Juízes ao ataque
Estarão os magistrados portugueses a preparar-se para assumir o protagonismo dos seus colegas italianos?
Enquanto Portugal e Espanha estudam a hipótese de uma candidatura conjunta ao Mundial de Futebol de 2018, há já uma frente ibérica formada e que vai irromper com estrondo: num momento em que, nos dois países, as relações entre o poder judicial e o poder político estão num clima de crispação inédito, os juízes portugueses e espanhóis decidiram unir-se na organização do 1.º Congresso Ibérico do Poder Judicial, a decorrer em Lisboa, no próximo dia 25 de Janeiro. Nessa assembleia, os 7 mil magistrados da Península aprovarão uma carta de 20 princípios, em que declaram não admitir qualquer intromissão no poder judicial por parte do poder político e em que criticam, sem meias palavras, alguns projectos-lei governamentais que, na sua óptica, podem levar à funcionalização e perda de independência.
Enquanto Portugal e Espanha estudam a hipótese de uma candidatura conjunta ao Mundial de Futebol de 2018, há já uma frente ibérica formada e que vai irromper com estrondo: num momento em que, nos dois países, as relações entre o poder judicial e o poder político estão num clima de crispação inédito, os juízes portugueses e espanhóis decidiram unir-se na organização do 1.º Congresso Ibérico do Poder Judicial, a decorrer em Lisboa, no próximo dia 25 de Janeiro. Nessa assembleia, os 7 mil magistrados da Península aprovarão uma carta de 20 princípios, em que declaram não admitir qualquer intromissão no poder judicial por parte do poder político e em que criticam, sem meias palavras, alguns projectos-lei governamentais que, na sua óptica, podem levar à funcionalização e perda de independência.
Esqueça-se, pois, o arquétipo do recato institucional dos juízes. O Congresso de Lisboa envolve gestos que valem mais do que mil palavras: nenhum ministro, deputado ou qualquer outro político será convidado. Magistrados ligados à preparação do congresso assumem mesmo, em declarações à VISÃO, que este é o maior sintoma da «perda de confiança do poder judicial no poder político». Uma frase que tanto se destina a Sócrates como a Zapatero. O porta-voz do movimento, Carlos Marinho, contemporiza e diz que o congresso «tem como destinatário o cidadão, para que continue a confiar no poder judicial». Mas diz também, sem rodeios, que o evento servirá para «lembrar que há um poder judicial independente e que há selos do sistema em que não se deve mexer». Marinho critica a intenção do Governo de, no novo mapa judiciário, pôr juízes a chefiar outros juízes, bem como a anunciada criação de uma comissão externa aos tribunais que decidirá sobre promoções. «Um juiz intimidado não é livre e, a acontecer isso, é a própria tutela da democracia que está em causa», enfatiza. Carlos Marinho, que não quer «outras pessoas a administrar as carreiras dos juízes e a própria Justiça, de forma politizada».
Um dos princípios a aprovar no Congresso vincará, precisamente, a rejeição da politização da Justiça e da participação dos juízes em quaisquer actividades partidárias, mas a verdade é que, para vários dos envolvidos, o evento marcará, decisivamente, a entrada em vigor de uma nova relação entre os poderes judicial e político.
Ninguém parece defender o modelo da «república dos juízes» italiana, dos anos 90, decorrente da Operação Mãos Limpas contra a máfia, mas é consensual que o aumento da mediatização da acção dos magistrados, na sequência da vaga de processos-crime envolvendo figuras de topo da sociedade portuguesa, deu origem a uma maior intervenção do poder judicial no espaço público. «Viemos ocupar um espaço em que é possível o exercício da acção política», acrescenta um juiz.
DO CINTO AO STRESSE
DO CINTO AO STRESSE
«O poder judicial vai afirmar-se politicamente, disso não há dúvida», estima Nuno Garoupa, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Illinois, nos EUA, para quem o modelo português seguirá «de forma irreversível» o figurino italiano ou espanhol. Para este especialista, a Justiça lusa está a desapertar o «cinto formalista» que a envolveu nos últimos cem anos e que serviu para «proteger o poder judicial dos ciclos políticos» bem como dos «ajustes de contas» entre as várias corporações (políticas, militares, religiosas e outras) que compõem o Estado. A exposição mediática da Justiça, completa Nuno Garoupa, levará o poder judicial «a acordar da longa letargia que o protegeu e imunizou durante tantos anos».O sociólogo Boaventura Sousa Santos também observa um «aumento do protagonismo social e político do sistema judiciário». Mas deixa um alerta: «O problema é que isso leva a que se criem expectativas positivas elevadas a respeito do poder judicial, esperando-se que ele resolva problemas que o sistema político não resolve e que, no quadro do princípio da separação de poderes, deveriam por ele serem resolvidos.» Nesses casos sucede «que o sistema judiciário não corresponde à expectativa e, rapidamente, passa de solução a problema». Cria-se, então, afiança, um clima de «stresse institucional entre o poder político e o judicial».
O porta-voz do Congresso, Carlos Marinho, recusa qualquer intenção dos juízes de desejarem outros poderes de Estado e assevera que, «quando muito, queremos ajudar o Governo a ir pelo caminho certo, tal como o navegador que vai ao lado do piloto».
O futuro dirá quem tem a mão na caixa de velocidades.
Magistrados superestrelas
ANTÓNIO DI PIETRO
Magistrados superestrelas
ANTÓNIO DI PIETRO
Ex-magistrado italiano da Promotoria Publica (congénere do Ministério Público português), é ministro das Infra-estruturas do Governo Prodi (centro-esquerda) e fundador do partido «Itália dos valores», após ter protagonizado a famosa Operação Mãos Limpas que abalou a política transalpina.
BALTAZAR GARZÓN
BALTAZAR GARZÓN
Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal da Audiência Nacional espanhola. Celebrizado pelas suas acções contra a ETA, ganhou notoriedade mundial pelo tentativa de extraditar o ex-ditador chileno Augusto Pinochet.
MARIA JOSÉ MORGADO
MARIA JOSÉ MORGADO
Procuradora-geral adjunta do Ministério Público, trocou a política (foi dirigente maoísta, na juventude) pelas investigações criminais.
Dirigiu o combate da PJ ao crimes económico, que deixou, abruptamente, em colisão com a ministra Celeste Cardona.
Actualmente, dirige o DIAP.
Retirado do sítio do SMMP.
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