«Cobrança de dívidas entope o sistema legal»
«Cobrar dívidas em Portugal é um processo que dura anos, mesmo depois de ter entrado em vigor a reforma da acção executiva. Diogo Lacerda Machado, secretário de Estado da equipa da Justiça no último Executivo de António Guterres e arquitecto do actual sistema - que acabou por ser concretizado já no primeiro Governo de Durão Barroso -, assume claramente que "as coisas não estão bem". A demora na justiça, pela qual Portugal já foi condenado internacionalmente, é apontada como um dos custos de contexto negativo para os negócios e uma das razões apontadas para não se concretizarem vários investimentos. Em declarações ao DN frisa que se o grande mérito da reforma que gizou foi tentar tirar das secretarias dos tribunais boa parte da acções executivas em que, por exemplo, se está a cobrar um dívida, o certo é que "o sistema judicial é muito avesso às mudanças" e verificou-se mesmo uma reacção contra a "perda" de poderes tradicionalmente detidos pelos funcionários judiciais. A passagem da cobrança das secretarias dos tribunais para os solicitadores judiciais começou por esbarrar numa série de problemas, designadamente informáticos, que fizeram acumular os processos. Neste momento, apesar de não existirem estimativas rigorosas, o presidente da Câmara dos Solicitadores refere a existência de 300 mil execuções de dívidas. Destas, cerca de 200 mil estão já entregues aos solicitadores de execução. Analisando as razões que levaram a que a reforma da acção executiva não tenha tido o resultado que esperava, Diogo Lacerda Machado refere que existiu, nas últimas duas décadas, uma evolução brutal dos hábitos das famílias portuguesas. Enquanto isto, o sistema judicial continua a funcionar com regras do século XIX em que o chamado património das pessoas - casas, terras, etc. - respondiam pelas suas dívidas. Esta assimetria na evolução do sistema judicial versus evolução dos hábitos das famílias e dos indivíduos acabou por estar na origem da demora dos processos judiciais e consequentes estrangulamentos. Só que em escassos anos as famílias portuguesas, que em 1990 ainda tinham uma taxa de poupança de cerca de 40% do seu rendimento disponível, apresentam actualmente taxas de endividamento da ordem dos 118 %. No reverso desta situação, refere Lacerda Machado, está a profunda alteração da sua relação com uma série de bens que fazem com que o património responsável pelas dívidas não possa ser encontrado nas casas, hipotecadas ao banco, ou nos automóveis comprados em leasing. Hoje em dia, as cobranças têm de avançar para a penhora de ordenados e de contas bancárias. Lacerda Machado considera mesmo que logo que possível se deve evoluir para a penhora electrónica das contas bancárias. Mas mesmo aqui as notícias não são particularmente animadoras. Gomes da Cunha, presidente da Câmara dos Solicitadores, referiu ao DN que cerca de 70% das penhoras bancárias acabam por não se traduzir numa efectiva cobrança de dívidas. Baptista Coelho, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, refere que "o estrangulamento da acção executiva é o principal problema concreto com que se debate hoje a nossa justiça"».
In Diário de Notícias.
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