Direitos Humanos e Independência Judicial
Entre 14 e 17 de setembro em Atibaia, São Paulo juízes e promotores de seis países debateram, no V Seminário Internacional de Independência Judicial, os problemas enfrentados pelos sistemas judiciais da região. Na mesma ocasião, foi firmado o protocolo de ação da Federação de Associações de Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe – FJD, consolidando-se como um instrumento de atuação internacional da entidade diante dos constantes atentados à independência judicial, perpetrados no continente.
O evento abortou a “Independência Judicial” como direito humano universal, porque compõe a normativa internacional de Direitos Humanos. A agenda cumpriu a inclusão de temas como acesso à justiça, redução da distância entre população e Poder Judiciário, otimização da litigância como estratégia de proteção dos Direitos Humanos; democratização dos órgãos do Poder judiciário com a desconcentração interna do poder e inclusão de mecanismos de monitoramento da demanda judicial, pela sistematização de dados estatísticos visando à implementação de políticas voltadas à acessibilidade.
As delegações revelaram a necessidade imperiosa de implementarmos uma cultura de Direitos Humanos, como via de abolir os modelos permissivos com violações, uma realidade que reflete a existência de democracias políticas incompletas e Estados de Direito de baixa densidade. Apesar de habitarmos países constitucionalmente democráticos, observamos uma dramática ausência de efetividade dos Direitos Humanos. Poucos são os latino-americanos vinculados a planos de atendimento médico ou a um ensino de qualidade. Nosso sistema prisional reedita o modelo medieval de penas, e a tortura continua sendo um método de investigação criminal. Os sistemas judiciais são submetidos ao executivo, por meio de leis que asseguram a concentração de poder em cúpulas.
A demanda social na América Latina exige um juiz democrático, com preparo técnico e científico, isento, mas não neutro, porque deve estar comprometido com os Direitos Humanos. Antonio Doñate, juiz espanhol, participante do Seminário, disse que “o juiz deve ser independente de si próprio”, e não deve colocar sua consciência em contradição com a ética constitucional de seu país. Não deve motivar suas decisões, por exemplo, com sua moral religiosa, não deve impor sua fé a algum cidadão ou cidadã. O juiz democrático não deve temer a mídia, porque a crítica pública é uma forma de afirmação de sua independência, sem deixar de reconhecer que o juiz utópico da mídia é o que ganha pouco e julga milhões de processos, expressando resultados que os segmentos dominantes conceituam como justiça. Lembrando a América pré-colombiana, a referência aos princípios comunitários dos Maias expressa com singular precisão os objetivos do encontro: “A autoridade não é o que dá ordem, mas o que cumpre a ordem de sua sociedade.”
O associativismo judicial também foi debatido pela sua relevância como meio de garantir a independência judicial, mas exercido com pluralismo e independente em relação ao tribunais. Existem embates em que os juízes não devem envolver-se individualmente, mas devem agir por um coletivo interligado, que são as associações de juízes. Dessa forma, as associações funcionam como via de direção e democratização do Poder Judiciário. Contudo as associações não devem ser partidos de juízes com vista ao exercício do Poder nos tribunais, mas devem atuar no fortalecimento das garantias judiciais, porque, no sistema de divisão de poderes do estado, o judiciário não é o ente de expressão da vontade da maioria, mas o limitador desse poder.
A jurista Flávia Piovesan, também palestrante no evento, sustentou que alguns desafios são bem visíveis para termos um judiciário democrático e independente: a independência nas decisões e da interpretação; a rigorosa observação do princípio do juiz natural; a capacitação da magistratura em Direitos Humanos de forma a termos um juiz garantidor dos direitos constitucionais fundamentais; democratização na administração e no planejamento orçamentário do poder Judiciário e a existência de canais democráticos com a sociedade civil.
O respeito a esses preceitos obsta a vetusta prática da magistratura mais antiga impor posições aos juízes mais jovens, estabelecendo uma verticalização incompatível com a funcionalidade do Poder Judiciário.
Por fim, o Seminário enfrentou, pela via crítica, o problema do ensino jurídico no Brasil. Nesse tópico o Filósofo Roberto Romano questionou o sistema de especialização do ensino, para quem o especialista é alguém que sabe mais de menos coisa e é um alienado em relação ao todo. Citando Rousseau: “A criança que conhece somente seus pais, não os conhece bem.” Com essa concepção, propôs um ensino jurídico ligado a todos os ramos do saber com um perfil dialógico. Posição crítica mais contundente foi a do Educador Yves de La Taille, inspirado na teoria de Piaget: advertiu que a percepção dos Direitos Humanos no Brasil está muito ligada aos estágios do conhecimento. As pessoas que atingem, pelo ensino, somente os primeiros estágios do aprendizado, não conseguem o nível de sofisticação moral necessária para superar a idéia de que Direitos Humanos é para proteger “bandidos”.
João Ricardo dos Santos Costa.
O evento abortou a “Independência Judicial” como direito humano universal, porque compõe a normativa internacional de Direitos Humanos. A agenda cumpriu a inclusão de temas como acesso à justiça, redução da distância entre população e Poder Judiciário, otimização da litigância como estratégia de proteção dos Direitos Humanos; democratização dos órgãos do Poder judiciário com a desconcentração interna do poder e inclusão de mecanismos de monitoramento da demanda judicial, pela sistematização de dados estatísticos visando à implementação de políticas voltadas à acessibilidade.
As delegações revelaram a necessidade imperiosa de implementarmos uma cultura de Direitos Humanos, como via de abolir os modelos permissivos com violações, uma realidade que reflete a existência de democracias políticas incompletas e Estados de Direito de baixa densidade. Apesar de habitarmos países constitucionalmente democráticos, observamos uma dramática ausência de efetividade dos Direitos Humanos. Poucos são os latino-americanos vinculados a planos de atendimento médico ou a um ensino de qualidade. Nosso sistema prisional reedita o modelo medieval de penas, e a tortura continua sendo um método de investigação criminal. Os sistemas judiciais são submetidos ao executivo, por meio de leis que asseguram a concentração de poder em cúpulas.
A demanda social na América Latina exige um juiz democrático, com preparo técnico e científico, isento, mas não neutro, porque deve estar comprometido com os Direitos Humanos. Antonio Doñate, juiz espanhol, participante do Seminário, disse que “o juiz deve ser independente de si próprio”, e não deve colocar sua consciência em contradição com a ética constitucional de seu país. Não deve motivar suas decisões, por exemplo, com sua moral religiosa, não deve impor sua fé a algum cidadão ou cidadã. O juiz democrático não deve temer a mídia, porque a crítica pública é uma forma de afirmação de sua independência, sem deixar de reconhecer que o juiz utópico da mídia é o que ganha pouco e julga milhões de processos, expressando resultados que os segmentos dominantes conceituam como justiça. Lembrando a América pré-colombiana, a referência aos princípios comunitários dos Maias expressa com singular precisão os objetivos do encontro: “A autoridade não é o que dá ordem, mas o que cumpre a ordem de sua sociedade.”
O associativismo judicial também foi debatido pela sua relevância como meio de garantir a independência judicial, mas exercido com pluralismo e independente em relação ao tribunais. Existem embates em que os juízes não devem envolver-se individualmente, mas devem agir por um coletivo interligado, que são as associações de juízes. Dessa forma, as associações funcionam como via de direção e democratização do Poder Judiciário. Contudo as associações não devem ser partidos de juízes com vista ao exercício do Poder nos tribunais, mas devem atuar no fortalecimento das garantias judiciais, porque, no sistema de divisão de poderes do estado, o judiciário não é o ente de expressão da vontade da maioria, mas o limitador desse poder.
A jurista Flávia Piovesan, também palestrante no evento, sustentou que alguns desafios são bem visíveis para termos um judiciário democrático e independente: a independência nas decisões e da interpretação; a rigorosa observação do princípio do juiz natural; a capacitação da magistratura em Direitos Humanos de forma a termos um juiz garantidor dos direitos constitucionais fundamentais; democratização na administração e no planejamento orçamentário do poder Judiciário e a existência de canais democráticos com a sociedade civil.
O respeito a esses preceitos obsta a vetusta prática da magistratura mais antiga impor posições aos juízes mais jovens, estabelecendo uma verticalização incompatível com a funcionalidade do Poder Judiciário.
Por fim, o Seminário enfrentou, pela via crítica, o problema do ensino jurídico no Brasil. Nesse tópico o Filósofo Roberto Romano questionou o sistema de especialização do ensino, para quem o especialista é alguém que sabe mais de menos coisa e é um alienado em relação ao todo. Citando Rousseau: “A criança que conhece somente seus pais, não os conhece bem.” Com essa concepção, propôs um ensino jurídico ligado a todos os ramos do saber com um perfil dialógico. Posição crítica mais contundente foi a do Educador Yves de La Taille, inspirado na teoria de Piaget: advertiu que a percepção dos Direitos Humanos no Brasil está muito ligada aos estágios do conhecimento. As pessoas que atingem, pelo ensino, somente os primeiros estágios do aprendizado, não conseguem o nível de sofisticação moral necessária para superar a idéia de que Direitos Humanos é para proteger “bandidos”.
João Ricardo dos Santos Costa.
Juiz de Direito, membro do Conselho da Associação Juízes para Democracia.
In Fórum Mundial de Juízes.
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