sábado, novembro 24, 2007

Precisa-se de um veto

Há erros cometidos pelo Governo que parecem resultar de apreciações muito primárias, sem tomar nenhuma cautela ou consciência das consequências que produzem. O mínimo cuidado e ponderação conduziria necessariamente a outras soluções. É o caso da proposta de integração no regime geral da Função Pública de juízes e magistrados, passando-se por cima de princípios consagrados na Constituição.
Cometeu-se assim um erro grosseiramente inconstitucional, sobretudo em relação aos juízes, que abriu mais uma frente de contestação aos actos do Governo e a saída a terreiro de pessoas várias ligadas ao mundo da justiça, entre as quais o procurador-geral da República.
Em entrevista à ‘Visão’, Pinto Monteiro diz tudo o que pensa sobre a decisão imprevidente do Governo e avisa/ameaça que não aceitará ser um PGR dependente do poder político. Pode ter havido alguma ousadia do Procurador mas incomoda pensar que no Ministério das Finanças ninguém avaliou as consequências de uma decisão que significaria, como diz o Procurador, “o fim da independência dos tribunais”. Ontem, na aprovação final da lei do Orçamento, o Governo corrigiu em parte esta aberração. Isto é, excepcionou os juízes e os magistrados do Ministério Público do regime geral da Função Pública. Todavia, a verdade é que, anteriormente, a Assembleia da República já tinha aprovado o regime geral da Função Pública, explicitando que os magistrados se tinham de adequar, em termos remuneratórios, a esse regime.
É óbvio que há aqui uma contradição que precisa de ser sanada entre a lei que cria o regime geral da Função Pública, anteriormente aprovado, e a correcção introduzida no Orçamento ontem aprovado. Significa isto que para salvar a “honra do convento” é bem avisado que o Presidente da República vete a lei para permitir que a AR tenha oportunidade de corrigir o erro, retirando desse regime os magistrados.
O veto presidencial é assim uma decisão bem-vinda e consensual. Pronunciaram-se sobre este assunto todos os actores do edifício judicial, mas talvez valha a pena precisar que a situação não é integralmente penalizadora para todos. O MP (que não o magistrado Pinto Monteiro) era e é integrável na Função Pública. Os magistrados do MP não são titulares de nenhum órgão de soberania, ao contrário dos juízes. Constituem uma magistratura dependente, com uma cadeia hierárquica estabelecida. Desde que seja garantida a sua autonomia funcional e o seu estatuto único na direcção da investigação criminal, não vejo nenhuma incompatibilidade constitucional ou de outra natureza para não se integrarem na Função Pública, como altos cargos da administração pública.
Não se passa o mesmo com os juízes. Constitucionalmente, são titulares de um órgão de soberania (tribunais), têm um estatuto de isenção, imparcialidade, independência, inamovibilidade e exclusividade, têm por isso (e devem ter) regimes próprios de avaliação, em paridade com o Governo e a AR. É aqui que o erro brada aos céus porque não se percebeu que os juízes não podem ser funcionários públicos.
Emídio Rangel, In Correio da Manhã.

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