As surpresas do verbo
Nos últimos meses, a opinião pública portuguesa tem sido surpreendida por declarações, algumas delas de teor bastante inesperado, por parte de Magistrados com altas funções no Estado português, ou por influentes causídicos, como o Bastonário da Ordem dos Advogados.
Tais declarações têm surgido durante discursos em actos públicos, ou em serenas entrevistas, recatadamente concedidas a órgãos de comunicação social de referência, havendo o cuidado de evitar outros meios de massa de menor qualidade, que em termos genéricos habitualmente se classificam como de “certa imprensa”.
Quer os discursos lidos, quer as entrevistas calmas, são em geral excelentes convites à meditação do discurso, e à apurada selecção dos sentidos e das intenções, entregando ao país temas de meditação ou propostas de mudança.
De facto, de tudo isso se acha nesses textos, posteriormente divulgados pelos media. Mas também tem acontecido insinuarem-se nestas intervenções certas frases ou expressões, que se têm prestado às mais desencontradas especulações.
O problema não tem sido que essas afirmações tenham acontecido, mas sim a sua evidente inoportunidade ou a sua flagrante desafinação, em relação, quer à realidade, quer ao prestígio do Estado Português.
De facto, causa uma penosa impressão a facilidade com que essas pessoas, cidadãos austeros e circunspectos, funcionários ou profissionais de carreira bem conhecida, calejados no cumprimento do dever e na correcta interpretação das leis, se deixam dominar pelo “sindroma do microfone”, e abrem as suas almas até próximo das raias da inocência.
É evidente que o problema da corrupção tem estado subjacente em várias das citadas intervenções. Mas, como de costume, ainda não foi agora que surgiram soluções eficazes, pelo que não há esperança de sairmos do velho ciclo em que o legislador faz uma lei, para no dia seguinte um prático lhe achar o furo.
E, felizmente, não se têm observado tendências como as italianas, de fazer vingar uma “República de Juízes”, concebida para ser politicamente dirigida por magistrados, visando contornar os graves problemas de corrupção com que o país se debate desde os tempos do Império Romano. Sobre esse tema, recomenda-se aos leitores um clássico de Bertold Brecht, “Os negócios do Senhor Júlio César”, para que se entenda que o assunto se mantém quase igual desde há 2000 anos.
Que resultados práticos têm saído destas surpresas do verbo? Que temos ganho com isto? Que se veja, muito pouco. Pelo contrário, o saldo até se tem revelado negativo.
Recordando a primeira entrevista do novo Procurador-Geral da República, veio à baila o problema das escutas telefónicas, que estariam desenfreadas. As Oposições, como é trivial, pediram comparência parlamentar do Magistrado. Depois de semanas de conversa oca, o que o comum cidadão reteve é que há aparelhos de escuta telefónica à venda livre no mercado nacional, a baixo custo, ao alcance de qualquer amador que queira escutar uma alta figura do Estado. Como é evidente, compete aos serviços de segurança contornar o problema, que bem conhecem. Onde estava o drama?
Em Dezembro último, as “noites violentas do Porto”, provocadas pelos “gangs dos seguranças”, ameaçava prolongar-se sem solução à vista; as Oposições faziam ouvir os clamores do costume, habituais nos partidos fora do Governo. O Procurador-Geral, desta vez, tomou uma atitude de grande firmeza, e nomeou uma Magistrada com poderes especiais que, em 24 horas, saneou por completo o ambiente, com a ajuda de grande aparato de forças policiais e militarizadas. Todavia, vieram a lume protestos de elementos da Polícia Judiciária do Porto, que à opinião pública pareceram bem a despropósito.
O Director da Polícia Judiciária foi o mais surpreendente, ao admitir agora que talvez tivesse havido precipitação, quando se indiciaram como arguidos os pais de Maddie McCan. Se a ideia era dar pasto e regalo aos tablóides ingleses, a afirmação foi directa ao alvo, e podemos ter a certeza que novos e desprestigiantes epítetos e insultos serão dirigidos à Judiciária portuguesa por esses inferninhos em forma de gazeta.
Recentemente, o novo Bastonário da Ordem dos Advogados entrou também nas surpresas do verbo, e tem insistido em novos aspectos do problema da corrupção, desta vez dentro das próprias estruturas judiciais por um lado, e em altas funções do Estado por outro. Cita ele o caso de pessoas que ganham “a dois carrinhos”, como o povo diz, promovendo, enquanto governantes, legislação que favorece Empresas que foram administrar, após saírem do Governo.
Em termos genéricos, o Dr. Marinho Pinto recusa-se a citar nomes. Lá teremos nós que puxar da memória.
Talvez no Barreiro alguém se lembre…
In Jornal do Barreiro, Online.
Tais declarações têm surgido durante discursos em actos públicos, ou em serenas entrevistas, recatadamente concedidas a órgãos de comunicação social de referência, havendo o cuidado de evitar outros meios de massa de menor qualidade, que em termos genéricos habitualmente se classificam como de “certa imprensa”.
Quer os discursos lidos, quer as entrevistas calmas, são em geral excelentes convites à meditação do discurso, e à apurada selecção dos sentidos e das intenções, entregando ao país temas de meditação ou propostas de mudança.
De facto, de tudo isso se acha nesses textos, posteriormente divulgados pelos media. Mas também tem acontecido insinuarem-se nestas intervenções certas frases ou expressões, que se têm prestado às mais desencontradas especulações.
O problema não tem sido que essas afirmações tenham acontecido, mas sim a sua evidente inoportunidade ou a sua flagrante desafinação, em relação, quer à realidade, quer ao prestígio do Estado Português.
De facto, causa uma penosa impressão a facilidade com que essas pessoas, cidadãos austeros e circunspectos, funcionários ou profissionais de carreira bem conhecida, calejados no cumprimento do dever e na correcta interpretação das leis, se deixam dominar pelo “sindroma do microfone”, e abrem as suas almas até próximo das raias da inocência.
É evidente que o problema da corrupção tem estado subjacente em várias das citadas intervenções. Mas, como de costume, ainda não foi agora que surgiram soluções eficazes, pelo que não há esperança de sairmos do velho ciclo em que o legislador faz uma lei, para no dia seguinte um prático lhe achar o furo.
E, felizmente, não se têm observado tendências como as italianas, de fazer vingar uma “República de Juízes”, concebida para ser politicamente dirigida por magistrados, visando contornar os graves problemas de corrupção com que o país se debate desde os tempos do Império Romano. Sobre esse tema, recomenda-se aos leitores um clássico de Bertold Brecht, “Os negócios do Senhor Júlio César”, para que se entenda que o assunto se mantém quase igual desde há 2000 anos.
Que resultados práticos têm saído destas surpresas do verbo? Que temos ganho com isto? Que se veja, muito pouco. Pelo contrário, o saldo até se tem revelado negativo.
Recordando a primeira entrevista do novo Procurador-Geral da República, veio à baila o problema das escutas telefónicas, que estariam desenfreadas. As Oposições, como é trivial, pediram comparência parlamentar do Magistrado. Depois de semanas de conversa oca, o que o comum cidadão reteve é que há aparelhos de escuta telefónica à venda livre no mercado nacional, a baixo custo, ao alcance de qualquer amador que queira escutar uma alta figura do Estado. Como é evidente, compete aos serviços de segurança contornar o problema, que bem conhecem. Onde estava o drama?
Em Dezembro último, as “noites violentas do Porto”, provocadas pelos “gangs dos seguranças”, ameaçava prolongar-se sem solução à vista; as Oposições faziam ouvir os clamores do costume, habituais nos partidos fora do Governo. O Procurador-Geral, desta vez, tomou uma atitude de grande firmeza, e nomeou uma Magistrada com poderes especiais que, em 24 horas, saneou por completo o ambiente, com a ajuda de grande aparato de forças policiais e militarizadas. Todavia, vieram a lume protestos de elementos da Polícia Judiciária do Porto, que à opinião pública pareceram bem a despropósito.
O Director da Polícia Judiciária foi o mais surpreendente, ao admitir agora que talvez tivesse havido precipitação, quando se indiciaram como arguidos os pais de Maddie McCan. Se a ideia era dar pasto e regalo aos tablóides ingleses, a afirmação foi directa ao alvo, e podemos ter a certeza que novos e desprestigiantes epítetos e insultos serão dirigidos à Judiciária portuguesa por esses inferninhos em forma de gazeta.
Recentemente, o novo Bastonário da Ordem dos Advogados entrou também nas surpresas do verbo, e tem insistido em novos aspectos do problema da corrupção, desta vez dentro das próprias estruturas judiciais por um lado, e em altas funções do Estado por outro. Cita ele o caso de pessoas que ganham “a dois carrinhos”, como o povo diz, promovendo, enquanto governantes, legislação que favorece Empresas que foram administrar, após saírem do Governo.
Em termos genéricos, o Dr. Marinho Pinto recusa-se a citar nomes. Lá teremos nós que puxar da memória.
Talvez no Barreiro alguém se lembre…
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