terça-feira, janeiro 29, 2008

Discurso do Ministro da Justiça na sessão solene de Abertura do Ano Judicial, em Lisboa

Senhor Presidente da RepúblicaSenhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Senhor Presidente do Supremo Tribunal Administrativo
Senhor Presidente do Tribunal de Contas
Senhor Procurador-Geral da República
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados
Senhor Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas
Senhor Provedor de Justiça
Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa
Senhor Presidente do Tribunal das Comunidades Europeias (faz-se representar)
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de França
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Polónia (faz-se representar)
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da República Checa
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Hungria
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Angola
Senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe
Senhora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau
Senhores Magistrados Judicias
Senhores Magistrados do Ministério Público
Senhores Advogados
Ilustres Convidados
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Vimos de um ano de reformas.
Na esfera da justiça criminal actualizámos o Código Penal, fizemos a revisão do Código de Processo Penal, introduzimos a mediação penal, aprovámos a primeira lei de Política Criminal, adoptámos um novo quadro legal para a chamada corrupção desportiva e iniciativas legislativas sobre branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e protecção de testemunhas, passando a compreender a corrupção.
Na esfera cível temos em vigor um regime experimental de processo civil em comarcas das áreas metropolitanas, aprovámos a reforma dos recursos cíveis, adoptámos soluções intercalares, em benefício da justiça especializada, que vêm ampliar o número de juízos de execução e dos tribunais e juízos de família e menores, trabalho e comércio.
Levámos a cabo reformas no domínio da gestão e do acesso às magistraturas.
Está agora em vigor uma lei orgânica do Conselho Superior de Magistratura que lhe atribui, pela primeira vez, autonomia administrativa e financeira.
E está em vigor também uma reforma de acesso às magistraturas, consagrando importantes inovações.
Continuámos a combater os factores de congestionamento dos tribunais, numa acção de sentido estratégico e recorrendo a uma gama diversificada de instrumentos, estruturados em planos publicados.
Entre 1995 e 2005, os processos pendentes no sistema judicial português cresceram, em média, na ordem dos 100 000 a 120 000 processos por ano.
Há um ano anunciámos nesta cerimónia que esse processo de crescimento exponencial das pendências tinha sido detido. Depois de um período tão prolongado, alcançamos pela primeira vez resultados positivos.
Estou agora em condições de dizer que em 2007 voltámos a conseguir e consolidamos os resultados alcançados. É a primeira vez, desde 1991, que se consegue fixar uma tendência de dois anos seguidos de não crescimento da pendência.
É particularmente significativa a circunstância de ser a área cível a apresentar o saldo processual mais favorável.
Estamos a vencer uma tendência de longa duração implantada no nosso sistema judicial, que aos processos pendentes acumulados acrescentava todos os anos uma centena de milhar de processos por resolver, numa espécie de pilha em crescimento vertiginoso, que foi agora interceptado.
Quero homenagear e saudar neste acto todos aqueles que nos tribunais – juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, solicitadores, funcionários judiciais – contribuíram para tornar reais este resultados. Sem o seu profissionalismo e o seu empenho, a sua abertura à inovação, não teria sido possível.
O particularismo de Lisboa e do Porto como áreas de extrema concentração de litigiosidade – aí se têm fixado mais de 2/3 dos processos – levou-nos a adoptar diversas medidas legislativas e organizativas com especial incidência nessas áreas.
As medidas adoptadas conduziram a descidas muito expressivas no número de acções pendentes, quer declarativas quer executivas, em Lisboa e no Porto, e a uma melhor distribuição à escala nacional.
Na comarca de Lisboa, as acções declarativas e executivas pendentes tiveram uma redução significativa em 2006. E essa tendência confirmou-se em 2007. O mesmo no Porto.
Para além dos efeitos favoráveis sobre a qualidade da resposta, em relação a uma tão elevada percentagem de processos, criam-se assim também melhores condições para a implantação do futuro mapa judiciário.
Vimos de uma Presidência Portuguesa da União Europeia com forte incidência na área da justiça – do direito da família ao direito penal, do comercial ao internacional privado.
Este Supremo Tribunal fica associado à criação de tramitações urgentes no Tribunal de Justiça das Comunidades, pois foi aqui mesmo que iniciámos, com a presença de elevado número de membros do Tribunal, o debate dessa reforma, levada a cabo durante a Presidência portuguesa.
Com reflexos importantes nos nossos tribunais, gostaria de mencionar a Convenção de Haia sobre Obrigações Alimentares, adoptada durante a nossa Presidência, tendo por objectivo facilitar a cobrança de alimentos, à escala europeia e global. A protecção das crianças constituiu justamente uma das nossas prioridades e um dos temas do Conselho Informal de Lisboa.
Fizemos também fazer aprovar, em difícil co-decisão, o regulamento que passará a determinar a lei aplicável às obrigações contratuais, nomeadamente nos contratos entre empresas e consumidores.
Com a integração europeia e a globalização, e com a celebração quotidiana de milhares de contratos onde constitui problema a determinação da lei aplicável, são matérias que de uma forma crescente baterão à porta dos nossos tribunais.
Estamos certos que o regulamento aprovado na nossa Presidência constituirá um contributo duradouro para maior equilíbrio e certeza nas relações jurídicas.
Vimos também de um ano de intensa simplificação e desmaterialização de actos e procedimentos, em benefício de cidadãos e de empresas, em particular noutros subsistemas da justiça.
Em actos relacionados com a constituição de empresas, registo comercial, informação empresarial, certidão permanente, aquisição de casa, documento único automóvel, escrituração mercantil, as inovações eliminaram mais de quatro milhões de actos e deslocações por ano – isto sem falar nos actos de controle associados, de que os velhos livros de escrituração mercantil constituem apenas um exemplo.
Queremos proporcionar no âmbito do sistema judicial, salvaguardando todas as suas especificidades, os ganhos já reconhecidos noutros sectores da justiça.
Vimos de um ano de reformas e vamos para um ano de reformas.
A desmaterialização continuará a ser uma das nossas prioridades.
Essa é a via também em toda a Europa.
Ainda durante este trimestre, contamos disponibilizar novas formas de acesso e de entrega de peças processuais e de documentos por via electrónica.
Vamos também introduzir a utilização de assinaturas digitais e uma aplicação informática para o Ministério Público, utilizando a mesma plataforma que a aplicação dos magistrados judiciais. Assim os magistrados do Ministério Público poderão beneficiar de um instrumento de trabalho que elimina passos burocráticos desnecessários, designadamente na relação com os órgãos de polícia criminal.
A adesão de 850 magistrados, que já receberam formação neste domínio, é a prova de que a aposta modernizadora é levada a sério e tem futuro.
A Assembleia da República irá debruçar-se nos próximos meses sobre várias propostas de lei de grande importância. Referir-me-ei apenas a duas.
A revisão do regime da acção executiva visa enfrentar um dos problemas mais ostensivos da nossa vida judicial. Mas visa também transmitir um sinal à sociedade, onde é necessário reforçar o sentido do cumprimento. Daí que o acesso a uma lista de execuções frustradas seja um elemento necessário desse sinal.
Contamos com essa reforma, não apenas para resolver os problemas da reforma da acção executiva de há uns anos, mas também para alterar o panorama da acção executiva das últimas décadas.
A revisão do mapa judiciário enfrenta também um problema que, estando há muito diagnosticado, tem vindo a ser adiado e agravado.
Com a reforma pretende-se melhor acesso a uma justiça mais pronta e, sempre que possível, especializada, num mundo em que a desmaterialização avança e os destinatários da justiça já não podem confundir-se com os personagens de Júlio Dinis.
Combinar, dum lado, os vectores da racionalidade, da gestão e da modernização tecnológica e, do outro, os valores do acesso e da proximidade – é esse o verdadeiro desígnio desta reforma.
Para esta acção reformadora, para a modulação das soluções concretas, é valioso o contributo profissional, o contributo da experiência e do saber.
Para lá dos estudos de especialidade, foram já muitos os participantes na preparação do projecto, nomeadamente representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, do COJ [Conselho dos Oficiais de Justiça] e da Câmara dos Solicitadores. Mas é agora a oportunidade de se ampliarem os contributos.
Vamos substituir o modelo das 230 circunscrições, de raiz oitocentista, por uma solução adequada aos nossos dias: algumas dezenas de comarcas redimensionadas, tendencialmente obtidas por agregação, com desdobramentos e especializações, salvaguardando níveis de proximidade, com novas condições de liderança e de gestão. Não é apenas uma oportunidade rara para uma geração. É uma oportunidade para muitas gerações.
O primeiro Presidente deste Supremo Tribunal – já aqui evocado - combateu e arriscou a vida pela liberdade, esteve três vezes exilado, recusou sempre ser nobilitado.
A sua vida e a sua acção estão intimamente ligados à afirmação do princípio da separação de poderes, trazido de volta à sociedade portuguesa após o 25 de Abril, com a Constituição de 1976.
Sob a sua inspiração, quero reafirmar aqui o carácter essencial desse princípio e o mútuo respeito e sentido da auto-limitação que ele a todos impõe.
Nesta abertura do ano judicial, saúdo, na pessoa de V. Exa. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, todos os que nos Tribunais dão o seu concurso quotidiano para que a justiça seja administrada em nome do Povo.
E quero também, através dos Presidentes e representantes dos Altos Tribunais da Europa e da África que nos dão a honra da sua presença, nesta abertura de uma nova página, saudar todos os que, não importa em que continente, dedicam a sua actividade à luta pelo Estado Democrático de Direito e pela Justiça.
In Portal do Governo.

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