sábado, abril 01, 2006

Casamento homossexual

Por Paulo Lopes Marcelo, Advogado e professor da Faculdade de Direito de Lisboa.


«O casamento ‘à la carte’ implicará, a prazo, a aceitação da poligamia ou do incesto, esses “últimos tabus da sociedade burguesa”. Os livros do registo civil em Espanha substituíram as palavras “pai” e “mãe” por “progenitor A” e “progenitor B”. Esta radical alteração decorre da nova lei sobre o casamento homossexual. O tema é polémico e já ultrapassou a fronteira. Em primeiro lugar, quero afirmar que a sociedade nada tem que ver com as opções sentimentais e sexuais de cada um. O Estado não se deve meter na vida privada das pessoas, nem compete à lei regular a sexualidade. O casamento é uma coisa diferente. Tem relevância social e jurídica porque é o modo habitual de gerar e educar os filhos. Os defensores do casamento ‘gay’ tentam levar a discussão para o campo do sentimento – veja-se o mediático caso Teresa e Lena – com muita “política da linguagem” à mistura. Vamos pois tentar manter o debate no campo racional e objectivo. A lei não proíbe o casamento dos homossexuais, mas apenas o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aliás o Código Civil português também impede o casamento de familiares próximos (consanguinidade) ou dos menores. Será isso discriminatório? Discriminar é tratar de forma diferente pessoas em idênticas circunstâncias, o que não acontece neste caso. Exigir a diferença sexual como condição para o casamento decorre da natureza das coisas: só a união entre um homem e uma mulher pode gerar descendência. O casamento não tem necessariamente de gerar filhos, mas pressupõe essa possibilidade. Vai bem a Constituição portuguesa (artigo 36.º) ao relacionar família, casamento e filiação, tal como ocorre na maioria das constituições ocidentais. Podemos gostar mais ou menos do casamento, mas é impossível suprimir a sua essência enquanto relação estável entre homem e mulher que assegura a geração e educação das gerações futuras. O casamento é estruturante na organização social, fonte de coesão e solidariedade. Apenas por isso se justifica a intervenção da lei. O casamento baseia-se na complementaridade biológica e psicológica entre os sexos, com potencial de gerar descendência. Uma polaridade feminino-masculino – elas de Vénus, eles de Marte – que é fonte de riqueza e diversidade. Mesmo nas sociedades onde a homossexualidade era socialmente aceite, como a Grécia antiga, reservava-se o casamento para a união estável com possibilidade natural de descendência. Um outro argumento importante é o seguinte: admitir o casamento homossexual conduz, inevitavelmente, à adopção de crianças por casais homossexuais. Basta saber um pouco de Direito da Família para perceber que a adopção procura imitar a natureza. A filiação adoptiva deve construir-se à imagem da filiação biológica pai-mãe-filho, sem que isso signifique qualquer discriminação. Há limites para as escolhas individuais, sobretudo quando envolvem terceiros que carecem de protecção como é o caso das crianças. Com as crianças não se fazem experiências, por mais “fracturantes” e eleitoralmente atractivas que sejam. Pode ser trágico. Aliás, a psicologia refere que a existência de um modelo masculino e feminino é importante para a formação da personalidade. A perspectiva não deve ser, pois, a dos direitos dos homossexuais mas a dos direitos da criança, procurando reconstituir uma situação de “normalidade” afectiva e familiar. O Estado deve defender esses direitos, mesmo perante as pressões mediáticas. Os modelos de casamento e de família sofreram variações históricas e geográficas, mas com uma constante: sempre se considerou que as estas instituições transcendem o interesse meramente individual, por mais legítimo que seja. O casamento ‘à la carte’ implicará, a prazo, a aceitação da poligamia ou do incesto, esses “últimos tabus da sociedade burguesa”. Privatizar totalmente o casamento é uma irresponsabilidade e uma cedência ao individualismo social dominante. A lei pode proteger a união de pessoas homossexuais, que merecem todo o respeito, aperfeiçoando o regime jurídico da União de facto, mas sem equiparar ao casamento. Tal seria artificial e com consequências imprevisíveis. Argumentar contra o casamento homossexual não implica “reaccionário”, “intolerante” ou “homofóbico”, esses novos rótulos moralistas dos politicamente correctos. Recordo-me das palavras do ex-Primeiro-Ministro socialista francês Lionel Jospin, opositor do casamento ‘gay’: “a humanidade não se divide entre homossexuais e heterossexuais, mas entre homens e mulheres”. A instituição socialmente valiosa e insubstituível que une ambos é o casamento».

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