segunda-feira, janeiro 28, 2008

O iberismo na justiça e os media

Realizou-se anteontem, em Lisboa, o 1.º Congresso Ibérico do Poder Judicial. Esta iniciativa, que congregou os juízes portugueses e espanhóis, foi inédita na vida do poder judicial e da justiça ibérica. Estiveram presentes o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura do Estado português, e o presidente do Tribunal Supremo Espanhol, que apresentaram notáveis comunicações na defesa intransigente da independência do poder judicial face aos demais poderes do Estado.
Várias foram as razões para a concretização deste evento. As duas principais prendem-se com a reafirmação de que é ilegítima a intromissão dos demais poderes do Estado na esfera de competência e actuação próprias do poder judicial e com a necessidade de deixar assinalado ao poder político que os Conselhos Superiores da Magistratura e os Conselhos Gerais da Magistratura ou do Poder Judicial espanhóis devem exercer a sua actividade com independência dos demais poderes do Estado e responsabilizar-se pelo autogoverno e tutela da independência interna e externa do poder judicial. Também neste foro se concluiu ser essencial que as reformas do sistema judicial sejam orientadas no interesse do cidadão, tendo por objecto uma justiça equitativa, eficaz, pacificadora das tensões sociais e de acesso universal. Outra matéria abordada, que constitui uma preocupação dos valores do Direito e da Justiça, foi a necessidade de colocar na agenda pública a auto-regulação do poder judicial, nos domínios da ética e dos deveres profissionais, recusando os juízes ibéricos a alienação do seu papel fundamental na definição do respectivo estatuto.
Como vêem, são questões de Estado, que estiveram presentes neste congresso, que marca o arranque de futuras iniciativas deste género à escala europeia. Sendo as questões da justiça uma preocupação também da União Europeia, pretendeu-se consolidar valores e princípios inalienáveis e contribuir no entendimento entre os juízes portugueses e espanhóis. São assuntos que mexem com a vida dos cidadãos, com o regular funcionamento das instituições e solidez do Estado de Direito. E se é assim, como explicar que estas temáticas e a presença das quartas figuras do Estado, não tivessem despertado interesse na cobertura noticiosa do evento?
Não desconheço que é preciso preparar bem o “embrulho” para despertar o interesse dos media. Não sei se nesta componente alguma coisa falhou. Ainda que tivesse havido algum erro de estratégia, as temáticas em discussão, num panorama ibérico, não eram, só por si, apelativas para os senhores jornalistas? Só há interesse público quando Sócrates e Zapatero se reúnem para resolver assuntos políticos ibéricos? Ou quando um jogador dá um murro num colega de equipa? Só há interesse público nas notícias de ‘faca e alguidar’?
Não querendo cometer a heresia de me intrometer nos critérios editoriais dos senhores jornalistas, aqui existe desigualdade de tratamento dos assuntos. Sem dúvida que um dos problemas que afecta os media é a ausência de critérios editoriais ou jornalísticos e a eventual manipulação desses critérios que, por vezes, estão ao serviço do decisor político e não do direito de informar e de ser informado. Que me desculpem os senhores jornalistas, mas assim não dá. Como escreve Bourdieu: “Os jornalistas têm ‘lentes’ especiais através das quais vêem certas coisas e não vêem outras, e através das quais vêem as coisas que vêem da forma especial por que as vêem.”
Por Rui Rangel, Juiz, In Correio da Manhã, On line.

Sem comentários: