sexta-feira, dezembro 14, 2007

Férias de 2 meses para Juiz

BRASÍLIA - A campanha para a presidência da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) foi tensa. Mozart Valadares, membro da diretoria da instituição, ouviu de seus adversários acusações de uso da máquina para manter-se no poder. Apesar dos contratempos, terminou vitorioso com 82% dos votos e tomará posse na quarta-feira. A principal bandeira do candidato foi o compromisso de lutar pela manutenção de direitos da categoria. Para ele, os dois meses de férias por ano, garantidos por lei, são fundamentais para compensar a dedicação dos juízes a processos em feriados e finais de semana. Mozart também defende que seus colegas continuem se aposentando obrigatoriamente aos 70 anos de idade. O Congresso Nacional tem planos de ampliar o tempo de trabalho dos magistrados.
O GLOBO - Como será a gestão do senhor?
Mozart Valadares - Teremos dois campos de atuação. Um deles é o fortalecimento e a consolidação das garantias constitucionais da magistratura brasileira. Nós não admitimos, por hipótese nenhuma, qualquer arranhão na independência do Poder Judiciário e do magistrado brasileiro. E temos também uma preocupação social. Queremos participar na discussão dos grandes temas nacionais e contribuir para que esse país seja mais igual, menos corrupto e mais justo com os seus cidadãos.
O GLOBO - O senhor acha justificável que os magistrados tenham direito a dois meses de férias por ano, o dobro dos demais trabalhadores brasileiros?
Mozart - Sei que a população tem dificuldade de entender, mas é necessário. Não é um privilégio, é uma garantia que serve muito mais à sociedade. Por exemplo, se um servidor público quer entrar na vida partidária, ganha três meses de licença remunerada. Se ele se eleger deputado, pode passar 20 anos no cargo e depois voltar para o serviço público sem concurso, e aquele tempo que ele passou fora conta para a sua aposentadoria. Ao magistrado não é dado esse direito. O deputado Flávio Dino (PC do B-MA) quis ser parlamentar e pediu exoneração de juiz federal. Se ele quiser voltar, terá de ser submetido a outro concurso.
O GLOBO - Mas o senhor está justificando um privilégio com base em outro.
Mozart - Não é privilégio, é garantia. O meu compromisso não inicia ao meio-dia e se encerra às 18h. Costumo dizer que o serviço mais leve do magistrado é desempenhado no local de trabalho, que é participar de audiência, dar um despacho e receber as partes. As grandes questões, as sentenças de mérito, ele leva para sua residência. Ele ocupa um feriado, o tempo de convívio familiar, decidindo questões mais complexas. Então esses 60 dias se justificam, em virtude de que nós temos trabalho extra do ambiente de trabalho.
O GLOBO - O senhor acha que os juízes trabalham mais que qualquer outro servidor?
Mozart - Não é isso. Eu estou dizendo que o servidor público comum entra no seu ambiente de trabalho ao meio-dia e sai às 18h e ali acabou. No dia em que o magistrado tiver esse tratamento, se já se reclama da morosidade, aí vai ser um caos completo. Outra coisa, o servidor público comum tem, de dez em dez anos, seis meses de licença-prêmio. O magistrado não tem isso. Então nós temos algumas características que diferenciam a nossa atividade. Aí por isso se justifica esse período de 60 dias de férias.
O GLOBO - Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que aumenta o tempo de trabalho dos magistrados. O senhor concorda com isso?
Mozart - A manutenção da aposentadoria compulsória aos 70 anos é outra batalha que vamos travar. A maioria esmagadora da magistratura brasileira defende a aposentadoria aos 70 anos. Se essa medida vier a ser implantada, será desastrosa. Ela terá repercussão obrigatória na qualidade do serviço prestado pelo Judiciário.
O GLOBO - As férias coletivas foram banidas dos tribunais em 2004 e agora há um movimento de juízes e advogados para retomar a prática. Qual a posição do senhor sobre isso?
Mozart - Eu não vejo com simpatia as férias coletivas, eu acho que prejudica o serviço prestado. A Justiça é um serviço essencial. Os juízes reclamam que, quando estão de férias, os promotores estão trabalhando, e quando voltam, os promotores saem de férias. Isso prejudicaria o serviço prestado. Acho que isso é uma questão de entendimento entre o Judiciário e o Ministério Público. Através de um planejamento, podemos solucionar isso. Já existe excesso de processos, e os juízes têm uma carga de trabalho estressante. Se o Judiciário ficar fechado um mês, vai piorar.
O GLOBO - Mas os juízes têm feito um acordos para tirar férias coletivas em janeiro e deixar apenas alguns colegas de plantão. Assim, estão burlando a proibição.
Mozart - Isso é questão de planejamento. Não depende de legislação, e sim do administrador. O presidente do tribunal pode indeferir o pedido de férias de uma quantidade grande de juízes.
O GLOBO - O que o senhor acha do foro privilegiado para autoridades?
Mozart - Isso sim é um privilégio. A tradição do Judiciário brasileiro não é que os tribunais superiores façam instrução penal e colham provas. Aí há uma verdadeira eternização do processo, sem julgamento, e quando vem o julgamento a sociedade fica com a sensação de impunidade. O agente público deve estar submetido às mesmas leis de qualquer cidadão brasileiro.
O GLOBO - O senhor concorda com o critério de nomeação para tribunais superiores (os ministros são escolhidos diretamente pelo presidente da República)?
Mozart - Temos uma grande preocupação com o acesso aos tribunais superiores. É uma bandeira antiga da AMB que nós possamos introduzir na legislação brasileira algum mecanismo que possa diminuir o poder político na nomeação dos ministros.
O GLOBO - Qual seria a melhor forma de nomeação?
Mozart - Defendemos uma quarentena de três anos para que a pessoa possa ser nomeada para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, uma pessoa que esteja exercendo um cargo público não poderia ir direto para o STF. Hoje, um auxiliar direto do presidente da República pode ser nomeado ministro, e isso só depende da vontade do presidente.
O GLOBO - Até o fim do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá nomeado mais da metade dos ministros de tribunais superiores. O senhor teme que esses tribunais adquiram um perfil mais governista?
Mozart - Não traz preocupação, pela integridade moral e ética dos ministros. O que me preocupa é que a sociedade possa imaginar que esses ministros possam se submeter à vontade do Executivo. Para o fortalecimento da democracia, é necessário que tenhamos instituições com credibilidade.
O GLOBO - Que outras mudanças precisam ser feitas no Judiciário?
Mozart - Pretendemos implementar mais democracia nos tribunais. Queremos que os magistrados brasileiros possam participar da escolha dos presidentes dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho. O sistema atual é tão perverso, que só observa o critério de antigüidade. Por isso, ninguém que vai assumir a presidência de um tribunal precisa apresentar um plano de gestão com prioridades. É como se fosse um presente de final de carreira. E todos nós sabemos que nem todos os magistrados têm aptidão para administração. Eu tenho plena convicção que o orçamento do Judiciário não é suficiente, mas se for dada prioridade às reais necessidades, poderemos ultrapassar grandes carência materiais para o bom funcionamento dos tribunais.
In O Globo, Online.

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