estava responsável pela gestão do depósito onde estão armazenados bens provenientes de acções de penhora e execuções, por parte dos tribunais».
In Jornal de Notícias, 07/01/2006.

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