Artigo de opinião
Por Rui Pereira, In Correio da Manhã.
«Suscitou alguma controvérsia a proposta de criação de uma “comissão de acompanhamento das escutas”, apresentada pelo Ministro da Justiça. Alvitrou-se que uma tal comissão, dita externa, seria, se não contraproducente, pelo menos inútil e demagógica, ou até que poria em causa a independência dos tribunais. Ora, esta independência constitui corolário do princípio da separação de poderes e da ideia de Estado de Direito. Sem tribunais independentes – que não se subordinem aos demais órgãos de soberania e não recebam ordens uns dos outros –, é impossível garantir que todos os cidadãos se submetem ao Direito e o Estado não impõe o seu arbítrio. Por tudo isto, deve ser sempre um juiz, tal como prescreve a Constituição, a autorizar e a controlar as escutas. Nenhuma comissão pode substituí-lo ou impor-lhe limites diversos dos legais. Todavia, a atribuição de competência para acompanhar as escutas ao Conselho Superior da Magistratura, que não constitui um tribunal mas não é exterior ao sistema de Justiça, em nada afecta os poderes dos juízes – poderes que são a principal garantia de respeito pelo direito à intimidade e à reserva da vida privada. Mas que sentido faz atribuir ao Conselho Superior da Magistratura competência para acompanhar as escutas? Importa sublinhar que hoje ninguém tem competência para avaliar os procedimentos técnicos seguidos pelas operadoras telefónicas ou para proceder ao recenseamento do número de escutas, da sua evolução global e da distribuição por tipos de crimes. Ou seja, ninguém possui dados que permitam fazer juízos rigorosos sobre a frequência com que se recorre a este meio de obtenção de prova ou sobre a sua eficácia para a investigação criminal, ao contrário do que sucede noutros países. E é claro que cada juiz não detém nem pode deter tais dados, porque a sua actividade se confina a um processo concreto. Por estas razões, afigura-se útil atribuir ao Conselho Superior da Magistratura aquela competência. Dada a composição alargada do órgão de governo da magistratura judicial (reúne 18 elementos, entre magistrados e vogais eleitos pela Assembleia da República ou indicados pelo Presidente da República), ele poderá delegá-la numa comissão que inclua três dos seus membros. Com a indispensável assessoria técnica, a comissão pode certificar-se da segurança dos procedimentos e centralizar e analisar os dados referentes às escutas. Mas não tomará conhecimento do seu conteúdo ou da identidade das pessoas a que respeitam. Ninguém é tão ingénuo que suponha que todos os problemas relacionados com as escutas se resolverão desta maneira. Porém, o melhor conhecimento de uma realidade que envolve duas magistraturas e todos os órgãos de polícia criminal permitirá estudar as iniciativas institucionais e legislativas adequadas. O que, só por si, constitui justificação bastante da proposta».
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